Nasceu em 1924 na aldeia de Kalomboloka, município do Ikolo e Bengo, província de
Luanda. Enfermeiro de profissão, desde cedo integrou a luta de libertação.
Preso pela PIDE, foi co-réu no famoso “Processo dos 50”, sendo enviado para o
Tarrafal em 1962 onde permaneceu até 1970. Ali escreveu a maior parte das suas
obras. Pertence ao grupo fundador da UEA/União de Escritores Angolanos e é deputado
e membro do Comité Central do MPLA. Antes foi Comissário Provincial de Luanda,
Ministro da Saúde e Embaixador na ex-República Democrática Alemã. Feroz
defensor das tradições do seu povo, pela maneira como sempre as defendeu, opondo-se
com desassombro e frontalidade aos detentores dos novos poderes, esteve para
ser tragado na voragem daquele que foi o período mais negro da história de
Angola no pós-independência: o 27 de Maio de 1977. Em 2006 recebeu o Prémio
Cultura e Artes na categoria de literatura pelo conjunto da sua obra.
Uma das suas obras mais
interessantes intitula-se “O MINISTRO”, escrito em 1989 e tendo a sua primeira
edição em 1990 através da UEA. É uma espécie de autobiografia política narrada
com muita sátira, muito humor e com um forte apelo aos valores tradicionais
tais como o respeito pela sabedoria dos mais velhos ou a identidade própria de
cada aldeia, de cada sanzala, de cada povo das diferentes regiões de Angola.
Também fala no desencanto das populações com as mil promessas não cumpridas
depois da independência. É um livro incómodo para alguns e dele extraio o
parágrafo inicial:
“(…) Esta obra
dedica-se a um “ministro”, entre aspas, que posso ser eu ou outro qualquer. Há
ministros de nome, ministros de cargo e ainda ministros entre aspas. Há um povo
que desconhece a nomenclatura e não distingue cargos; para ele um ministro
também é o director, o secretário, o chefe de departamento ou do sector e todos
os que trabalham com o ministro, inclusive, o contínuo, o trabalhador de
limpeza, o servente, a lavadeira, a criada; porque alguns desses, e
aqueloutros, nos seus bairros e vilas, fazem-se ou cognominam-se ministros; e
constroem e constituem os seus ministérios como órgãos, organismos, e até presidências, nos musseques, falando em
nome de superiores, invocando nomes de destaque no Governo para atingir os seus
fins, extorquindo, aprisionando, roubando, vigarizando, subornando,
assassinando, gerundindo daí para fora com todos os gerúndios negativos. Ora,
um povo habituado dessa maneira, crê e acredita serem todos ministros, até o
cão do ministro ladra diferentemente do cachorrito do bairro de lata e de
caniço sem asfalto, sem luz e sem água.”
Para atestar sobre a
frontalidade e desassombro de Uanhenga Xitu aqui deixo também a parte inicial
do seu poema “PUEMA”, escrito em 1976 e que lhe valeu muitos amargos de boca:
“Eu sou o pUeta de Kimbundu*
sem calças nem cuecas e
nem sapatos
ando de mulala*, passeando
na sanzala, cidade, nas matas, nas serras, montanhas,
no makelu*
onde há homens que
falam e não dizem nada
há homens que falam nas
pessoas de pé durante horas-horas-horas
e os ouvintes não
ouvem, suam, desmaiam, fogem, têm fome
onde há homens já sem
carne no cu
toda fugida na barriga
de cuca e nocal*
e andam nos mercedes
gritando: sou do MPLA
onde há pessoas que
fazem camanga* selectamente
e não querem ser
cangados*…”
*
Camanga – tráfico ilegal de diamantes
Cangado – preso, apanhado
Cuca e Nocal – marcas de cerveja fabricadas em Angola
Kimbundu – uma das principais línguas de Angola
Makelu – contentamento, felicidade
Mulala – pequeno pedaço de pano usado para tapar o sexo
Tomás Lima Coelho
1 comentário:
Caro Tomás
Muito bom termos conhecido mais um pouco da literatura angolana. Obrigado. Sabermos o que se passa em Angola e o que vão fazendo os artistas angolanos é de muita importância para todos nós, os de expressão lusófona, porque é uma forma de ficarmos mais perto uns dos outros, mais fraternos, mais solidários. É necessário que as diferentes culturas lusófonas se aproximem e o trabalho que vais desenvolvendo sobre a literatura angolana é, para nós, de altíssimo valor.
Parabéns e Abraço.
Enviar um comentário