Os anos passam mas, pelo menos até à idade em que estou, nas capacidades físicas, especialmente essas que sinto no meu corpo, as intelectuais para aqui não contam, pois estas parecem avolumar-se pelo decorrer da idade, na força que ainda possuo no auge dos meus quarenta e sete aniversários, diria que daquela passagem damos conta no rosto dos outros, a começar, para aqueles que têm filhos, nos daqueles que crescem à nossa volta e se vão modificando e mais que naquele em que nos vamos mirando por todas as renovações do alvorecer, é nesses espelhos que vamos percebendo que as translações são inexoráveis e deixam marcas, nas madeixas de neve que nos começam a salpicar os cabelos, nas gelhas teimosas que persistem na testa sem que o sobrolho se franza e que no dia a dia não damos conta, da mesma forma que sendo saudáveis, continuamos a erguermo-nos sem qualquer dificuldade todas as manhãs, a recuperarmos de um esforço pela clemência de uma única noite de repouso e com isso vamos andando sem que estejamos preocupados com a sucessão dos entardeceres que nos vão fazendo entrar na tarde das nossas próprias vidas. As sociedades têm mecanismos que, não sendo propriamente dito com tal finalidade, de alguma maneira também servem para nos chamar a atenção sobre a inevitável passagem do tempo a que nos temos que ir adaptando, isto é, que para nós implicam mudanças a que temos que procurar corresponder para interpretarmos os diversos papéis que o nosso percurso vital nos convida a desempenhar. É isso que é a escola, por exemplo, ou para os rapazes o serviço militar e para todos o lugar de aprendiz, seja qual for a função ou ofício. Por tais marcos vamos sabendo que passámos de meninos e meninas a rapazes e raparigas, mais tarde a gente crescida e adulta, mas nem por isso vamos dando conta da contabilidade das anuidades e só quando chocamos de frente com novas etapas decisivas ou um ou outro evento extraordinário mas com implicações directas nessa percepção, só aí compreendemos que a vida se foi cumprindo e com isso aproximando-nos dos limites que se esperam que venhamos a ter. Ainda há pouco mais de dois anos, pela ocasião do vigésimo aniversário da nossa comunidade, tive a oportunidade de me confrontar com esse fenómeno, vinte anos passados, a consciência da distância a que ficou a juventude com que aqui chegámos, mas só agora tenho a sensação de como isso se traduz no concreto das nossas vidas. A verdade é que até aqui, todas as conversas, todos os debates, todas as decisões que temos tomado ao longo desta aventura, têm girado sempre à volta de novos projectos que, de algum modo, têm a ver com a expansão das nossas actividades e, para falar com toda a franqueza, tenho de reconhecer que para mim foi um choque o ter-me visto, assim um tanto de repente, colocada perante a necessidade de pensar na reforma e como nos poderemos organizar para lhe encontrar uma resposta adequada, o mesmo é dizer, habilitarmo-nos para conseguirmos garantir um rendimento o mais próximo possível daquele que usufruímos no presente para todos aqueles que cheguem à idade da aposentação. Pois tem sido isso que nos tem ocupado nestes últimos meses desde que o senhor Abel nos alertou para a sua idade e a vontade de se retirar para ainda poder gozar com a sua Noémia o prazer de uma vida descansada. O homem completou há pouco as sessenta e duas primaveras, uma mais que as da sua mulher e, como nos disse ontem, ao jantar, sente que a vitalidade já não é a mesma para a responsabilidade diária do trabalho e claro que gostaria de dispor do direito que todos reconhecemos como legítimo e efectivo de uma velhice serena e sem ter que estar subjugado à demanda do pão nosso de cada dia, para usar as suas próprias palavras. E é isso, com efeito, a reforma trata-se do mais elementar direito daqueles que trabucam tantas dezenas de anos consecutivos e foi por isso que depois de muitos estudos, trocas de impressões e contas, muitíssimas contas, decidimos afectar a produção do sobreiral à constituição de um fundo de rendimento que, através dos lucros anuais gerados, terá como pagar as aposentações de todos. A partir daqui todos nós passaremos a ver descontados uns meros cinco por cento dos nossos vencimentos que irão confluir para esse fundo de pensões que será gerido pelo Gustavo e que daqui a dois anos passará a pagar o retiro daquele casal, uma vez que ficou estabelecido que os homens deixarão de laborar aos sessenta e cinco anos e as mulheres aos sessenta. Em ambos os casos poderão abreviar em cinco anos a licença definitiva, sofrendo no entanto uma penalização de vinte por cento sobre o salário que teriam no fim do termo certo. Em qualquer caso de invalidez, seja por acidente ou doença, o beneficiário receberá o vencimento por inteiro. Parece-me que decidimos com justiça. E eu daqui a treze anos, mais precisamente em setenta e seis, se lá chegar, alcançarei então o meu direito ao merecido descanso.
