sábado, 22 de junho de 2013

ESTUDO DO RIO E DO CÉU E DAS OUTRAS COISAS GERAIS QUE ENTRE ELES SE ENCONTRAM





I

VOLTAR AOS MERCADOS, a gramática da economia

Não se ouve outra coisa: temos de voltar aos mercados. Na tentativa de entender, poderíamos analisar sintaticamernte a frase. Sujeito: “nós”? Claro que o sujeito de “temos” é “nós”. Mas é realmente de nós que se trata ou deles? Partindo do princípio que somos nós (e de que a frase é gramatical) quantos de nós cabem na casca de noz que é este nós? Será este nós grande como as caravelas da Índia onde cabiam especiarias, madeiras raras, ouro, ideais e sei lá que mais?

Deixemos o sujeito, que se afigura nesta frase muito complexo. Passemos ao predicado. Composto. Por dois verbos: “ter” e “voltar”. Voltar significa que já lá estivemos, Mas quem seria tão idiota que estando num sítio onde se sentisse bem o ia deixar? Admitindo que sim, que estivemos, saimos e temos de voltar, esbarramos novamente com o sujeito, porque é preciso saber quem é que volta. Adiante, que este enigma gramatical não está fácil e voltar também não. Voltemos então “aos mercados”, que se chama, com a nova moda, modificador. Poderia ser complemento oblíquo, mas como estes são “grupos de palavras indispensáveis ao verbo para que este complete o seu sentido”, teremos de pôr de lado esta hipótese. E aqui não poderia estar mais de acordo. Muito oblíquo, este regresso de quem não sabemos, aonde desconhecemos e de uma forma que é um completo mistério. Temos então um “nós” muito enleado que não sabemos quem é, que se convenceu que precisa de voltar a um sítio onde já estivemos (partindo do princípio de que nós somos nós) e onde não sabemos como se regressa (partindo do princípio de que já lá estivemos). Espero, com esta reflexão erudita, ter contribuído para a clarificação da questão dos mercados, segundo os economistas, vital, mas com que o Governo não parece estar muito preocupado, porque o negócio dele é outro. Para remate, e partindo da noção de modificador,que segundo a definição é “dispensável e poderia ser eliminado da frase”, parece-me estarmos perante uma evidência que a gramática nos traz, para possível mas não provável embaraço dos economistas. “Mercados” é a parte que pode ser eliminada, permanecendo o “voltar”.  Teremos então de voltar. Mas onde? Onde? E quando? E como? E principalmente... para quê?

Fará tudo sentido se este voltar se concretizar num regresso a “nós”, uma espécie de “À procura do sujeito perdido”. Não é Pessoa que escreve num poema do ortónimo “É em nós que é tudo”? E não é isto verdade? Sem que seja necessário saber gramática, nem as cotações da bolsa ou a flutuação dos mercados.


Risoleta C. Pinto Pedro



4 comentários:

Tomás disse...

Brilhante exercício, para meditar, em torno de "nós", "voltar" e "mercados"! Uma palavra mais pode resumir a moral da história: "acordar"!

MJC disse...

Parabéns Risoleta.

O conteúdo é rico e direccionado.
A forma é de um torneado belo e estimulante.
A formulação é em torno do que nos é essencial, a todos.
A temática é a que concentra conversas de todos os dias, demagogias de todas as horas.
Haveria melhor forma de inaugurar uma colaboração (que desejo possa vir a tornar-se frequente)neste nosso blogue?

Beijinho prá Autora.

Manuel João Croca

luis santos disse...


O Estudo do nosso rio e céu é coisa que nos é muito comum. Sempre desbravando o azul. Em cima e em baixo. E por dentro o por-menor dos mercados.

Hoje o rio está calmo. Até parece que medita ou faz a sesta. As gaivotas riem e sentam-se, e alguns peixes inquietam-se com as sombras que correm por cima das águas.

Muito orgulhosa esta revista multimédia em formato de blogue. Com tão maravilhosos participantes não se pode fazer por menos.

E Abraço.

aluzdascasas disse...

Caros amigos:
É um prazer que me põe feliz, ter-me juntado a vós! Muito agradecida pelas vossas leituras. Aqui estarei sensivelmente de mês a mês. Como leitora, mais frequentemente. Abraços
Risoleta