segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (15)


Girl with a Pearl Earring, Johannes Vermeer, 1665

Óleo sobre Tela, 44.5 x 39 cm
PERFEIÇÃO

Há pessoas assim: PERFEITAS!

Ela é uma dessas Pessoas! Ainda uma jovem mulher, nascida e criada nas montanhas da América do Norte entre ursos e lobos, parece flutuar pela vida acariciando-nos com aqueles enormes olhos azuis e um sorriso de mel!

Chegou a Portugal há alguns anos, acompanhada da sua Licenciatura em História da Arte de uma das mais conceituadas Universidades do mundo e veio atrás do Amor… ficou a viver na minha casa durante algum tempo, enquanto tratava das burocracias que lhe permitissem ficar por cá! O único trabalho disponível para ela, nessa altura, foi a limpeza de apartamentos, que ela fazia com a mesma dedicação com que acariciava as teclas do piano assim que entrava em casa, sem despir a sua bata azul ainda manchada pelos detergentes, bebericando comigo um bom copo de vinho tinto!, ou com que pegava nos pincéis para pintar fantasias maravilhosas em telas virgens… eram sempre assim os nossos finais de tarde…

Mulheres assim, Perfeitas, não foram feitas para serem tocadas por quem passa na rua – só elas nos podem tocar. Há poucos dias, porém, alguém tentou fazê-lo (certamente para se certificar de que ela era, de facto, real…) E as mesmas mãos que dedilham velhas canções nas cordas da sua guitarra azul, que tiram sons suaves das teclas do piano ou que inundam telas de cor, agarraram uma pedra de calçada, fazendo correr à sua frente o homem insignificante que a tocara daquela forma imprópria, ao mesmo tempo que os seus enormes olhos azuis lançavam faíscas em todas as direções. Não restou ao homem outro remédio senão fugir pelos carris da estação de comboios mais próxima!

Quando, ao telefone, lhe perguntei o que lhe passou pela cabeça para fazer tal coisa, respondeu-me simplesmente que quem cresce no meio de ursos e lobos não tem medo dos homens – mas que nem todas as mulheres cresceram no meio de ursos e lobos, por isso alguém tem que as defender!

Há pessoas assim: PERFEITAS!

Amélia Oliveira

20 comentários:

Luís F. de A. Gomes disse...

Mujer hecha y direcha, é o que ela é, pois a valentia que revela mais não é que um dos atributos daquela que se fez a preceito, sem falhas de carácter.
Para nos recordar que a paridade de género, a par da superação do racismo, são das últimas e mais irredutíveis barreiras que nos separam de um mundo de paz.
Tu que a conheces, agradece-lhe, por mim, o facto de ela existir desta maneira. A Humanidade precisa de mulheres assim.

Um resto de um bom dia para ti, Amélia
Luís

Unknown disse...

Será - o mérito - dos ursos ou dos lobos? Ou dos homens, de quem não se precisa de ter medo? Quem sabe, não será das mulheres nascidas longe dos ursos e dos lobos e que, ainda que com medo dos homens insignificantes, conseguem agarrar uma pedra para afastar coisas impróprias. No fim, talvez o mérito seja de quem connosco beberrica um copo de vinho... parabéns Amélia, mais uma vez um texto muito bom.

Amélia Oliveira disse...

Bom dia Luís!
Gostei muito da expressão 'Mujer hecha y direcha'! Acho que a vou usar de vez em quando, se não te importares...
Penso que já abordámos a questão da paridade do género (não tenho a certeza) e creio (também não tenho a certeza...) que esta questão está começando a alterar-se, pelo que me é dado observar no meu trabalho com jovens adolescentes. As mulheres estão começando a ganhar espaço, à custa de muita determinação e agarram-se a essa conquista 'com unhas e dentes'! Ainda bem!
Agradecerei à minha 'heroína', em teu nome, o facto de existir desta forma simultaneamente doce e guerreira! Não me esquecerei!

Um bom dia para ti também!
Amélia

Amélia Oliveira disse...