Uma Revista que se pretende livre, tendo até a liberdade de o não ser. Livre na divisa, imprevisível na senha. Este "Estudo Geral", também virado à participação local, lembra a fundação do "Estudo Geral" em Portugal, lá longe no ido século XIII, por D. Dinis, "o plantador das naus a haver", como lhe chama Fernando Pessoa em "Mensagem". Coordenação de Edição: Luís Santos.
terça-feira, 30 de abril de 2013
segunda-feira, 29 de abril de 2013
REAL... IRREAL... SURREAL... (26)
Chamada da Morte, Autor António Tapadinhas, 2001 Tinta da China, sobre Cartolina, 30x23cm |
CHAMADA DO ALÉM
Pela primeira vez, mais de um ano decorrido sobre os acontecimentos de que fui actor involuntário, vou relatar o que se passou, com a certeza de que apenas servirá para aumentar dúvidas arrepiantes e (porque não dizê-lo?) elevar o meu medo, num crescendo aflitivo, inexplicável, assustador e sinistro.
Não pretendo desvendar nenhum mistério, nem formular hipóteses de explicação. Pretendo apenas (e é tanto!), exorcizar fantasmas.
Tudo começou nessa noite de Inverno, com vento de agulhas e frio de gelar fogos. Entrei no café e sentei-me, tremelicando o pedido de uma bebida, enquanto amaldiçoava o tempo.
Na mesa ao lado, um homem que eu via pela primeira vez, concordou comigo:
- “ Tem razão! É uma porcaria de tempo! Mas repare que assim tem algo de concreto para odiar. Eu, infelizmente, nem isso tenho! É tão bom odiar: o tempo, a vida, as pessoas…”
Era tão estranha a sua conversa, na normalidade das suas roupas, tão singular a sua maneira de falar, que pensei estar a ouvir um louco. Sem uma pausa, continuou, em jeito de confissão:
- “ Nunca disse a ninguém mas vou confiar-lhe, a si, porque é um desconhecido, o meu segredo: eu vivo apavorado! Oiça bem: apavorado! “ - e puxava-me as bandas do casaco, as mãos como cabos eléctricos a ligar-me à veemência do seu grito.
( E tinha razão: eu senti a corrente a passar!)
- “ Sou orgulhoso demais para contar a um amigo, o medo que me dilacera a alma, o pavor da Morte. Sou escritor. Nos meus livros, conto as minhas impressões de viagens a terras distantes, às mais estranhas, porque quero ser diferente, original. A Vida não tem de ser igual para todos. Igual só o Nascimento e a Morte - o Princípio e o Fim. O que se passa durante, depende de cada um de nós. Uma certeza que se desfez como bola de sabão, numa tempestade de granizo.”
Mandei vir mais duas bebidas: já não podia fugir.
- “Há quinze dias, o meu melhor Amigo e Mestre (palavras quase sempre sinónimas) morreu inesperadamente. Uma pequena Eternidade para mim, toda a Eternidade para ele. Será que podemos fraccionar a Eternidade? Como se medem Eternidades? Einstein estava enganado e enganou-nos a todos: a luz, afinal, era mais veloz no Princípio. Será que está a perder velocidade desde então? Sendo assim, todos nós ficaremos agarrados a um imenso buraco negro, no fim do Mundo.”
Engoli o resto da bebida. Fazia-me falta!
- “Temi endoidecer! Quase uma semana depois da morte do meu amigo, a sua viúva telefonou-me com gritos silenciosos de terror estridente na sua voz. Queria encontrar-se comigo. Arrumei a minha dor, subitamente desperta, numa prateleira e saí a correr. Afinal não era nada urgente ou inadiável. Tinha a ver com a Eternidade: um assunto que pode esperar!
Para encurtar razões, depois da sua morte, nunca mais conseguiram encontrar o seu telemóvel. Mas ele existe - não morreu com o dono, como os servos dos faraós. A Companhia continuou a debitar chamadas para pessoas com as quais não temos a possibilidade (não?) de falar: Fernando Pessoa, Alexandre Herculano, Mário de Sá-Carneiro, José Cardoso Pires… Sabe o que sugeri?”
Abanei a cabeça.
