SERPA PINTO (Alexandre Alberto da Rocha Serpa
Pinto) (1846, Cinfães – 1900, Lisboa)
“(…) As narrações de
Livingstone, Cameron, Stanley, Burton, Grant, Savorgnan de Brazza, D’Abbadie,
Ed Mohr e muitos outros estão longe de pintar os sofrimentos do viajante
africano. Difícil é compreendê-lo a quem o não experimentou; àquele que o
experimentou difícil é descrevê-lo.”
É deste modo que Serpa
Pinto, então major do exército, nos prepara para a leitura dos seus cadernos,
apontamentos de uma viagem que teve início em Benguela, Angola, no mês de
Setembro de 1877 e que terminou em Durban, África do Sul, no mês de Dezembro de
1878. Estes cadernos foram compilados numa obra em dois volumes que o
explorador intitulou “COMO EU ATRAVESSEI A ÁFRICA”. O primeiro volume tem como
subtítulo “A ESPINGARDA D’EL REI” e o segundo “A FAMÍLIA COILLARD”. Foram
publicados por uma editora britânica em 1881. A última edição portuguesa,
completíssima, com fac-similes de mapas, gráficos, desenhos e ilustrações,
pertence à Europa-América que, lamentavelmente, não indica a data de reedição. A
estética das capas também poderia ser bastante melhor, mas esta apreciação é
puramente pessoal.
Estes diários de viagem
são de leitura obrigatória para se perceber como era África nos finais do
século XIX, ou melhor, como é que o cidadão europeu olhava para aquele
continente e para os seus habitantes. Aos olhos da sociedade actual muitos dos
conceitos explanados na obra são totalmente inaceitáveis. Saliento dois ou três
exemplos: “…entre os quimbandes (…) vi algumas
mulheres que se poderiam chamar bonitas se não fossem pretas.”, ou então, “… é preciso que em
África haja por cada preto um branco (…) porque só então o elemento civilizador
equilibrará com o selvagem e poderá vencê-lo.”, ou ainda, em relação
ao ambaquista, figura importante na expansão e cultura da língua e dos hábitos
portugueses em África, “… em Benguela
levam a condescendência a chamarem-no mulato, um pouco escuro; mas a verdade é
que nas suas veias não há uma gota de sangue europeu e que ele é preto, não só
na cor, como na ascendência, e quiçá na alma.”. Esclarecedor. Mas era assim o politicamente correcto na época, quando o
progresso e a civilização ainda não eram medidos pela forma como se olhava o
Outro.
Contudo, o mais
importante que fica da leitura desta obra é o reconhecimento da extraordinária
aventura que deve ter sido (que foi!) a travessia de territórios inóspitos, quase
desconhecidos e, na maior parte dos casos, hostis. Revela uma tremenda coragem,
sentido da honra e um amor abnegado à Pátria, atributos que já se não usam nos
dias de hoje. Por isso a odisseia de Serpa Pinto merece pertencer à galeria
onde figuram os feitos de outros grandes exploradores do continente africano,
portugueses e não só.
Tomás Lima Coelho
2 comentários:
Muito Bom. Muito obrigado.
Livros e autores muitíssimo interessantes. E Abraço.
Obrigado Tomás.
Ficamos de facto com vontade de desvendar estes diários.
Apesar do que muito bem afirmas acerca de alguns conceitos.
Um abraço.
Manuel João Croca
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