segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Portugal não está preparado para a população idosa

Centenas de especialistas reúnem-se no Porto para falar sobre geriatria
2011-10-28
Por Marlene Moura (texto)

A preocupação com o estudo, a prevenção e o tratamento de doenças e da incapacidade em idades avançadas tem sido crescente, já que a tendência aponta para uma população cada vez mais envelhecida. O Instituto Nacional de Estatística (INE) estima que, em 2050, um terço da população portuguesa seja idosa e quase um milhão de pessoas tenha mais de 80 anos.

Centenas de especialistas internacionais em saúde mental, geriatria e gerontologia estarão no Porto (Hotel Porto Palácio), na próxima semana, de 2 a 4 de Novembro, para debater e partilhar experiências sobre os cuidados assistenciais prestados aos idosos, em particular na área das demências e das doenças psiquiátricas associadas ao envelhecimento, como a depressão.



(VER MAIS)


Ciência Hoje, Revista Digital
http://www.cienciahoje.pt/

domingo, 30 de outubro de 2011

Pensamentos?


Bendita a Luz que te acompanha no passeio dos instrumentos que nada tocam em segredo.

  &&&

Carregas um passado que não existe.

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Fumo num céu que podia ser azul.

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Limpidez duma canção sem notas audíveis.

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Sementes de um grão jamais semeado.



Aforismos - A.A.
Fotografia - Lucas Rosa

sábado, 29 de outubro de 2011

Vivendo e aprendendo : Uma aldeia,na Bélgica, tornou-se num local de encontro


Na Inglaterra, na Bélgica, na Holanda, na Noruega, na Alemanha,...,um pouco por toda a Europa, as soluções para resistir ao abandono e desaparecimento de aldeias e vilas, outrora vivas, não se têm resumido ao desenvolvimento do turismo. Encontrar uma ideia, uma "oferta diferenciada", uma "coisa única", que permita a sobrevivência de aldeias perdidas por esse mundo fora, tem sido o mote. Exemplo dessa oferta diferenciada são as aldeias do livro (booktowns) como Redu na Bélgica.
Uma parte significativa das Book Towns estão agrupadas na I.O.B. -International Organisation of Book Towns (Organização Internacional de Comunidades de Livros), http://www.booktown.net/, que congrega no momento 13 povoações. A IOB foi fundada como consequência do projecto da União Europeia “EU-project UR 4001 : European Book Town Network”.
Depois de ter vencido a ameaça da construção de uma barragem. Redu voltou a ter vida econômica, cultural e social ao longo do ano.Um povoado rural com menos de meio milhar de habitantes, enraizado no coração das Ardenas belgas, renascia para um novo ciclo: a aldeia tornou-se, na Páscoa de 1984, um lugar de encontro e peregrinação de amadores de livros usados. Em pouco tempo Redu transformou-se numas das aldeias mais visitadas de toda a Bélgica, acolhendo cerca de duzentis mil visitantes por ano.

Vivendo e aprendendo com o povo de Redu que souberam mobilizar um grupo de alfarrabistas de diferentes paragens da Bélgica, que em menos de meia duzia de anos se instalaram, de forma permanente, na pequena aldeia.
Esta história do renascimento da  pequena aldeia mostra como não basta  a conservação ou a recuperação de estruturas físicas urbanas e do edificado, vastos investimentos financeiros ou discursos "estratégicos". É preciso muito mais do que isso para reinserir um recanto rural na atividade cultural,social e econômica, numa escala ampla. Sobretudo é preciso imaginação para reinventar os recursos!

 texto adaptado de 
http://issuu.com/fundacao_inatel/docs/230

Margarida Castro     
12.10.11

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Encontros com Agostinho




AS ÚLTIMAS CARTAS DO AGOSTINHO
2ª edição


CARTA VII

Queridos Amigos

Ouçam então, que a história é simples. Há uns quinhentos ou seiscentos anos fomos expulsos de Portugal, por desagradarmos a Reis mais interessados na Europa do que na Península e a Papas para os quais o que ia importar era o movimento das descobertas, que fomos expulsos e proibidos de voltar, dizia eu, todos os que éramos felizes com a idéa de que no futuro, o da Era do Espírito Santo, da plenitude de Deus, em sua fusão com o que criara, estaríamos em êxtase diante do Divino que em tudo de concreto íamos ver, sem que, no entanto, deixasse seu outro reino do abstracto. Todos os Meninos seriam então os primeiros dos homens verdadeiramente inspirados, dedicados ao mundo, como aquele que, na Trindade que Cabral levou ao Brasil, a de Belmonte, está no braço da Criatividade Suprema, dando de comer a pomba, isto é, ajudando à sacralização do Universo. A vida ficaria gratuita, com símbolo na comida gratuita do dia da Festa. Finalmente desapareceriam as prisões e estariam libertos seus presos e seus guardas. Só que aquela extraordinária linha de costa que definia Portugal, não uma simples praia para um mar, mas inteiro litoral para um interminável oceano, era o ponto donde partir à conquista do que não tomara no período clássico aquele Império Romano que teria, portanto, de abordar tôdas as terras. Navegação esta que foi proeza dos Portugueses, mas não a que teria sido mais importante, a daqueles que, como missionários, teriam implantado em todo o mundo o Reino do Espírito Santo.

Entretanto, guardados no Brasil para o futuro, tinham feito tôdas as tentativas para chegarem ao Pacífico, mas não como Magalhães, demasiado servidor da Europa. Até Pedro Teixeira o quis, mas já era tarde, com a força espanhola instalada nos planaltos. O tempo dessa navegação, última e perfeita, chegou agora e de alguma parte dela talvez nos traga informe alguma destas Folhinhas para que tendes paciência.

Lua Luar dum Maio do 93.

POETAS DE FORA EM LINGUAGEM DE DENTRO
Alemanha

Heinrich Heine 1797-1856

Quando olho para os teus olhos
dor e tristeza se vão
e quando beijo teus lábios
fico sempre mais que são.

Quando me encosto a teu peito
entra em mim a luz do céu,
mas quando dizes: “Eu te amo!”
choro eu à larga e sem véu.

 Nicolas Lenau 1802-1850

Passa a lua devagar
por sobre as águas do lago
ao verde canavial
junta rosas luar mago

Erguem ao céu grandes olhos
os veados na colina,
às vezes um bater de asas
às ternas canas inclina.