- “Abram a sepultura, exumem o cadáver, procurem e destruam o aparelho, antes que as larvas e os vermes comam tudo, como os vampiros da canção.”
Um calafrio percorreu-me o corpo, mas mesmo assim consegui sorrir, enquanto dizia:
-É um mistério, sem dúvida mas não é caso para ficar aterrorizado.
O homem olhou para mim, com arrepios de gelo azul nos olhos:
- Esse telemóvel nos últimos dias tem chamado o meu número. Quando pergunto quem fala, só oiço ruídos de infinito.
Nesse preciso momento, ouvi com todos os meus sentidos a vibrar, um toque de campainha.
Um esgar de pavor, contraiu-lhe o rosto.
Atónito, petrificado, vejo-o a sair, correndo... correndo…
Levantei-me a custo. Consegui vê-lo, ainda, à esquina da rua, com um pequeno objecto na mão.
Perguntei ao dono do café se conhecia o senhor que acabara de sair.
- É um escritor e poeta muito conceituado, nosso cliente habitual. Sempre calado, calmo, a observar as pessoas… É estranho o seu comportamento.
No dia seguinte, na primeira página do jornal, lá vinha a notícia que eu não queria:
“ Morreu o escritor…”
Fiquei a olhar para a fotografia.
Acreditava no que via - a notícia, sem acreditar, ainda, no que tinha ouvido - a chamada da Morte.
domingo, 28 de abril de 2013
RETRATOS – III
Pintura
de Luís Delgado (óleo sobre platex)
DESEMPREGO
Voltaram
os distúrbios do sono.
Vai-se
para a cama quando os olhos já pesam e os bocejos se soltam e, após o
indispensável balanço do dia e o reavivar de alguma ocupação agendada para o
tempo seguinte, o sono acaba por chegar aparentemente natural já que com
certeza legítimo.
Mas
algo existe, que de natural nada tem pois que subitamente se interrompe o sono
às horas mais surpreendentes.
Indeciso
entre considerar já ser muito tarde ou ser ainda muito cedo, fica-se ali quieto
esperando que o dormir regresse. Os olhos mantêm-se fechados como que ordenando
ao corpo que readormeça.
Ouvem-se
as horas na torre da igreja.
Uma
única badalada.
Ora
bolas que meia será?
Às
vezes espera-se que a torre nos diga o acerto das horas completas, outras não
há pachorra para esperar mais meia hora para a confidência. Acende-se então a
luz do candeeiro e espreita-se o despertador: 05,30 horas.
Uma
volta na cama e a tentativa de que o calor do leito iluda a biologia e se deixe
de novo seduzir pela lembrança do sono recente e contorne a despertina. É, recorrentemente, uma expectativa frustrada, o despertar está decidido e não se
acobarda.
No
outro dia eram 04,50, noutro 06,15, noutro ainda 05,10. Às vezes ainda se fica
um pouco deitado, de olhos abertos, tricotando pensamentos embalados no
respirar pesado da companheira que ao lado dorme ou evade-se a atenção para o
exterior catando ruídos na noite.
Às
vezes ouve-se uma coruja já que por aqui há algumas.
O
tempo passa lento em direcção à manhã e ao corpo impõe-se o levantar. De
mansinho, como convém atendendo à hora e para não incomodar o resto da família
que dorme sem dar por nada. Levantam-se as persianas devagar oferecendo-se às
plantas cá de casa o clarear da manhã.
Na
cozinha se bebe água e se fuma um cigarro na varanda das traseiras olhando,
até ao encadeio, o néon amarelo dos
candeeiros da praceta até que a aurora surge num ritual sempre novo e os ruídos
do despertar se começam a ouvir nas casas ao lado.
Durante
muito tempo foi assim.
Só
eu na noite aguardando a chegada do dia.
Agora
já não é pois que, de vez em quando, identifico outros fumos, de outros
cigarros, que se elevam das janelas.
Não
sendo aberrante é, contudo, de certa forma estranho.
O
tempo habitualmente consignado ao descanso, consumindo-se com os cigarros que
se fumam em silêncio na madrugada.
Senti
necessidade de me informar do que por ali se passava e lá fui sabendo que o
desemprego recrutara mais reforços ali no quarteirão.
Pronto,
estava explicado.
E
assim, também, compreendido o porquê desta solidão partilhada acentuar ainda
mais o desconforto e a sensação de abandono despropositado e, como tal, óbvia e
forçosamente inaceitável.
Temos
de dar uma volta a isto.
O
presente o exige, o futuro o merece.
