sexta-feira, 21 de junho de 2013

Livros d'África





SERPA PINTO (Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto) (1846, Cinfães – 1900, Lisboa)

“(…) As narrações de Livingstone, Cameron, Stanley, Burton, Grant, Savorgnan de Brazza, D’Abbadie, Ed Mohr e muitos outros estão longe de pintar os sofrimentos do viajante africano. Difícil é compreendê-lo a quem o não experimentou; àquele que o experimentou difícil é descrevê-lo.”

É deste modo que Serpa Pinto, então major do exército, nos prepara para a leitura dos seus cadernos, apontamentos de uma viagem que teve início em Benguela, Angola, no mês de Setembro de 1877 e que terminou em Durban, África do Sul, no mês de Dezembro de 1878. Estes cadernos foram compilados numa obra em dois volumes que o explorador intitulou “COMO EU ATRAVESSEI A ÁFRICA”. O primeiro volume tem como subtítulo “A ESPINGARDA D’EL REI” e o segundo “A FAMÍLIA COILLARD”. Foram publicados por uma editora britânica em 1881. A última edição portuguesa, completíssima, com fac-similes de mapas, gráficos, desenhos e ilustrações, pertence à Europa-América que, lamentavelmente, não indica a data de reedição. A estética das capas também poderia ser bastante melhor, mas esta apreciação é puramente pessoal.

Estes diários de viagem são de leitura obrigatória para se perceber como era África nos finais do século XIX, ou melhor, como é que o cidadão europeu olhava para aquele continente e para os seus habitantes. Aos olhos da sociedade actual muitos dos conceitos explanados na obra são totalmente inaceitáveis. Saliento dois ou três exemplos: “…entre os quimbandes (…) vi algumas mulheres que se poderiam chamar bonitas se não fossem pretas.”, ou então, “… é preciso que em África haja por cada preto um branco (…) porque só então o elemento civilizador equilibrará com o selvagem e poderá vencê-lo.”, ou ainda, em relação ao ambaquista, figura importante na expansão e cultura da língua e dos hábitos portugueses em África, “… em Benguela levam a condescendência a chamarem-no mulato, um pouco escuro; mas a verdade é que nas suas veias não há uma gota de sangue europeu e que ele é preto, não só na cor, como na ascendência, e quiçá na alma.”. Esclarecedor. Mas era assim o politicamente correcto na época, quando o progresso e a civilização ainda não eram medidos pela forma como se olhava o Outro.

Contudo, o mais importante que fica da leitura desta obra é o reconhecimento da extraordinária aventura que deve ter sido (que foi!) a travessia de territórios inóspitos, quase desconhecidos e, na maior parte dos casos, hostis. Revela uma tremenda coragem, sentido da honra e um amor abnegado à Pátria, atributos que já se não usam nos dias de hoje. Por isso a odisseia de Serpa Pinto merece pertencer à galeria onde figuram os feitos de outros grandes exploradores do continente africano, portugueses e não só.


Tomás Lima Coelho


2 comentários:

luis santos disse...


Muito Bom. Muito obrigado.
Livros e autores muitíssimo interessantes. E Abraço.

MJC disse...

Obrigado Tomás.

Ficamos de facto com vontade de desvendar estes diários.
Apesar do que muito bem afirmas acerca de alguns conceitos.

Um abraço.

Manuel João Croca