Meus olhos ficam chorando
e bem dentro da minha alma
o ter saudades de ti
é prece na noite calma


Eduard Morike 1804-1875

Na verde terra de estio
há juncos perto do rio.
Que inocência de menino
ao colo dela com tino,
dela, a Virgem sua mãe,
no carinho que o retém.
Mas bem perto, em doce luz,
já na árvore cresce a cruz.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

d´Arte - Conversas na Galeria LX


As Árvores Vermelhas Autor António Tapadinhas
Óleo sobre Tela 50x40cm

Para provar o seu grau de simplicidade, que era um dos objectivos na pintura fauve, Matisse tentou convencer um amigo e companheiro de pintura que um quadro criado por si (Cebolas cor-de-rosa, 1906) era de autoria do carteiro da vila. Ele não conseguiu convencer o amigo, como talvez eu não os conseguisse convencer de que estas árvores foram pintadas pelo meu neto.
Mas podem acreditar que a tinta gasta nesta tela, usada com parcimónia, daria para fazer uma centena, tal a quantidade que usei para conseguir o relevo, a textura e a profundidade que tinha planeado.
Espero não ser traído pela qualidade da fotografia, para que possam apreciar a violência suave das cores…

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Vidas Lusófonas


O rigor histórico não está condenado à prosa de notário, 
é possível conviver com as figuras do passado.
Saber o que foi, pode ajudar-nos a talhar o que será. 

O poeta

POLÍBIO GOMES DOS SANTOS

diz a JOÃO MACHADO :

- Chamam-me lá em baixo...

E começa a descer de

VIDAS LUSÓFONAS

onde já moram 142.

Naquela casa
tudo está a acontecer,
cada vida / cada conto.
Por isso já recebeu
mais de 24,5 milhões de visitas.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

INTIMIDADES


VOCAÇÕES

Entre os amigos do pai contava-se e, graças a Deus, ainda se conta a figura do Dr. Neves da Costa, médico na vila e da família e que a partir da minha puberdade também a mim passou a medicar os paliativos para as constipações e gripes mais acicatadas. Era pessoa chegada que, em muitas ocasiões, parlamentou com o meu progenitor, portas a dentro, se bem que maioritariamente a propósito de assuntos da vida do hospital da Santa Casa de que o primeiro era o Director Clínico e o segundo o Provedor e aí quasi sempre a sós, no escritório, não poucas vezes por mera acção de cortesia e, então, no seio do serão parental que se fazia na sala. No café, para aqueles ócios de conversas de homens após o jantar, eram companheiros de mesa e nas inúmeras situações em que o chefe da casa se queria acompanhado pelo herdeiro, terão sido tantas as vezes que pediu para se sentar como aquelas em que foi ele a conceder a permissão, inevitavelmente com o regulamentar soerguer das ancas e do tronco.
O Dr. Neves gostava de mim e divertia-se com as perguntas que me fazia sobre a História de Portugal, pelas quais me escutava os nomes certos de reis e rainhas, batalhas e outros eventos especialmente importantes. Pela minha parte correspondia-lhe o sentimento e se o esfregar dos cabelos com que habitualmente me recebia não seria muito do meu agrado, já me deliciava o facto de ele me tratar como um homem qualquer e até de indagar a minha opinião em algumas matérias. Era o melhor prémio para aqueles treinos da vida de adulto. Durante os mais tenros anos, após a minha entrada no mundo escolar, foi sua imagem de proa a pergunta que, para ele, provavelmente era uma forma de me dar as boas vindas:
“-Então rapaz, diz-me lá o que queres ser quando fores grande?”
Porque a fazia não sei e, naturalmente, também nunca o explicou. Tão só recordo que a minha resposta era inevitavelmente a mesma:
“-Quero ser cientista.”
A afirmação era sincera e sentida. Na realidade, e desde já pedindo perdão por eventuais gabarolices, fui gaiato curioso e sempre me interessei pelas explicações de variados fenómenos de natureza física ou animal. Pedia para me comprarem livros e revistas que lia ao jeito de náufrago buscando uma tábua e quando algo me escapava, não me cansava de maçar os adultos com a demanda do clarear das ideias.
Humildemente peço que não façam juízos excessivos daquilo que lhes estou a narrar.
A definição da minha opção era clara, mas as motivações amalgamavam-se entre o sonho com aventuras arqueológicas e o desejo de descobrir curas para doenças letais. Na verdade, vistas agora as coisas à distância a que estão, parece-me que me via num misto de cabelos empinados entre tubos de ensaio e a lupa acocorada sobre o movimento de um insecto ou a imutabilidade de um qualquer calhau. Não nos esqueçamos que estamos a falar de projecções de miúdo. Tal era a minha vocação ou, pelo menos, era essa que eu achava ser a minha inclinação. Também um dia quis ser piloto e, por uns tempos, encarei a possibilidade de, por exemplo, vir a ser futebolista. No entanto, foram aspirações passageiras e, que me lembre, a única que me acompanhou ao longo da vida e, em parte, motivou a posterior escolha académica, essa foi a minha predilecção pelas explicações científicas, os seus métodos e técnicas, as suas formas simples mas elegantes, para tornar evidente aquilo que antes não era, deixando-nos, amiúde, a sensação de tão grande simplicidade que nos perguntamos se mesmo nós, uns leigos, também não teríamos visto o problema dessa maneira. Daí o gosto e o prazer com que hoje faço, com toda a modéstia, por mui simples que o seja, alguma ciência, sem com isso pensar em receber a mínima retribuição. Fique bem claro, nada há de altruísmo nisso. Por um lado são consideráveis as razões literárias que estão por detrás da minha decisão e, cumulativamente, como já disse, está o gozo juvenil que sempre senti na solução de problemas.
Contudo não foi esse o abraço da minha vida, não foi por aí que eu acabei por querer canalizar as minhas energias. Como o sabeis, esse caminho foi, afinal, o das letras.
Sou a primeira pessoa a espantar-se com uma alteração assim. Tanto mais se não omitir que a minha primeira redacção, na primeira prova que prestei no baptismo da escola primária, consistiu na frase liminar, eu gosto muito de arroz doce, pomposamente intitulada, o arroz doce. Logicamente já atentei no assunto, mas não foi o muito cogitar que me trouxe alguma luz para o mesmo. Para falar francamente, nem eu sei porque escrevo. Tudo quanto sei é que não consigo deixar de o fazer e isto tão só devido à contingência de no meu cérebro se formarem enredos e personagens, sem que seja essa a minha vontade e de me sentir mal se não passo tudo isso para o papel. Trata-se simplesmente de um dom que Deus me deu, pelo qual me sentirei eternamente agradecido e jamais, em qualquer circunstância, envaidecido por isso. Tenho até uma teoria a esse respeito, a qual se baseia na explicação de um facto singular na minha vida. Tem a ver com o meu primeiro texto literário, uma poesia que, infelizmente perdi, mas cujo início nunca esquecerei. Escrevi-a aos onze anos de idade, estava de férias nas termos do Luso e, de então para cá, não mais parei de alinhavar a minha prosa.
Porque isso aconteceu?
Ele houve uma certa influência de alguém, um rapaz chamado Joaquim José, à época estudante em Coimbra, a quem não mais encontrei, mas que, nessas semanas que passámos no mesmo hotel, muito me fez saber sobre a repressão política da altura e muitos outros variados temas, em que é possível incluir coisas tão díspares como a ovnilogia. Era um jovem inteligente e culto que me deixava desconcertado pelo à vontade com que participava nas conversas dos homens e muito mais pela capacidade que revelava em opinar de modo a que eles concordassem com as suas ideias.
Foi pois para esse indivíduo que, repito, não voltei a ver que eu escrevia a minha primeira peçazinha e com ela, sem o saber, dei início a este mergulho nos jogos das palavras, do qual não mais regressei à superfície.

