por Miguel Boieiro
Ao calcorrear montes e vales para observar a natureza, hábito
antigo, acabo por fixar uma ou duas plantas originais que, pela sua
graciosidade, me despertam os sentidos. Já no remanso do lar, procuro
identificar-me com essas plantinhas e descobrir os seus atributos. Tem sido
sempre assim e os leitores hão-de notar que, quando regresso de uma viagem,
trago sempre algumas novidades botânicas para as minhas croniquetas.
Há tempos um aluno do Instituto Hipócrates, onde
episodicamente lecionei a disciplina de fitoterapia, desafiou-me para ir a
Portalegre, a fim de investigar a flora da Serra de São Mamede. Aceitei com
entusiasmo, visto não conhecer suficientemente a região. Se excetuarmos duas
visitas rápidas que, em tempos, fiz à cidade e estâncias mais demoradas em
Castelo de Vide e em Marvão, o conhecimento que tinha do nordeste alentejano
era reduzido.
Fomos (a minha esposa viajou comigo) recebidos
principescamente por jovens afáveis da Associação Ambientalista “Ficar”,
onde tomámos as refeições e pernoitámos. O objetivo primordial era o de colher
plantas silvestres para confecionar um lauto jantar vegetariano.
Juntando os saberes de todos os participantes, lá fomos
caminhando e apanhando plantas, ensinando e aprendendo. Regressámos com os
alforges cheios e, sem dúvida, muito mais enriquecidos de saberes.
Em determinada altura, a partir da aldeia de Besteiros de
Cima, entrámos, quase sem dar por isso, em território espanhol (Codocera –
Província de Badajoz). Descansámos um pouco junto à capelinha de Nossa Senhora
da Lapa onde já havia a identificação de um trilho pedestre escrito em
castelhano e uns metros adiante lá estava o marco com o P deste lado e o E do
outro. E foi a descer, até chegarmos a um formoso afluente do Xévora, que
fizemos o percurso espanhol. Eis então que, nesse caminho com vegetação muito
densa, encontrámos o estevão-macho, a planta escolhida para este escrito.
O nome desta cistácea é assaz curioso. Logo se vislumbra que
é uma esteva com folhas grandes, por isso, a designação estevão seria suficiente. Porquê então juntar o adjetivo macho? Apenas para reforçar, creio bem!
Mas o mais curioso ainda é que em Portalegre ninguém diz esteva, preferem dizer jara como os espanhóis. Logicamente, o
estevão macho aqui é conhecido apenas por jara-macho.
Pois a jara-macho, como localmente se diz, é cientificamente
a Cistus populifolius, enquanto a
vulgar esteva dá pelo nome de Cistus
ladaniferus.
O estevão-macho é um arbusto muito bonito e poderia, sem
favor, integrar os nossos jardins como espécie ornamental. Possui muitos ramos,
formando uma mancha densa. As folhas apresentam-se simples, opostas,
pecioladas, pegajosas, grandes, de verde intenso, parecidas com as folhas do
álamo (Populus spp), daí a designação
latina, populifolius. As flores, brancas,
um pouco mais pequenas do que as da esteva, nascem em compridos pedúnculos, em
forma de corimbos e são muito vistosas. Os frutos estão encerrados em cápsulas
ovadas e deiscentes.
Encontrei pela primeira vez o estevão-macho nas imediações do
Penedo Furado (Vila de Rei) e logo me encantou. Mais tarde, tornei a encontrá-lo
num passeio organizado pelo Clube Ar Livre, na serra algarvia. Contudo, nunca o
tinha visto tão alto e em tão grande profusão. Aliás, a altura deste arbusto
tem a ver com a disputa face a outras plantas concorrentes para alcançar um
lugarzinho ao sol.
Nesta fase da descrição já os leitores estarão impacientes e
naturalmente indagarão: “mas para que presta o estevão-macho?”
Pois o estevão-macho serve para fazer loções destinadas ao
couro cabeludo. Dizem os compêndios que previne eficazmente a queda do cabelo.
Todas as espécies do género Cistus L têm as folhas e os ramos
revestidos de uma oleorresina, exsudada por pelos glandulares, conhecida por lábdano.
Este extrai-se através da fervura das plantas em água e tem utilização em
farmacopeia, perfumaria e fabrico de vernizes. (Elementos da Flora Aromática de
Aloísio Fernandes Costa). O lábdano existente na esteva e no estevão-macho é de
composição complexa. Para além do óleo essencial, tem ácidos aromáticos,
triterpenóides e mucilagens com ação antissética e mucolítica e foi outrora
usado em problemas do foro respiratório, nomeadamente para tosse e bronquite.
(Plantas Aromáticas em Portugal de A. Proença da Cunha e outros – Edição da
Fundação Calouste Gulbenkian)
E mais não digo!