Manuel João Croca
sábado, 27 de abril de 2013
Os caminhos do espírito
A
Tradição Islâmica
Tradição fundada por Maomé (570-632). Maomé nasceu em
Meca, o centro espiritual do islamismo.
Durante um dos retiros espirituais que Maomé
costumava fazer nas cavernas dos Montes Hira para orar e meditar, foi visitado
pelo Anjo Gabriel que lhe anunciou ter sido escolhido por Deus como o último
dos profetas da Humanidade.
Gabriel aparece suspenso na posição de lótus,
estende-lhe o Corão, o livro sagrado do islão, e pede-lhe que ele o recite. Na
tradição oral diz-se que Maomé foi levado pelos anjos numa viagem ao Paraíso,
onde viu os diferentes níveis de existência (planos infernais, intermédios
(purgatório) e divinos).
Allah (Deus), já é referenciado pela cultura
árabe politeística, anterior a Maomé, sendo considerado como o Deus supremo.
Maomé, como diz Mircea Eliade, em “História das Crenças e Tradições Religiosas”,
(…) vem dizer que não há Deus senão Deus, e que só Ele é digno de ser cultuado,
tirando realidade ao homem e ao mundo. A criação é uma teofania e toda a
criatura é uma manifestação de Deus.
Maomé funda, então, uma nova tradição religiosa
assente em cinco regras fundamentais:
1) Shalat
– oração quotidiana cinco vezes por dia, virados para Meca.
2) Zakât –
esmolas legais para benefício de todos.
3) Sawn –
período de jejum durante o Ramadão
4) Hajj - peregrinação a Meca, pelo menos, uma vez na
vida, com exceção para os que não têm recursos.
5) Shahâdat
– Só há um Deus e Maomé é o seu profeta.
Existe um islamismo esotérico (interior) que
passa só pela oralidade, reclamado pelos Sufis como vindo diretamente do
Profeta. Sustentam que as revelações visionárias de Deus não são credíveis, mas
sim as auditivas. Este princípio que, de alguma forma, desacredita a
experiência de Moisés sempre lhes trouxe alguns problemas...
Os Sufis (os sábios) usavam roupas muito pobres
que consistiam nuns bocados de tecidos cozidos uns aos outros. O Sufismo é a
entrada no comportamento exemplar que consiste em morrer para si e viver em
Deus (ver Sufismo, de Carl W. Ernst, Edições Chambala).
Já os dançarinos Dervishes rodopiam (numa
oração integral com o corpo, a alma e o espírito) até entrarem em transe, de
forma a chegarem a Deus. Segundo eles, a dança constitui a forma mais rápida
para aceder ao divino. Esta importância que se dá à dança acontece igualmente
noutras culturas.
Uma última nota: O conceito de Jihad (esforço
que se deve fazer para chegar a Deus – “guerra santa”), não tem uma
interpretação exclusivamente violenta. Para os Sufis a Jihad é para ser feita
contra si próprio, contra a não submissão a Deus que existe em cada um.
Carlos Rodrigues
sexta-feira, 26 de abril de 2013
Eduardo Galeano
“O DIREITO AO DELÍRIO”
EDUARDO GALEANO
Que
tal se delirássemos por um momento?
Que
tal fixarmos o olhar para lá da infâmia, para adivinhar outro mundo possível?
O
ar estará limpo de todos os venenos que não procedam dos medos humanos
e
das humanas paixões.
Nas
ruas os automóveis serão derrotados pelos cães.
As
pessoas não serão usadas pelo automóvel, nem serão programadas pelo ordenador,
nem
serão compradas pelo supermercado, nem serão tampouco olhadas pelo televisor.
O
televisor deixará de ser o membro mais importante da família
e
será tratado como o ferro de engomar ou a máquina de lavar roupa.
Incorporar-se-á
nos códigos penais o delito de estupidez que é cometido
pelos
que vivem para ter ou para ganhar, em vez de viverem apenas para viver,
tal
como o pássaro canta sem saber que canta
e
a criança brinca sem saber que brinca.
Em
nenhum país serão presos os jovens que se neguem a cumprir o serviço militar,
antes
o serão os que o queiram cumprir.
Ninguém
viverá para trabalhar mas todos trabalharemos para viver.
Os
economistas não chamarão nível de vida ao nível de consumo,
nem
chamarão qualidade de vida à quantidade de coisas.
Os
cozinheiros não acreditarão que as lagostas gostam de ser fervidas vivas.
Os
historiadores não acreditarão que os países gostem de ser invadidos.
Os
políticos não acreditarão que os pobres gostam de comer promessas.