Alhos Vedros, 23 de Fevereiro de 2011


segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O BARDO NA BRÊTEMA


Ignorância e estupidez

Por Rudesindo Soutelo(*)

“A gente inteligente que eu conheço só tem um sonho: sê-lo menos”[1] declara o cineasta francês Claude Chabrol numa entrevista publicada nos Cahiers du Cinéma. Há uma crença que identifica a ignorância com a felicidade –o mito do “bom selvagem”, a bondade da pessoa simples, o ideal da intranscendência pós-moderna–  mas que nada tem a ver com o “só sei que nada sei”, frase atribuída a Sócrates e que assume a ignorância como um motor da sabedoria. O filósofo grego era consciente de que o seu saber estava limitado pela sua ignorância e isso impulsionava-o na procura do conhecimento. Aqueles que desconhecem a dimensão da sua ignorância são precisamente os que ousam proclamar-se de sábios.
Platão mostra-nos, no mito de A caverna[2], a perceção do mundo que o ignorante desenvolve quando se apoia unicamente no senso comum. Moradores permanentes no fundo da caverna, a única visão que têm do exterior são as sombras dos transeuntes que se projetam na parede última da gruta, e julgam que essas sombras são a realidade. Um deles consegue fugir dali e descobre que as sombras são produzidas por pessoas, semelhantes a ele, que transitam pelo caminho à frente da entrada da caverna. Esse descobrimento faz-lhe pensar no engano em que vivem os seus companheiros e regressa ao interior para libertá-los daquela ignorância mas eles tomam-no por louco, por inventor de mentiras, e acabam matando-o. Sócrates também foi condenado à morte por mostrar uma realidade diferente da que os atenienses, ilusoriamente, viviam. A realidade virtual, que hoje vivemos, não diverge muito da que se vivia na caverna de Platão.
Na citada entrevista, Claude Chabrol também diz que a “estupidez é infinitamente mais fascinante que a inteligência, infinitamente mais profunda”[3] e argumenta –desde a perspetiva do realizador cinematográfico que vê as pessoas como personagens a serem tratadas num filme– que a estupidez é muito enriquecedora pois, ao contrário da inteligência, não tem limites.
A ignorância ativa, aquela que se ignora a si mesma, não procura a sabedoria e despreza o entendimento ou inteligência. O filósofo alemã Arthur Schopenhauer, na sua obra O mundo como vontade e como representação, diz-nos que “Carência de entendimento se chama estupidez”[4]. Mas não devemos confundir essa carência com o analfabetismo básico pois a iliteracia tem graus académicos, poder, dignidade e dinheiro. Ouçam as musiquetas ordinárias, que se utilizam em tantas celebrações universitárias. A cultura da estupidez é a indústria que nos mantém na caverna.
Carlo Maria Cipolla, historiador e filósofo italiano, num livro com título musical, Allegro ma non tropo, inclui um ensaio onde estabelece as cinco leis fundamentais da estupidez humana. As duas primeiras leis dizem respeito ao número de estúpidos em circulação, sempre superior ao estimado, e à distribuição, como uma constante independente de qualquer outra característica dos indivíduos, confirmando-se a mesma frequência em todos os grupos de amostragem, inclusivamente nos Prémios Nobel.[5]
Partindo das quatro categorias fundamentais em que inclui o ser humano –ingénuos, inteligentes, bandidos e estúpidos– a terceira lei esclarece que: “Uma pessoa estúpida é aquela que causa um dano a outra pessoa ou a um grupo de pessoas, sem retirar qualquer vantagem para si, podendo até sofrer um prejuízo com isso”[6]. É compreensível o bandido que causa um dano para obter um ganho, mas a irracionalidade do estúpido é desconcertante. O estúpido é imprevisível e perseguir-nos-á sem razão nas circunstâncias mais impensáveis porque o estúpido não sabe que é estúpido, não tem malícia nem remorso, e aí reside a sua eficácia devastadora. Mas sempre desvalorizamos o potencial nocivo das pessoas estúpidas, como afirma a quarta lei, e, em vez de os combater, facilitamos o seu acesso às áreas do poder. Quando no governo proliferam os bandidos com uma alta percentagem de estupidez e, simultaneamente, aumenta o número de ingénuos entre os governados, a ruína é segura. “O estúpido é o tipo de pessoa mais perigosa que existe”, conclui a quinta lei.[7]
Theodor Adorno diz-nos que a indústria cultural “domina e controla, de fato e totalmente, a consciência e inconsciência daqueles aos quais se dirige”[8]. A cultura ‘industrial’, feita em série e com padrões de arte menor ou mesmo de lixo, projeta sombras de ignorância no fundo da caverna, onde a estupidez é a felicidade do ignorante.

(*) Compositor e Mestre em Educação Artística.
(http://www.soutelo.eu)


[1]   Collet, J., Delahaye, M., Fieschi, J.-A., Labarthe, A. S., & Tavernier, B. (2004). Entrevista con Claude Chabrol. In La Nouvelle Vague (M. Rubio, Trad., pp. 23 - 54). Barcelona: Paidós Ibérica, p. 43.
[2]   Platão. (2008). A República (11ª ed.). (M. H. Pereira, Trad.) Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 514ª-518b.
[3]   Collet, J. et al., op. cit., p. 42.
[4]   Schopenhauer, A. (2005). O mundo como vontade e como representação. São Paulo: UNESP, p. 68.
[5]   Cipolla, C. M. (2008). Allegro ma non troppo. Lisboa: Texto & Grafia, pp. 59-63.
[6]   Cipolla, C. M., op. cit., pp. 69-70.
[7]   Cipolla, C. M., op. cit., pp. 84-85.
[8]   Adorno, T. W. (2010). Indústria cultural e sociedade. (J. M. Almeida, Ed.) São Paulo: Paz e Terra, p. 114.

domingo, 23 de outubro de 2011

O círculo



O centro converte o criado em criador.