Bom dia, Teresa!
Já uma vez 'falámos' sobre a felicidade que é este estarmos rodeadas de pessoas tão especiais! O mérito não sei de onde vem, mas o prazer que nos proporcionam, esse, é certamente nosso!
Um enorme obrigada pelas suas palavras de apreço, que sempre me trazem alegria e confiança!

Abraços!
Amélia

MJC disse...

Bom dia Amélia.

Por aquilo que nos conta (e bem!) não sei se repetirei consigo o adjectivo Perfeita, mas despertou a minha curiosidade pela personagem.
Pelos seus olhos azuis, cultos e determinados.
Depois, há pessoas que conferem dignidade e nobreza a tudo o que tocam, a tudo de que se ocupam.
Fascinam-nos essas pessoas não é?!

Um abraço.

Manuel João Croca

Amélia Oliveira disse...

António, bom dia!
Este quadro de Vermeer foi uma excelente escolha - outra coisa não seria de esperar! Aproveito para lhe recomendar o filme com o mesmo nome do quadro (provavelmente já o viu!) que, embora se trate de ficção, tem um elenco fantástico e de que gostei bastante!
Um enorme abraço e obrigada!
Amélia

Amélia Oliveira disse...

Bom dia, Manuel João!

Obrigada pelo seu comentário!
Há, de facto, pessoas assim, que nos tocam profundamente só pelo facto de existirem. Afortunados os que com elas convivem...

Um abraço!
Amélia

Luís F. de A. Gomes disse...

É, a língua de Cervantes es muy preciosa. Mas a expressão não é minha, antes é do castelhano e traduz-se no sentido que lhe dei, o de uma mulher criada, completa e direita, não só no sentido de uma espinha dorsal assim, mas simbolizando isso o aspecto do carácter – pelo menos, sempre foi desse modo que a entendi. Ora, como não temos no português nenhuma expressão equivalente, daí a escolha por ela, naturalmente, ao arrepio de uma explicação – teria que ser isso – na nossa língua. Seja como for, deriva daí que a podes usar como quiseres, sempre que tomes por bem fazê-lo, obviamente, sem ter que me dar qualquer satisfação pelo efeito.

Quanto ao resto ainda bem que assim vai sendo, muito embora haja, por enqunto, um longo e penosíssimo caminho a percorrer até que às mulheres assista o pleno direito da cidade que é o futuro que lenta, mas paulatinamente, temos que ir construindo nos dias de hoje.

E obrigado por não te esqueceres de o fazer.

Hasta luegooo!
Luís

MJC disse...

Às vezes, o simples facto de nos cruzarmos com elas já muda em alguma coisa a nossa vida.

Mas é preciso sabermos perceber quando isso acontece e, como tal, devemos caminhar, deambular,... distraídos mas atentos.

Abraço.

Manuel João

Amélia Oliveira disse...

Obrigada pela explicação, Luís!
As línguas são uma coisa fascinante - tantas vezes temos que ir buscar expressões a umas e a outras para expressar com mais exactidão aquilo que pretendemos dizer! E ainda valorizamos tão pouco a aprendizagem das línguas estrangeiras nas nossas escolas - agora mais ainda, com um Ministro das Matemáticas... que pena! Devíamos seguir alguns bons exemplos que nos chegam de fora, onde uma candidatura à Universidade contempla pontuação para o conhecimento de outras línguas e viagens a outros países... para quando estas mudanças?

Amélia

Amélia Oliveira disse...

Manuel João, há palavras de que gostamos muito e outras que nem tanto! 'Deambular' é um verbo de que eu gosto particularmente e que emprego com alguma frequência! É assim como um caminhar sem rumo, um vaguear pela vida, sem aquele peso do pré-estabelecido! Mas atentos, sim, sobretudo às pessoas com quem nos cruzamos e que, inevitavelmente, têm sempre alguma influência em nós! Somos, afinal, seres sociais...

Um resto de boa tarde!
Amélia

MJC disse...

Sem dúvida Amélia, é como diz.