A
solenidade deixará de ser tida como virtude,
e
ninguém, ninguém levará a sério quem não seja capaz de rir de si próprio.
A
morte e o dinheiro perderão os seus mágicos poderes
e
nem por herança nem por sorte se converterá o canalha em cavalheiro virtuoso.
A
comida não será uma mercadoria nem a comunicação um negócio,
porque
a comida e a comunicação são direitos humanos.
Ninguém
morrerá de fome porque ninguém morrerá de indigestão.
Os
meninos de rua não seráo tratados como se fossem lixo,
porque
não haverá meninos de rua.
Os
meninos ricos não serão tratados como se fossem dinheiro,
porque
não haverá meninos ricos.
A
educação não será o privilégio dos que a podem pagar
e
a policia não será a maldição de quem não a pode comprar.
A
justiça e a liberdade, irmãs siamesas, condenadas a viver separadas,
voltarão
a juntar-se, bem coladas, costas com costas.
Na
Argentina as loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde mental
porque
nos tempos da amnésia obrigatória elas se negaram a esquecer.
A
Santa Madre Igreja corrigirá algumas erratas das tábuas de Moisés
e
o sexto mandamento ordenará festejar o corpo.
A
Igreja ditará também um outro mandamento de que Deus se tinha esquecido:
“amarás
a Natureza de que fazes parte”.
Serão
reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma.
Os
desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados
porque
eles se desesperaram de tanto esperar e se perderam por tanto buscar.
Seremos
compatriotas e contemporâneos de todos os que tenham vontade de beleza
e
vontade de justiça, nascessem quando nascessem, vivendo não importa onde,
pois
em nada importam as fronteiras do mapa nem do tempo.
Seremos
imperfeitos porque a perfeição continuará a ser
o
enfadonho privilégio dos deuses.
Mas
neste mundo, neste mundo vergonhoso e fodido
seremos
capazes de viver cada dia como se fosse o primeiro
e
cada noite como se fosse a última.
(Tradução
e adaptação de Abdul Cadre)
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O direito ao delírio
quinta-feira, 25 de abril de 2013
quarta-feira, 24 de abril de 2013
Alvorada de Abril
Prezadíssimos amigos
ALVORADA DE ABRIL
Passam esta semana as celebrações do 25 de Abril em Portugal.
Apesar das turbulências do presente, pode recordar-se Abril com o seu intrínseco significado que este meu poema relembra o qual poderá ver em Poema da Semana, no PPS anexo ou neste link:
http://www.euclidescavaco.com/Poemas_Ilustrados/Alvorada_de_Abril/index.htm
ALVORADA DE ABRIL
Passam esta semana as celebrações do 25 de Abril em Portugal.
Apesar das turbulências do presente, pode recordar-se Abril com o seu intrínseco significado que este meu poema relembra o qual poderá ver em Poema da Semana, no PPS anexo ou neste link:
http://www.euclidescavaco.com/Poemas_Ilustrados/Alvorada_de_Abril/index.htm
Euclides Cavaco
cavaco@sympatico.ca
Aceite o meu CONVITE e venha tomar comigo um cálice de poesia.
Entre por aqui na minha sala de visitas e saboreie da que mais gostar...