Dentro e fora dele desenho-o para compreender o que não há para compreender
Numa crença cega penso que assim o alcanço.
Mudo de posição várias vezes, umas vezes sou exterior, outras vezes sou interior.
Mas mesmo assim não o integro em mim.

Criei outros tantos na falácia da comunicação,
Na tentativa de conseguir entender o que não há para compreender.
Os que criei foram-se interligando na tangência do tempo.
Criaram palavras, narrativas discursivas autónomas

Riam-se de mim...

Foram-se emancipando de mim, legitimaram-se.
Tornaram-se eles próprios círculos independentes da linha temporal.
Criaram vida, sonhos, utopias.
Apenas expiravam.

De tanto expirar o que inspiravam,
De tanta ânsia  do exterior
Obscureceram o interior, a inspiração.

Nesse obscurecimento nasceu a necessidade de evaporar o nevoeiro
De aclarar o círculo, de o tornar uno, de os agrupar num todo.
Que desenhado na folha de papel seria tão branco como ela,
Não se veriam as fronteiras, diluíam-se.
Nessa diluição a acção e o tempo seriam apenas acção e tempo.
Não haveria categorizações, apenas silêncios.

Mas lembrei-me agora que o círculo é o meu pensamento,
A minha acção, o meu tempo, as minhas categorizações,
O meu Eu.

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Apenas queria alcançar a vacuidade...

Maribel Sobreira
8 de Junho de 2010

sábado, 22 de outubro de 2011

Convite para o Lançamento do nº4 da revista Cultura ENTRE Culturas, dedicada a António Ramos Rosa, e homenagem presencial ao Poeta, na sua residência - 3ª feira, 25, 18.30


O nº4 da revista Cultura ENTRE Culturas é dedicado a António Ramos Rosa e será lançado 3ª feira, dia 25, às 18.30, numa homenagem em que o Poeta estará presente: Residência Faria Mantero, Praça de Dio, n.º 3, 1400-102 Lisboa (a 10 m da estação de comboios de Belém e a 5m do Centro Cultural de Belém)
Este número tem o tema "Poesia e Filosofia", dedicando a António Ramos Rosa um caderno de 60 páginas com muitos textos e desenhos inéditos do Poeta, além de estudos e testemunhos sobre a sua obra, da autoria de vários especialistas e amigos. O lançamento constitui uma Homenagem ao Poeta, no seu 87º Aniversário e decorre na sua residência.
A apresentação será feita pela Profª Drª Maria Teresa Dias Furtado (Universidade de Lisboa) e pelo Prof. Dr. António Cândido Franco (Universidade de Évora). Estarão presentes o Director, Paulo Borges, o Director de Arte, Luiz Pires dos Reys, e o editor, Dr. Baptista Lopes (Âncora Editora).
Em anexo enviamos a Capa e o Índice da Revista.
Sejam bem-vindos! Agradecemos a divulgação.
"Não queiras mais que a gratuita lucidez / do instante sem caminho" - António Ramos Rosa

 

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Encontros com Agostinho


AS ÚLTIMAS CARTAS DO AGOSTINHO
2ª edição

CARTA VI

Amigos

Ao que me parece, encontra-se agora o mundo e, sobretudo, aquela Lusitânia de que é Portugal apenas uma pequena província das Europas, mas nelas essencial, num dos momentos mais importantes, mais agudos e mais interessantes que poderiam ser imaginados. Por um lado há o estrondear, a confusão do esborear-se daquele Império Romano que o cristianismo reassegurou depois dos ataques bárbaros e que ao globo foi em caravelas e naus, tôdas mais ou menos oriundas, em facto ou em inspiração, do pinheiral de Leiria, e que vinha, no fundamental, daquele tornar prática pública, no que se podia entender com maior facilidade, a teoria grega, no direito a partir da filosofia, na engenharia de pontes e calçadas a partir de Euclides, na geometria, mas não na física, que era errada, e na penetrante, universal lógica que deu, nas legiões, seu fruto mais perfeito. Ruina também do dealbar daquele Império do Espírito Santo ou do Divino, obra essencial da Rainha Isabel, que foi pena não ter navegado, como missionário, do XIV ao XVI, mas que, graças à expulsão de Portugal de tanto adepto seu, vai mesmo, geneticamente, navegar agora, com o empreendimento em que pensa o Brasil duma Comunidade de Povos de Língua Portuguesa, e seus crioulos, filhos, por seu turno, do crioulo que o Português foi do latim, tudo afinal neto do mais vasto Indo-Europeu. O que vai haver, sem velas, excepto as desportivas, mas por aeroportos e por Faxes, é a integração dum pensamento como o de Lao-tsu, se dele é, com o do que podem inventar os mais renitentes xiitas, que os há em todas as religiões e filosofias. O que houve no Portugal da Alta Idade Média, foi apenas um avisar de sol, logo obscurecido, depois de Aljubarrota, por estar no trono o Dom João das saudades de Londres, mas que vai subir com seu calmo e forte esplendor, todo fruto de fé, que significa confiança, e de crença, que tem que ver com o coração; pelo passado transferido ao futuro, portanto eterno; pelo reinado da criança e o sumir de tôdas as prisões, quer as que há dentro de nós quer as que pululam à nossa volta. Reinado da criança e sacralização dos animais e de tudo o resto. O que temos de ter conosco é um sentido de ordem não opressiva que impeça o caos e ondas de imaginação a saudar o que ainda não veio, com uma China cada vez mais para o concreto, um Brasil todo virado ao sonho, e, no meio, uma África que nos ensine a todos, já que índio enfraqueceu por tanto século de luta. E tôda a atenção a cada notícia de aurora, talvez alguma ainda apanhada por estas vossas Folhinhas.

Lua Nova (face virada ao Sol) dêste abril de 93.



                   Buda hostil a Luis de Camões!?        


“Erros meus, má Fortuna, Amor ardente

em minha perdição se conjuraram,

os Erros e Fortuna sobejaram

que para mim bastava Amor somente."




