MIRADOURO 45 / 2014
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Não
fora a justificada desconfiança – já tornada descrença – pelo sucessiva e
repetida traição nos actos ao que as palavras inflamadas na retórica prometem cumprir, e o discurso teria vindo preencher
uma lacuna que incomoda demais para poder ser esquecida.
Essa
lacuna chama-se esperança ou melhor a falta dela.
Falta
esperança, sustentada.
O
renascer de esperança para quem se pensa e, por isso, vive incomodado por
preocupações e insatisfações de vária ordem.
Se
fosse sensato, ou sequer plausível, acreditar no que as palavras prometem,
poderíamos estar no limiar de um novo ciclo capaz de mobilizar energias e
vontades colectivas, indispensáveis à transformação sustentada de toda e
qualquer realidade.
Assim,
não será sensato (e não é alerta que se lance com satisfação muito antes pelo
contrário) acreditar na autenticidade das intenções proclamadas.
Repetem-se
os intérpretes na reinvenção do D. Sebastião que, há quem diga, se alberga na
engrenagem secreta que faz mover a velha alma lusa.
Mas,
para mim e creio que para um número cada vez mais alargado de actores e criadores
de todas as coisas, a lenda já não é crível nem se sustenta. O D. Sebastião
morreu em Alcácer-Quibir e a monarquia já acabou.
Agora
os tempos são outros. São tempos colectivos que a todos convocam e
responsabilizam. São tempos que precisam de arte e inteligência e convocam a
nossa vontade para descobrir/construir novos caminhos.
Eleger
outros protagonistas que possam representar o todo e não apenas uma parte, erigir
outra atitude que possibilite outras expectativas e o renascer da esperança
colectiva.
No
entretanto, vamos pensando global e agindo localmente, procurando o(s) tal(is) outro(s)
caminho(s).
Tentando,
sempre.
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Dilui-se
no ar entre mar terra e céu, luz sombra e muito mais, o que no silêncio se procura
escutar.
Quando
calha consegue-se identificar e, às vezes, até mesmo perceber.
Vozes,
odores, energias que, reflectindo-se, revelam caminhos e inspiram.
Espiral
de eco interno mergulhando até ao centro do universo em nós, em cada, em mim.
O
universo que há em mim e eu, encontramo-nos às vezes.
Miramo-nos
e, quando o entendimento acende o silêncio por tudo o mais ser desnecessário, chegamos
mesmo a abraçar-nos num enleio tão enleado que fico sem perceber se me diluo no
universo ou se é o universo que entra inteirinho em mim.
***
E
a bem-aventurança que o processo confere instala-se e embala a demolição da
estátua interior do ser que se constrói, por dispensa do ego que tanto pesa.
Nessa
leveza que o vácuo permite - no existir que não se pensa - pulsa intacta a vida
noutras formas e qualidades.
Bicho,
pedra, água, pássaro, árvore…
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Árvore
(por
exemplo).
Ser
apenas árvore.
Raiz
e asa no vento que ao passar se coça no baloiçar.
Casa
abrigo tronco ramos verde folha flor e fruto cama mesa sombra.
Fogo
e água.
Cumprir-se
no crescimento renovado do ciclo das estações sem nada esperar.
Sem
sequer mãos para receber.
Entrega
plena no justo cumprimento de um destino feito dádiva.
Estar
apenas e nesse estar ser.
Nada
responder nada perguntar.
Ser
apenas sem nada justificar.
É
aí a Paz.
No
outro dia disseram-me à laia de conselho
«escusas
de procurar placas, setas ou sinais. Não há estradas para lá. Os caminhos são
outros.»
Eu
ouvi e agradeci presumindo ter entendido.
(Foto de Edgar Cantante
sobre pintura de artista que não conseguimos identificar)