www.euclidescavaco.com
www.ecosdapoesia.com
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Poesia
terça-feira, 23 de abril de 2013
A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA
Afinal era esta a profissão que o paizinho dizia não só estar ao meu alcance, como ainda seria aquela que melhor se adaptaria à minha condição feminina. É curioso como as pessoas nunca são monolíticas nem lineares, isto é, raramente se constituem numa mesma massa que ainda menos se faz num todo coerente em que as diversas facetas estejam de acordo entre si e derivem umas das outras por sequências lógicas, elas próprias fruto de decisões conscientemente premeditadas. Antes é mais frequente que acabem por ser empurradas ou, no mínimo, condicionadas pelas vicissitudes do quotidiano que tantas e tantas vezes sequer controlam e dependem da sua vontade, os percursos vitais de cada um vão sofrendo alterações que, aqui e ali, provocam modificações tais que chega a parecer que, em dadas situações, estamos perante pessoas distintas apesar de sabermos que apenas estamos a considerar um único indivíduo. O meu querido pai também era essa mistura de antigo e moderno que ora expressava pontos de vista muito avançados para o seu tempo, ora tecia considerações a partir de formas de mentalidade e referências culturais de antanho. Era ele um homem de grande sabedoria que, no recato da casa e do repouso após o dever, procurava manter alimentada e actualizada, na concomitância de saber tirar partido de todos os recursos que tinha à disposição para se manter a par do que se ia passando pelo mundo exterior e, certamente por isso, era capaz de tecer sólidas e fundamentadas opiniões sobre o presente, da mesma maneira que se atrevia a olhar o futuro para sobre ele estabelecer algumas previsões. Era um homem extraordinário, o meu adorado pai, ávido por satisfazer uma curiosidade ilimitada pelo que não se cansava de reunir dados e informações a respeito das mais pequenas coisas e até parece que o estou a ver, cheio do entusiasmo de uma criança em torno do seu brinquedo preferido, a ler em voz alta, para que a mãezinha pudesse partilhar, as cartas em que um amigo lhe respondia às perguntas que lhe ia colocando quanto à maneira de viver na grande cidade de Nova Yorque para onde emigrara e onde vivia e trabalhava há muitos e bons anos. Era esse o lado vanguardista do paizinho que o levava a dizer que o mundo de subalternidade em que as mulheres têm vivido está condenado mesmo que tão só no longo prazo e, por isso, me aconselhava a preparar-me para ter uma profissão que me permitisse viver com dignidade e algum conforto mas, sobretudo, me conferisse a independência de não ter que precisar de quem quer que fosse e muito menos de homem algum. Depois lá vinha a figura do seu tempo e de uma sociedade provinciana como era e continua a ser aquela em que foi criado e lá avançava ele com a distinção entre aquilo que seria uma vida profissional adequada e entre todas aquelas que, no seu entender se ajustariam a alguém como eu, uma vez estar fora de causa a eventualidade de vir a abraçar uma carreira médica como, desde muito cedo ficou claro, perfeitamente claro, reforçaria, isto em função dos meus gostos e até aptidões, as funções na docência eram aquelas que melhor recomendação lhe mereciam e quando eu comecei a manifestar interesse pelos assuntos filosóficos e mais tarde defini a vontade de vir a fazer estudos superiores nessa mesma área, logo ele me incentivou a seguir em frente e serenou quanto ao acerto da escolha, justamente com o argumento de que por essa via poderia vir a entrar na docência e vir um dia a ganhar a vida com algum desafogo. Aliás, daí a aflição que senti nele quando eu e o Manuel demos conta do projecto de vida em que pretendíamos enveredar e que tanto a ele como à minha querida mãe pareceu uma aventura sem sentido. Pois foi por isso que este que acabou por ser o meu encontro com a profissão docente, afinal, mais não foi que uma espécie de reencontro com aquilo que parecia estar-me destinado. E em boa hora, tenho que o confessar. É verdade que depois de ouvir a proposta para assumir o cargo de professora nesta nossa escola, a primeira reacção foi a de tomar-me de hesitações para aceitar o lugar. Era natural que me surgissem reservas em face da impreparação que era, de todo, evidente e das dúvidas que então me surgiram como razoáveis quanto ao facto de me poder capacitar para a função e na mesma me conseguir manter actualizada. Mas o tempo veio a mostrar-me como estava enganada e acima de tudo a permitir-me aceder a esse estádio de formação permanente, quer através dos mecanismos oficiais que para isso estão à disposição de quem quer entregar-se a tão nobre profissão, quer no âmbito das actividades que, para esse efeito, vamos desenvolvendo aqui entre nós. No entanto, não foi apenas aí que as minhas reticências iniciais se dissiparam e aqui devo dizer, até com algum grau de surpresa para mim. Certo, certo é que eu nunca imaginei, provavelmente jamais o poderia ter feito, o quanto eu viria a gostar do exercício que é o acto de ensinar. Antes de tudo não