“Se para ti bastava Amor somente
amor em mim não chega para nada
pois preciso inventar o que hei-de amar
pensando que é a vida que o inventa
já que juntos nós vamos percorrendo
um tempo que também é irreal
o não ser do que é tudo a mim me anima
me recria no espaço que não há
não haver nada é tudo por que anseio
para me erguer não sendo e reteimar
que verdadeiro amor é mesmo amar
pois que nunca a ninguém apraz não ser.”



Pois resumo mais simples e com alguma pontuação, Amigo Buda:


Mesmo convictos de que não há nada,
jamais se perca em nós o dom de amar.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

d´Arte - Conversas na Galeria LIX


Casas no Largo Autor António Tapadinhas
Óleo sobre Tela 41x33cm

Quando comecei a estudar pintura, fui atraído pela paleta radical e arbitrária, e pela drástica simplicidade de linha, de um grupo de pintores, catalogados como “fauves”.
Na primeira exposição dos rejeitados do “Salon d´Automne”, de Paris, em 1874, o quadro, “"Impression, Soleil Levant" de Monet, provocou o comentário desdenhoso do crítico de arte, Louis Leroy, que os chamou pejorativamente de impressionistas, nome que foi adoptado, com os resultados que se conhecem.
E, mais uma vez, a história repetia-se!
Também o critico de arte, Louis Vauxcelles, no Salão de Outono, em Paris, 1905, ao ver uma série de quadros radicais, a rodear um busto italiano clássico, exclamou: “Tiens, un Donatello parmi des fauves”. Coitado, mal sabia ele que estava a dar nome à escola que contribuiu para o primeiro grande movimento de ruptura estética “avant-garde”, do século XX. No seu curto período de existência (1905-1908), reuniu com a liderança de Matisse, pintores como Van Gogh, Braque, André Derain e Raoul Dufy.
Não escapei ao seu apelo. No início da minha carreira de pintor, utilizei a exuberância das suas cores, para algumas experiências. Delas, lhes darei conta, nas próximas entradas.
Esta obra (1995) é o primeiro exemplo.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

2as Sem Carne - uma iniciativa PAN


É com enorme alegria e orgulho que o PAN comunica o lançamento da campanha 2as Sem  Carne, no alinhamento de uma campanha internacional que visa promover um dia vegetariano  por semana, com todas as vantagens que isso trará para a nossa saúde, o ambiente e o bem-estar animal.

Essa campanha tem para já um site e uma página de facebook, à qual convidamos todos para se juntarem e ajudarem a promover - 
http://www.2semcarne.com/ e  https://www.facebook.com/2SemCarne

Aqui encontrará toda a informação sobre o impacto que o consumo excessivo de carne tem sobre a saúde, o ambiente e os animais.

Pretende-se que tanto o site como a página de facebook sirvam também para ir publicando receitas semanais que ajudem todos aqueles que fazem da carne ou peixe o seu alimento principal a mudar mais facilmente os seus hábitos.

Acreditamos que esta é uma campanha que pode realmente fazer uma diferença no mundo. Pelo bem de tudo e de todos.

É para isto que existe o PAN!

Com os nossos melhores cumprimentos,

A Secretaria de Comunicação do PAN

Partido pelos Animais e pela Natureza
www.partidoanimaisnatureza.com

terça-feira, 18 de outubro de 2011

INTIMIDADES



A MINHA PRIMEIRA NAMORADA

A Júlia foi a minha primeira namorada. Era filha da vizinha Natália e vivia num rés-do-chão de telha vã, no enfiamento de um dos lados da praça imperfeita onde a miudagem se arrogava de preceitos de propriedade e dava guarida a brincadeiras e a dois passos da qual se situava a porta da minha casa. Foi assim que nos vimos e nos mostrámos e isso passou-se desde que os meus calçõezinhos se apeteceram de rabear pelo piso arenítico do jardim. Entre a meia dúzia de miúdas que por ali orbitavam com idade rondando a minha, foi por ela que o meu beicinho se deixou cair. São coisas do coração, não há em elas razões que tenham a ver com a nossa vontade.
Eis então a Júlia, o meu primeiro amor.
Tudo contado, desde o momento da primeira jura de eterna paixão, com os interregnos esperados entre quem cresce, ainda namorámos três anos. Sucedeu desde os dez anos de idade do último degrau da instrução primária até aos treze da minha entrada para o Liceu. Ela é um ano mais velha.
Oh se crescemos juntos…
Enfrentámos muita saraivada e, sempre cúmplices, nunca perdemos a confiança mútua e uma solidariedade quase sem limites. Da incólume passagem pela agressão de um quarteto de mariolas, no Barreiro, quando no caminho de uma das primeiras idas à escola preparatória, às opas de silêncios sobre aquilo que os outros não deveriam saber, acrescentando ainda a partilha do estudo e dos saberes e até os incentivos para as responsabilidades escolares e outras, foram muitas e diversas as nossas experiências conjuntas e se fomos aprendendo com elas…
Posso registar com carinho, agora que praticamente um quarto de século passou sobre a hora de finados, tratou-se de um triénio prenhe de laços e alegria que teve o seu momento mais alto no Verão que se seguiu à dispensa dos exames de aprovação no Ciclo Preparatório, durante o qual, nos meses de Julho e Agosto, tive o prazer da sua companhia na casa balnear que os meus pais possuíam em Sesimbra. Quando em Setembro seguia a caminho do Luso, para as três semanas que a família ali costumava passar, a fim de os meus pais usarem as recomendações termais, nesse ano sentia-me o miúdo mais feliz do mundo.
Obviamente a mãe dela tinha confiança em mim o que não era nada de espantar. Afinal, eu era filho de uma família decente e respeitada e sob os meus tectos tinha ela acesso a programas televisivos e discos ou pistas de automóveis e carros telecomandados, além dos livros e de modo algum passaria pela cabeça de alguém ver algum mal nisso. No que me toca, também eu era da casa e tinha toda a liberdade de entrar enquanto os seus pais cumpriam as jornadas fabris de sustento.
Começou por ser uma relação pueril, do ponto de vista do afecto nada mais que sucessivas e quase diárias reafirmações da aliança e, no plano da carne, apenas ultrapassando os esporádicos abraços mais apertados de um ou outro pé de dança, com o encostar das coxas nos bancos das camionetas da carreira e as mãos dadas por baixo do balandrau que se fazia com as pastas e algum casaco ou blusão.
Mas foi com ela que eu fiz as primeiras aprendizagens sobre os anseios dos corpos.
A ela dei o primeiro beijo nos lábios e igualmente o primeiro no rosto. E é claro que não nos ficámos por aí. Foi pois na sua pele eriçada que os meus dedos púberes se iniciaram a percorrer e a desenhar mapas de carícias e, na ternura acanhada da vez primeira, se aventuraram a passar sob o elástico do soutien em busca de uns mamilos retesados sob o ritmo da arfagem. E as mãos baptismais que se tocaram e retocaram nos sexos um do outro, em uma ou outra ocasião nus. Demo-nos mesmo aos primeiros toques de libelinha na corola de uma flor melada e como nos sentíamos bem, cientes de estarmos plenos de céu.
Por fim a vida separou-nos. Ela entrou para a escola comercial e os estudos acabaram por nos remeter para caminhos separados, no decurso dos quais outros rostos surgiram e aos poucos ganharam predominância e tanto ela como eu nos entregámos a outros corações.
Hoje nada resta, a não ser a memória e é só ela que me possibilita reviver o meu primeiro namoro e sobretudo identificar a minha primeira namorada que, um dia, me chamou à janela e me entregou um bilhetinho escrito à mão, em papel de caderno.
“-Lê isso e devolve-me com a resposta.” - Disse ela, fechando-me a vidraça na cara, tão inesperadamente como me entregara a missiva.
Já não serei capaz de repor tudo o que lá estava escrito, mas sei que começava sem apelo nem agrado por um isoladíssimo amo-te. Só depois explicava a razão de ser daquele amor e manifestava a vontade de saber se eu estaria ou não interessado em me entender de namoro com ela.
Creiam ou não, após a leitura fiquei atónito. Senti uma arritmia repentina e uma crispação ao nível da barriga à medida que o rosto aquecia de forma assustadora até ao ponto de incómodo. Jamais experimentara aquelas sensações e se me perguntassem, no momento, certamente seria incapaz de dizer o que se estaria a passar comigo.
Contudo, no dia seguinte, eu disse-lhe que também a amava.