É assim que me sinto quando transporto esse verbo mágico no bolso, "deambular"... (as reticências ficam aqui tão bem).
Quanto às influências, sem dúvida outra vez, e as que vêm daqui enfunam as velas do barco no seu bolinar.

Obrigado e (mais um) abraço.

Manuel João

Luís F. de A. Gomes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luís F. de A. Gomes disse...

Não tens que agradecer mas, com o que dizes, puxas-me pela língua.

E é isso mesmo, as línguas são algo fascinante, desde logo por serem a base da cultura – entendido aqui o vocábulo, enquanto o conceito antropológico correspondente. Já reparaste que tudo o que existe está registado na(s) língua(s)?
Mas como se fosse isso pouco, temos de atender ao facto de através do estudo daquelas – mormente no domínio da Linguística – sermos capazes de reconstruir os percursos das mesmas e, com isso, encontrarmos elementos que nos permitem, inclusivamente, historiografar ou, pelo menos, compreender melhor as realidades históricas das populações que as falam. Não por acaso, hoje em dia, as modernas correntes da História, em particular e as variadas Ciências Sociais, de uma maneira geral, não dispensam os contributos dos dados desta última Ciência, para aferir a veracidade de muitas afirmações, em variados patamares dos estudos sobre as sociedades humanas. E não é tão engraçado que seja essa uma ciência tão exacta quanto a Matemática?
Seja como for, tenho para mim que te estarás a referir ao fascínio do conhecimento das línguas enquanto objecto de fala, isto é, algo enquanto elemento de uso na comunicação entre os indivíduos. E, também a esse nível, continuo a concordar contigo que elas são algo fascinante. Como é interessante verificar que umas têm palavras, expressões, maneiras de dizer que outras não possuem e como essa multiplicidade acaba por conter e traduzir todo o conhecimento que a Humanidade alcançou sobre a globalidade deste Universo em que existimos. E como é tão agradável usufruir dos encantos específicos que cada uma delas manifesta – obviamente ressalvando que não passo de um mero ignorante nesse patamar, pois desconheço, de todo, as línguas que se falam e escrevem no planeta Terra – fenómeno que se repete no infinitamente pouco que delas conheço. E como é maravilhoso de se viver a comunicação entre pessoas com línguas – e naturalmente formatações culturais decorrentes – diferentes.
É pois, como dizes, uma pena que se valorize tão pouco a aprendizagem de outra(s) língua(s), mas isso é a tristeza deste triste jardim à beira-mar saqueado. Isso seria uma longuíssima conversa. Provavelmente valeria a pena tê-la e até fora desta(s) caixinha(s) de comentários, antes na forma de conversa(s) séria(s) a respeito do problema no contexto de um amplo debate público sobre o ensino e a educação que jamais a sociedade portuguesa fez. De qualquer forma poderíamos dizer que o interesse em tal aprendizagem, a não haver outros ganhos – a matéria, o olhar utilitário, essa tirania de tudo querermos comensurar pela expressão num determinado valor económico e, pior ainda, financeiro – poderia ser encontrado no traquejo de pensamento que o estudo de uma língua proporciona. Mas jamais poderemos deixar de começar por compreender o quanto enriquece a pessoa humana, o domínio de outras línguas, sobretudo se estivermos a pensar em termos da fala e da escrita. Enfim, muito haveria a dizer sobre isso e estou certo que, muito mais do que eu, poderias tu falar com propriedade sobre o assunto.
Pessoalmente tive dois anos de Inglês científico na Universidade e não tenho qualquer dúvida em reconhecer o muito que isso me facilitou nas possibilidades de estudo das matérias que me eram dadas a saber. Só este caso seria suficiente para ilustrar a importância da valorização de que falas.

Tem uma muito boa noite.
Luís

Luís F. de A. Gomes disse...

PS

Fui eu que eliminei o comentário anterior. Escrevi-o directamente aqui e por isso ficou com alguns ortográficos e outras gralhas. Seria uma pena se o deixasse dessa maneira.

Luís

Amélia Oliveira disse...