era capaz de prever como tenho tanta presença de espírito para anular as dúvidas mais profundas que os alunos sempre vão manifestando num ou noutro caso, como acabo regularmente por saber ilustrar uma ideia com exemplos que não tinha planeado e como me ocorrem conhecimentos que, amiúde, julgava esquecidos no desuso que até então lhes tinha dado, ao ponto de chegar a ter a sensação que sequer os possuía. A paciência para ouvir e me entusiasmar com as leituras e conclusões dos alunos, mesmo aquelas que, de imediato, vejo como erradas e fantasiosas, a precisar de remendo ou da rejeição pura e simples e, mais que isso, o saber esperar pelo ritmo do aluno aprendiz para lhe transmitir como e no que deve emendar, eis atributos que, à partida, em circunstância e por motivo algum conseguiria adivinhar em mim e isto mesmo tendo em conta que tenho criado dois filhos e, sem me querer estar aqui a colocar num patamar acima de quem quer que seja, nem possa dizer que me tenha vindo a sair mal, se disso é prova o carácter e energia daqueles que criamos. Contudo, uma coisa são os nossos filhos que não nos pediram para os trazermos ao mundo e a quem nos liam relações de afecto e amor que nos levam a encarar as adversidades com o espírito de tudo querer fazer para as ultrapassarmos, sem olhar a canseiras e a gastos de tempo. Outra coisa são os alunos por quem obviamente poderemos sentir o peso da responsabilidade de os sabermos dependentes do nosso engenho para connosco aprenderem, mas perante quem não temos a obrigação de zelar para que, no seu todo, venham a ser pessoas de bem. E isso surpreendeu-me; sinceramente nunca me teria imaginado capaz de ser tão paciente e compreensiva com o gosto e o empenho de cada um na aprendizagem e tenho para mim que não só venho obtendo resultados positivos, pois é isso que se conclui do bom aproveitamento dos vários rapazes e raparigas que depois de passarem pelas minhas mãos, já frequentam o ensino superior e universitário, bem como o desembaraço e os excelentes desempenhos daqueles que não tendo querido continuar a estudar, seja aqui, nas nossas unidades de produção, seja fora daqui, já entraram na realidade do trabalho diário, como, mais importante, tenho ajudado a contribuir para o gosto pelo saber e conhecimento como indirectamente o indicia a intensa e variada actividade cultural da nossa associação onde, como não podia deixar de ser, os mais jovens têm um papel tão relevante e um desempenho considerável. É a melhor recompensa de todo o esforço que tivemos com eles, vê-los capazes de voarem pelas suas próprias asas e confiantes das suas competências e capacidades. É a consciência do dever cumprido e o saborear do gozo que isso nos dá. Seja como for, há o prazer incomparável de presenciar aquilo que particularmente chamo de efeito de orquestra que, para mim, é o aspecto mais reconfortante da prática de ensinar. É o que resulta do estado de ignorância com que os mais jovens nos chegam à frente e que a nós compete ultrapassar iniciando-os numa determinada linguagem e método de pensamento e é aí que vejo o paralelismo com a orquestra que, no começo, pode estar desafinada e que à medida que os ensaios vão evoluindo vai tocando cada vez mais afinada, ao ponto de as diversas secções, tantas vezes, se nos assemelharem ao desempenho de um único instrumento excelentemente executado. É o que se passa com os alunos que no primeiro dia nada sabem da nova disciplina e pelo decurso da aprendizagem começam a dominar conceitos e a linguagem, chegando ao fim do ano prontos para conversarem com preceito e a propósito a respeito dos assuntos que aprenderam. É isso que mais me impressiona e motiva na actividade docente e que maior alegria me dá poder observar, esse momento que nunca sabemos quando chega mas a partir do qual o passarinho começa a ter força nas asas para voar sozinho. Só quem nunca passou pelo mesmo, terá dificuldade em compreender a profunda alegria que sinto por isso.
segunda-feira, 22 de abril de 2013
REAL... IRREAL... SURREAL... (25)
Mulher ao Espelho, Picasso, 1963
Óleo sobre Tela, 116x89cm
|
SOU
EU
Gostava de ser melhor.
Mas vou à frente de mim
Sem chegar ao que preciso
Para cumprir o meu ser.
Este ser que me apetece.
Este ser em que acredito.
Este ser que não alcanço
Por ir à frente de mim
Sem nunca me acompanhar.
Gostava de ser melhor
Gostava de a mim chegar.
Eu não sou o que desejo
Eu desejo o que não sou.
Estranho rodopiar.
Sem conseguir apanhar
Esta pessoa que vejo
Fugir da outra pessoa
Que teima em cá ficar
E não consegue chegar
Nem perto do que sonhei
Nem longe do que fiquei.
Para cumprir o meu ser
Gostava de ser melhor.
.
Serei duas ou nenhuma?
Sou eu.
E é por ser
Que não sou.
Maria Teresa Bondoso
Maria Teresa Bondoso
domingo, 21 de abril de 2013
RETRATOS
- II
Olha
agora o mar e escuta o azul.
O
teu mar interior o tom de que se veste.
O
vento sossega
torna-se
brisa
as
aves pousam
a
vida acalma-se
refreia-se
suspensa
de ti
em
ti
esperando
o sinal
do
que queiras.
Agiganta-se
um pulsar
nessa
quietude.
As
árvores refrescam-se
no
orvalho
que
da alma escorre
e
as nuvens percebem
que
devem partir.