Crato, 20 de Fevereiro de 1996

domingo, 16 de outubro de 2011

Portas


Há quem diga que as portas duma ilha são infinitas, há quem diga que uma ilha não tem portas, e ainda há quem, como eu, diga:

‘A saudade é uma porta aberta que me separa de ti’

Escrevi essa frase durante a minha estadia na Ilha, talvez por isso o título desta minha crónica, talvez, só talvez... As portas da Ilha abriram-se todas para mim sem eu ter sequer que bater nelas; hoje enquanto falo em portas, a imagem primeira é uma na que as mãos do José Nuno da Câmara Pereira passeiam as nuvens permitindo ao sol ir-se filtrando entre os seus dedos para perpetuar sua luz nas, indescritivelmente belas, obras; ele, artista plástico que tanto nos comoveu e eu denominei ‘escultor de almas’... ele, junto da Ana Loura, uma druidesa que também habita o bosque das imagens nessas ilhas misteriosas, e junto do Henrique Constância, o jovem que consegue atar as nuvens que o José Nuno recoloca no céu, com as cordas do seu violoncelo, ao que, como dizemos na Galiza, o Henrique faz falar... Eles três foram a descoberta mais inimaginável que encontramos na ilha... 
  
Depois que eu escrevi a mencionada frase da saudade, perdi o meu caderno de viagem e interpretei que aquilo era uma troca, uma troca com a ilha de Santa Maria, eu deixava lá meus pensamentos semeados, e a ilha se iria semeando em mim sem eu ter que fazer qualquer anotação... Então reparei no céu, esqueci o papel, nunca antes tinha reparado tanto no céu, a luz é aqui uma verdadeira deidade que vai criando milhões de ilhas diferentes ao longo do dia...

Hoje abro o meu dia aqui, na minha casa de pedra, com a música ‘Ilhas da bruma’ a brotar do piano da Ana Paula, acompanhada pelo violoncelo de Henrique Constância e a voz alada da Raquel Machado... E a surpresa grande é ver que Santa Maria, como já antes tinha feito São Miguel, a ilha, esta também, viajou secretamente em meu interior, agora aqui sai e coloca-se toda à minha volta enquanto eu levo na mão as três pedras que dormiram comigo na ilha, mesmo quando eu perdia o sono, elas dormiam... 

Os Açores fazem meu
O mundo que me pertence
Mas do que eu perdera
A porta pela que entrava...

A Santa Maria acolheu-me com olhares, mesmo que escassos, profundos, que me faziam lembrar doutros tempos meus, mais antigos, e também mais humanos. Os Açores causa em mim uma emoção tão profunda que eu nem sei como interpretar. Santa Maria deixou em mim uma grande melancolia; esta ilha é como um mundo perfeito, ora muito desabitado, soube depois que a maioria das casas permanecem vazias e só é nas férias que as portas das casas se abrem; com efeito quase todas as portas permaneciam fechadas dia após dia. No coração da ilha a ‘Taberna central’ sempre aberta com a Gertrudes mostrando seu triste sorriso... Ela já viu partir tanta gente para fora da ilha... Incluídos os filhos, e nem sempre para voltar. Tive o privilégio de ser convidada por ela a um vinho de cheiro autêntico, no meu dia de anos... Como se pode ver na fotografia que o nosso incansável Rolf tirou de nós duas juntas, esse foi o meu primeiro brinde nesta nova idade, depois à noite veio festa que agora também quer ser lembrada, com tantos amigos, com tantas vozes, com a Fátima e a Catarina, a encher tudo de harmonia, com esses parabéns que se gravaram ao som da internacional em mim... A festa foi no mesmo lugar onde duas noites o Chrys nos deleitou com a sua dança aborígene para celebrar a sua nova idade... 

Nesse contesto altamente emotivo, os Colóquios da Lusofonia encontraram seu território para ser pátria física durante uns dias, pelo menos para ser pátria para mim, que sou de um país sem portas, um país ao que se lhe foram fechando as suas saídas; mesmo durante o transcurso dos Colóquios chegou a mim a notícia de que mais um jornal, dos poucos que usava a nossa língua, fechava definitivamente, já quase não resta nada por fechar... Então o vivido nestes Colóquios em Santa Maria, será muitas vezes, ao longo do ano, refugio para mim, que revisito cada lembrança destes dias nos que o hino da Lusofonia é o meu hino... E canto, e me encanto, porque ele me inclui, é difícil para mim transmitir o que isso, verdadeiramente, significa. Durante os dias que dura o Colóquio, as comunicações científicas vão-se alternando com os passeios pela ilha e com as sessões culturais... Tudo eu guardo junto e agora aparece-me aqui os conceitos linguísticos junto das músicas, os poemas, a sopa do Espírito Santo, que tanto me fez lembrar a nossa ‘carne ao caldeiro’, e o canto dos foliões a seguir a comida, para arrepiar a pele a qualquer ateu de deuses que acredite nos povos...

