sábado, 23 de fevereiro de 2013

A educação das nossas crianças...


As nossas crianças aprendem na escola a ler, escrever, matemática, ciência e outras matérias que as podem ajudar a ganhar a vida. Mas muito poucos programas escolares ensinam os jovens como viver – como lidar com a cólera, como reconciliar conflitos, como respirar, sorrir e transformar as formações internas [pensamentos e emoções]. Devemos encorajar as escolas a exercitar os nossos alunos na arte de viver em paz e harmonia.
- Thich Nhat Hanh, The Heart of the Buddhas’s Teaching, Londres, Ryder, 1999, p.150.

Uma das bases mais evidentes da falência do actual sistema é a educação. As famílias, ou seja, nós todos, pouco mais fazemos em geral do que orientar as crianças e jovens para se tornarem iguais aos adultos que somos, supostamente mais experientes e conhecedores, mas que na verdade quase só sabemos como competir e trabalhar para sobreviver e consumir, distrairmo-nos de vez em quando para voltar à rotina de sempre e ser infelizes a vida toda. E depois esperamos que a escola continue o mesmo processo. O resultado é, mais do que o insucesso escolar, o insucesso da escola para cumprir uma verdadeira função educativa e o crescente mal-estar nesta civilização, onde as potencialidades mais profundas do ser humano, como a expansão da consciência, a criatividade, a amizade e o amor desinteressados, a generosidade e a partilha, a empatia com a natureza e todas as formas de vida, são recalcados pela pressão familiar, escolar, social e profissional, dando lugar a seres divididos, em luta contra o melhor de si mesmos e por isso em constante conflito com os outros, que morrem com remorsos de não haver vivido plenamente. Necessitamos urgentemente de outras escolas e de outra escola, mas isso não vai acontecer, globalmente, enquanto a sociedade estiver dominada pela economia de mercado e pela ganância capitalista, da qual somos todos cúmplices e responsáveis. Não basta lutar por mudanças sectoriais sem pôr em causa a estrutura fundamental do sistema.

Paulo Borges

5 comentários:

Amélia Oliveira disse...

‘A educação das nossas crianças’: um tema que me é particularmente querido – porque sou Professora (do Ensino Básico e Secundário) há já muitos anos. Conheço muito bem as nossas escolas, as nossas famílias e as nossas crianças. E deixe-me dizer-lhe, Paulo, que não podemos, na minha opinião, pedir outras escolas sem antes pedir outra sociedade, o mesmo é dizer, outros ‘Nós’, porque a sociedade somos todos nós, não é assim?
A Escola actual desempenha simultaneamente vários papéis: ensinar, educar, alimentar, vestir, amar, e ensinar a amar e a respeitar o ‘Eu’ e o ‘Outro’! As ‘nossas crianças’ vivem literalmente os seus dias em espaços nem sempre agradáveis, bem cuidados, confortáveis, porque não há verbas para os manter assim. Para depois regressarem a casas onde não há tempo nem disponibilidade para os ouvir, porque as famílias estão demasiado ocupadas, o mesmo é dizer, ausentes, ainda que estejam lá tantas vezes para castigar, maltratar ou, simplesmente, ignorar! O jantar, quando existe, é engolido em frente de uma televisão que passa notícias de um mundo em colapso.
Ainda assim, deixe-me dizer-lhe com algum orgulho, acho que as nossas Escolas fazem um bom trabalho, atendendo a todas estas condicionantes! Ainda que atafulhados em burocracia, vamos muito além do que se espera de nós, sobretudo por amor às ‘nossas crianças’. E temos, neste momento, uma geração de jovens que me enche de esperança, criativos, generosos, capazes de amar, mas também capazes de se indignar, de fazer valer os seus pontos de vista, de lutar por ideais, algo que já não via acontecer há algum tempo. Acredito que a mudança tão necessária e urgente de que fala no seu texto será levada a cabo por esta geração de jovens, que têm asas para voar… porque os conheço, porque trabalho com eles todos os dias, porque sei do que são capazes!

Desejos de um bom dia!

Amélia Oliveira

Carlos Santos disse...


Só se pode dar muito quando se consegue ver muito. Esse é um dos dramas da nossa sociedade atual e da nossa escola. A gestão política, educativa, enferma do problema da expressão democrática e da eleição dos líderes que, de certa forma, encontra equivalência no "share" da TVI. Quando na ordem das prioridades trocarmos o Produto Interno Bruto pelo Produto de Felicidade Bruta, então as nossas escolas darão um salto de gigante. Enquanto isso não acontecer a ditadura do mercado continuará a ser imperdoável. Quanto aos Professores o único epíteto que merecem de quem nos governa, pela mão da troika, é que constituem uma classe privilegiada e que é necessário despedir mais uns milhares. Quer dizer, em termos de educação o horizonte que se nos depara é muito pouco promissor.

Bom Dia!

Amélia Oliveira disse...

Carlos Santos,
Tem toda a razão no que diz... contudo, para nós que estamos no terreno, mais importante do que o que diz quem nos governa, são os nossos alunos, a sua Felicidade e o seu aprender a Pensar. E todos somos agentes de mudança, não é? Afinal nós somos parte do sistema educativo e ao 'apontar-lhe o dedo', em abstracto, 'apontamos o dedo' a nós próprios também! Se cada um de nós, Professores, cumprir a sua pequena parte, talvez o amanhã seja melhor do que o hoje!

Amélia

Unknown disse...

A responsabilidade das coisas que conheço é sempre minha. Porque o que por mim não passa não é para mim coisa conhecida.
Assim, seja lá o que for que está mal na educação, a mim se deve também. Eu trabalho em educação e, por isso, ainda mais responsável me sinto pelo que no nosso país acontece. Não atribuo a culpa a outros porque reconheço que eu própria me demito muitas vezes de "lutas" intermináveis para mudar algumas coisas na minha realidade mais próxima. Sei que na minha sala de aula, com os meus alunos, as coisas têm qualidade e funcionam. Não acredito em falsas modéstias e, se deixasse de acreditar no que faço, já estaria a fazer uma outra coisa qualquer. É claro que a minha opinião vale o que vale, na medida em que apenas abarca a realidade que eu conheço, mas julgo que a nossa escola tem muitos problemas complicados, mas a maior parte deles deve-se a quem a integra. Ao fim e ao cabo, apenas quem faz é que pode fazer. Por isso, acredito (por assim viver e não apenas por pensar) que é lutando por mudanças sectoriais que podemos pôr em causa a estrutura fundamental de um sistema.

MJC disse...

Difícil não concordar com o texto do Paulo e, ainda assim, essa concordância não consola.
Há muito já que identificámos as cumplicidades no diagnóstico - e isso é bom, garante-nos que estamos despertos - debatemo-nos na angustia do passo seguinte, na afirmação da alternativa que precisamos construir.
Dia 2 mais uma gigantesca manifestação do NÃO se perspectiva - e isso é positivo - mas cresce uma saudade imensa de construir um SIM.
Ainda assim, continuemos pois.

Manuel João