Então
o
sol brilha
sem
obstáculos.
Os
caminhos reverdam-se
nas
ervas
que
os tracejam
e
o azul liquefaz-se
mais
inunda
todos
os espaços
e
vivifica-os
nesse
refrescar.
As
luzes das janelas
iluminam
as casas
no
princípio da noite,
trabalhadores
descansam
dos
cansaços do dia,
as
crianças acolhem-se
no
colo das mães
ávidas
de acariciar.
O
sonho levita no sentir
bem-aventurado
de
quem se dignifica
no
banho do suor próprio
que
amassa o pão
que
se serve à mesa.
A
ternura exercita-se
nas
histórias que se contam
à
noite,
depois
da janta,
no
remanso do sofá.
Manuel João Croca
Foto de Edgar Cantante
sábado, 20 de abril de 2013
Vidas Lusófonas
O rigor histórico não
está condenado à prosa de notário,
é possível conviver com as figuras do passado.
é possível conviver com as figuras do passado.
Saber o que foi, pode ajudar-nos a talhar o que será.
troca ideias com o filósofo
enquanto sobem até
onde já moram 157.
Naquela casa tudo está a
acontecer,
cada vida / cada conto.
Por isso já recebeu mais de 26,7 milhões
de visitas.
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Vidas Lusófonas
sexta-feira, 19 de abril de 2013
Livros de África
MANUEL RUI (Manuel Rui Alves Monteiro)
Dono de uma já vasta
bibliografia, nasceu no Huambo (Angola) em 1941. Formou-se em Direito em
Portugal onde exerceu a profissão até 1974, data em que regressa ao país natal.
Ali exerceu o cargo de Ministro da Informação no Governo de Transição de 1975. Professor,
escritor, cronista, crítico e ensaísta, é membro fundador da União dos Artistas
e Compositores Angolanos, da Sociedade de Autores Angolanos e da União de
Escritores Angolanos.
Fazendo uso do
linguajar luandense que transformou a língua portuguesa num idioma muito
próprio e original, método aliás muito usado pelos escritores angolanos da sua
geração (e não só), procura combater os males da sociedade em que vive, por
dentro, isto é, mantendo a crítica presente em quase toda a sua obra, aliando, quase
sempre, a seriedade ao humor, o que faz com notável acuidade. Tomo, como
exemplo do seu estilo, o trecho inicial do livro “ESTÓRIAS DE CONVERSA”,
publicado pela Caminho em 2006, que agrega cinco histórias, as estórias
mencionadas no título. É a primeira e intitula-se “Curto relato de um feiticeiro”.
“Eu mesmo João. Com o
número que me puseram no recenseamento e depois na recruta até agora sou o
soldado vinte mil e catorze mas, na maneira como sou kambuta (*), logo no
princípio de aprender de soldado os meus camaradas me andavam só a estigar (*)
de semachista! (*) Na maneira essa que me chamam de João Jaques (*) eu que nem
nunca joguei básquete fiquei aí com o nome do nosso campeão e ainda nas matas
quando se podia ouvir no relato e o Jaques falhava só uma bola logo-logo os
camaradas começavam na estiga que você está embora falhar sô João! Que você já
nem merece o Jaques mais que vinte mil e catorze se número de soldado que você
ainda falta andar nesses quilómetros de combate. Mas quando no relato se
encontrámos campeão africano outravez todo o pessoal me levantou no ar João!
João Jaques semachista! João! Vai! E eu assim no ar, já mais alto, a me
obrigarem até na maneira de levantar os dois braços, saco sô Jaques camarada
João!
Assim mesmo eu sou o
soldado João e isso que vou contar já contei na minha mãe agora que voltei no
Malange. E estava a falar na minha mãe, ela a rir, nas vezes em que os
camaradas falavam de estiga que você não paga renda e eu respondia que sim
porque nós malanginos construímos, temos casa própria. Casa própria? Vocês
malanginos? Respondiam de pergunta estigada todos a rir. Mas você se o gajo
ganhar ainda vai embora puxar o comboio com os dentes!”
(*) kambuta – pequeno, baixinho.
(*) estigar – gozar, caçoar.
(*) semachista – do inglês “smash”. Afundanço. Termo usado no
basquetebol.
(*) Jean Jacques, jogador angolano de basquetebol, muito
popular, notabilizado no Sport Lisboa e Benfica.
Manuel Rui, um mestre
angolano na difícil arte do conto, a seguir e a não perder!
Tomás Lima Coelho
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quinta-feira, 18 de abril de 2013
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