Aparecem logo as imagens do Museu de Santa Maria, que contam a história da ilha com objetos antigos e fotografias, tive o privilégio de assinar o livro de honra (tudo que se me outorga, não é a mim que se outorga, é a Galiza, eu sei, e gosto de que assim seja). A escola onde as crianças, talvez protegidas pelo mar, contrastam com as do continente, aqui parece que ainda escutam aos adultos, para as crianças falamos e elas guardaram silêncio, fiquei impressionada por essa atitude, admirei-as. Talvez a quem tenha que admirar seja aos adultos pois, sabido é, que as crianças são apenas reflexo. Então isso fala muito bem desta ilha. Adorei as crianças em Santa Maria, tinha que dizer isso. Hoje toda a ilha se passeia por mim devolvendo-me a visita que eu lhe fiz a ela primeiro, sua pele verde decora os negros pensamentos que se precipitam sobre mim ao contemplar esta Galiza, nossos jornais fecham, nossas crianças barulhentas falam numa língua que mata a nossa, e nós morremos com ela...

No meio desses pensamentos, que eu desejo colocar portas para que não fujam sem serem resolvidos, aparece a voz do Vasco Pereira da Costa lendo um poema do nosso Celso Emílio, um poema que me foi dedicado... Como não sentir-se em casa! Agora aqui, aos pés de Compostela, é que me custa achar meu lar, e compreendo bem a Guerra da Cal... Quem não desejaria viver numa pátria que não esteja ameaçada...? Isso são os Colóquios para nós, para mim, uma pátria de portas infinitas, onde cabemos tal e qual somos, e até por sermos... E chegou agora a mim a imagem do Eduardo, esse poeta, mistura de mudos quase indecifráveis, retratado pela Ana Loura enquanto trata de captar a magia do Poço da Pedreira, lugar que hoje é quease um santuário, e um dia fora lugar de rachar pedras para fazer pontes e casas e paredes para que o vento não leve os cultivos, fora um lugar desde o que se construíram mundos... E agora ouço em mim o som do cagarro, com seu choro de criança desconsolada, que tão bem apresentado nos foi pela Joana Pombo no museu que cuida da obra feita pelo seu avô, João Pombo. E no final descendo as escadas com a calma toda do mundo, vem o Daniel de Sã, tratando de entender aquilo que o Chrys chamou ‘As ruínas do Daniel’ Assim é o Chrys gosta de ir às raízes das que ainda bebe a alma do escritor... 

Subindo no céu, hoje sem fume, porque não nem estamos nas férias nem no inverno, as chaminés de vapor que dos barcos se passaram para as casas e substituíram as chaminés tradicionais de ‘mãos postas’ numas casinhas todas pintadas de branco, exceto por uma franja que emolduram as janelas e a porta; em cada freguesia com a sua cor, se eu vivesse, possibilidade que não descarto, lá teria que morar nas de cor rubra... E por lembrar a cor do barro, lembrei agora a visita na que tivemos ocasião de apreciar essa cor e essa paisagem no Barreiro da Faneca, cujo nome não faz referência ao peixe e sim a medida do terreno, que nalguns lugares dizemos ‘fanega’. E as fanecas ou fanegas de pão eram escondidas em silos de pedra feitos ao invés dos nossos espigueiros, feitos na barriga da terra para ocultar dos corsários o grão de toda a comunidade, ainda agora só de imaginar o povo sendo um coletivo unido, me estremeço, fica o silo como um resto quase arqueológico... Desde esse mundo a hoje passou muito tempo, muito tempo em poucos anos...

E no céu, tocando as nuvens, a araucária, majestosa, ao pé da igreja, ela quase sacra; todas as mulheres fascinadas pelo tato desta árvore, na que eu deixei um abraço, regressamos a casa com uns frutos que ela generosa deitava no chão. Ainda teria que falar de como Cristóvão Cólon passou por Santa Maria, mesmo que não pusesse o pé em terra porque Isabel a Católica lhe tinha proibido pisar território português, e a abusiva presença dos americanos, mesmo que viesse compensada pela visita de artistas que deixavam sua pegada na ilha: Frank Sinatra, Bill Cosby... E não sei quem mais. E o mar, sempre o mar, com seus infinitos caminhos. E no final as conclusões dos Colóquios, com os propósitos de futuro e com um comunicado de repudia a atitude negativa do ministro Portas na hora de aceitar a Galiza como parte da Lusofonia na CPLP, mesmo que fosse apenas como observadora... Mas essa porta foi-lhe fechada. E no último dia as despedidas, mas das despedidas eu ainda não quero falar... Quero é sonhar junto da Gabriela para levar os Colóquios à ilha das Flores...

Concha Rousia
(da Academia Galega de Língua Portuguesa)
Galiza, 11 de Outubro de 2011

sábado, 15 de outubro de 2011

Trajeto


Desde o início sou minha apropriada
profecia na organização do tempo
permitido à minha efemeridade.

O rancor cede espaço no transcorrer
dos dias: domesticado na melancolia
da memória (não a lembrança de águas
passadas na aridez do descaminho).


(Pedro Du Bois, inédito) 
http://pedrodubois.blogspot.com

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Ciclo de Tertúlias: "Em torno de Agostinho da Silva"

Car@s amig@s,
A Casa Bocage (Divisão de Museus do Município de Setúbal) e a Associação Agostinho da Silva convidam para estar presente na quarta e penúltima sessão do ciclo de tertúlias "Em torno de Agostinho da Silva na Casa Bocage".
A sessão, no próximo Sábado, dia 15 de Outubro, pelas 17h30, será preenchida com as comunicações:
"Agostinho da Silva e a Cultura Portuguesa", por Miguel Real 
"Agostinho da Silva, Além de Poeta ... Poema", por Maurícia Teles
E o testemunho
"Encontro com Agostinho da Silva no Brasil", por João Ferreira.
Seguir-se-á a apresentação do oitavo número da
Nova Águia – Revista de Cultura para o Séc. XXI” , por Miguel Real
 Cordialmente,
Bruno Ferro
Casa Bocage, Rua Edmond Bartissol, 12 (Bairro de S. Domingos)

Encontros com Agostinho


AS ÚLTIMAS CARTAS DO AGOSTINHO
2ª edição


CARTA V

Caros Amigos

Somos mais ou menos uns setenta os que decidimos, tendo contribuido com os tais quinhentos escudos para as despesas de porte, trazer-vos hoje a primeira da série de dez Folhinhas a que tendes direito, assim iniciando renovar aquele ideário do Povo Português cuja Festa no dia em que se celebrava o Espírito Santo, isto é da Plenitude de Deus ou da Revelação de como é Divino o mundo, incluia, em Universo já sacralizado, a coroação de uma criança como Imperador ou Modêlo Supremo, uma comida gratuita e a abertura, ou supressão da cadeia da terra. Como os da Festa foram todos expulsos, para a Guiné ou para o Brasil, aí pelos séculos XV e XVI, pensámos que já era tempo de regresso e de contínuo afirmar que um dia será a vida gratuita, que teremos em tôda a criança um candidato a modêlo de vida e que não haverá mais ninguém metido nas prisões, externas ou internas.
Nada será de um dia para o outro, mas iremos à nossa tarefa com tôda a calma, experimentando, poucos como somos, tornarmo-nos um tanto contagiosos e reaver o tesouro que se perdeu, mas de que ainda há lembrança nos Açores e muita prática no Brasil, com o nome de Culto do Divino. Aceitaremos que nos tratem de loucos, mas lhes asseguraremos que será sempre com todo juizo que realizaremos a loucura. Doutras vezes vos diremos, com nossa reduzida força, como iniciar a supressão das cadeias, como poderemos guardar tôda a vida a poesia com que nascemos, e saber como venerar, como adorar, e como cumprir, o Divino do Universo. Devemos ainda dizer-vos que levamos conosco todos os que já anteriomente nos ajudaram a que sempre fizéssemos as coisas de modo a que a experiência fôsse possivel para todos. Talvez de quando em quando vos exporemos outras idéas. Porque afinal tudo isto é só uma tentativa de alicerce de império: Império de Servir.

Crescente do 4. de 93


Quadrinha de quando em quando

Pois é Império pioneiro
Euro afro Brasileiro
e, se houver tempo, talvez
Nipo Sino Tailandês

Notinha:
E Tailandês por amor
de Malaca e de Timor.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

d´Arte - Conversas na Galeria LVIII


Foca Bebé Autor António Tapadinhas
Tinta da China sobre papel 56x44cm

Este trabalho, de 1998, resultou do apelo de uma câmara Municipal, aos artistas do Concelho, para colaborarem numa daquelas campanhas contra o massacre, especialmente repugnante, das focas-bebé. Continua actual, porque em 2006 foram alcançados números impressionantes: 355.000 focas mortas!
Eu fui atingido pelo problema num daqueles telejornais especialmente realizados por Cronenberg para a hora de jantar, em que se mostrava homens a matar aquelas coisinhas fofas com um bastão de basebol! Sem comentários. Adiante...
Quando tinha o trabalho quase concluído a minha filha Elsa passou no estúdio para ver o que eu estava a fazer. Adorou, claro (é filha!) e então eu disse-lhe que faltava pôr o sangue que inundava aquela água... Olhou para mim incrédula! Quando compreendeu que eu estava a falar a sério, tirou-me o desenho, que ficou sujo, não de sangue, mas de duas lágrimas que lhe correram pela face...

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A transcendência do olhar



Fernanda Leite Bião[1]
Hidemberg Alves da Frota[2]



A compreensão da linguagem de um olhar assemelha-se à capacidade de decifrar uma obra artística construída em meio ao sagrado da presença divina e ao profano de uma vida na terra.
O olhar de Jesus tinha a capacidade de mobilizar vidas, serenar almas e despertar consciências. Transmitia a confiança no potencial humano de cada ser que dele se aproximava.
Por meio das nossas vivências e da permissão que damos a nós mesmos para a elaboração de novas atitudes, concebemos lentes novas para ver situações e experiências pessoais e interpessoais até então inexistentes ou despercebidas. Tudo depende dos olhos que veem!
Ao aprendermos a olhar os nossos semelhantes para além das representações sociais e das imagens que nossos cérebros podem decodificar, vamos encontrar em nossos pares, não o reflexo de estereótipos sociais nem apenas os desenhos de seus corpos, mas almas em constante transcendência, em um incessante movimento entre o status em que se encontram e o vir-a-ser, à medida que insculpem na história de suas vidas a narrativa de uma caminhada até então desconhecida e, ao trilhar esse percurso de renovação, aos poucos trazem a lume uma nova realidade e a possibilidade de recriar sua existência.
Tomemos como exemplo o jovem que, aprovado no vestibular, ingressa em curso de nível superior e, passo a passo, sobe os degraus da sua vida acadêmica de graduando, até que, ao fim da sua graduação, transcende a condição de aluno, ao colar grau, tornar-se um profissional e adentrar o mercado de trabalho. Ao longo dessa trajetória, remodela a própria identidade como pessoa, influenciado pelos valores e ideais da profissão que abraça, dos saberes que assimila e da vivência do seu cotidiano profissional.
O contexto evolutivo da humanidade, como da natureza em geral, não é estanque nem estático.
É preciso a abertura consciencial para divisar as mudanças saudáveis que o outro floresce na própria existência e que, ao fazê-lo, em um efeito multiplicador, deflagra nas almas daqueles com quem coexiste. Assim como nós, o outro tem o direito de aprender, vivendo, e, baseado em suas vivências, melhorar a si mesmo e servir de exemplo ao desenvolvimento dos demais.
É preciso permitir a si mesmo atualizar a própria perspectiva sobre o outro e suas circunstâncias, transmutando o próprio olhar diante dos ventos da transformação.
Então, olhe! Aproprie-se das imagens, decodifique-as sem a pressa de julgar. Aprecie os horizontes divisados. Permita a outro crescer e cresça com ele. Embora nossas vivências sejam bússolas personalizadas que direcionam a nossa caminhada e o que tem em nós seja fruto daquilo que vivenciamos não podemos nos prender à experiência pretérita como expressão da verdade absoluta, congelada no tempo.


[1] Psicóloga. Professora de Psicologia e Formação Humana em Belo Horizonte. E-mail: fernandabiao9@hotmail.com.
[2] Agente Técnico-Jurídico do Ministério Público do Estado do Amazonas. E-mail: hidemberg_frota@yahoo.com.br.