Bem, não posso deixar passar o comentário sem te dar razão, sendo este um tema que me é tão caro, por profissão e formação. E é como dizes, este assunto mereceria um debate mais alargado, mas já é bastante positivo que seja abordado em espaços como este - será, talvez, uma gota no oceano de toda esta discussão, mas se daqui for levado por cada um de nós deixará de ser apenas uma gota... acho!
E por aqui me fico, porque os comentários hoje já vão longos, mas as ideias vão surgindo e é tão bom aproveitar um espaço tão interessante como o Estudo Geral para as discutir... Obrigada!

Boa noite!
Amélia

Luís F. de A. Gomes disse...

Pois ficas tu mas não fico eu e comentários longos são como as cerejas, só os lê quem quer e quem não tem paciência para um comentário longo, provavelmente não apreciará as cerejas, quando são gradas e doces. São eles que perdem, muito embora isso seja outro assunto.

E deixa que te diga que concordo com a ideia de ser positivo - bastante - que hajam conversas destas em espaços como este. E acrescento que tal não é uma ingenuidade e muitíssimo menos uma tontice. Pessoalmente sou uma pessoa serena na Vida, já andei para ter chegado aqui e, entre outras coisas, é bom de ver, precisamente com isso aprendi que o mundo, a vida em sociedade, as pessoas que lhe dão corpo, tudo isso é tão complexo que não há engenharia social que lhe(s) valha. Por isso declino as grandes sínteses a partir das quais se pretenda construir mundos perfeitos que pura e simplesmente não existem - nunca existiram - e cujo almejar apenas decorre da nossa natureza de animal insatisfeito que se deixa cegar pelo sempre mais - o que está muitíssimo bem registado em história como as da Torre de Babel, ou em mitos como os de Prometeu ou do Ícaro - e por isso tenho para mim que não vale a pena pretendermos trilhar essas vias. No entanto ela move-se, não é verdade? E o facto é que não foi por isso que as coisas se foram transformando e as sociedades humanas também; podemos dizer mesmo que hoje o mundo é melhor que no passado, isto mesmo tendo em conta o livro dos horrores que podemos escrever com a História do Homem.
Quero dizer com isso que as coisas vão evoluindo lentamente e nunca saberemos se o mais insignificante dos gestos poderá ou não concorrer para tanto. Nas devidas proporções, deriva daí que também é - sempre foi - a partir de gestos simples como estes que o progresso - salvo seja a expressão que tanta tinta faz escorrer nas chamadas Ciências Humanas - se foi materializando e depois é como acontece com os filhos, como nunca sabemos quando eles começam a entender, convém que lhes falemos a preceito desde a vida uterina. Dá para valer o quanto valorizo estas conversas que nunca poderia tomar como demasiadas e por concordo contigo, quando escreves "(...) é tão bom aproveitar (...)" um espaço como este. O contrário seria uma simples patetice.
Donde não tens que agradecer ou, a haver, o agradecimento, então terá que ser recíproco.

E assim me vou, para el cielo que no llora, ahora.

Sonhos bonitos!
Luís

Luís F. de A. Gomes disse...

Errata:

1. já andei para ter chegado aqui

A ler:

já andei muito para ter chegado aqui

2. Dá para valer

A ler:

Dá para ver

Thank you!
Luís

Unknown disse...

Depois de voltar aqui ao EG e de ler os comentários que já existem, dei por mim a pensar que, na realidade, o que na escola deixamos de valorizar é a aprendizagem, em si. Desde cedo, esperamos que os alunos reproduzam modelos que lhes impomos como sendo certos, matando a curiosidade e o desejo de saber que são duas coisas muito barulhentas e que retiram ao professor o protagonismo. Ensinamos, ensinamos, ensinamos... repetimos, repetimos, repetimos... reproduzimos, reproduzimos, reproduzimos... e por aí adiante. Claro que a maior parte da aprendizagem fica, assim, fora da escola. E, quando esta lá chega, é tão difícil de medir que se desvaloriza. Digo eu...

Amélia Oliveira disse...

Bom dia, Teresa!
O seu comentário fez-me lembrar o Miguel, um aluno meu que sabe muito sobre muita coisa mas que não está disponível para a escola! Vai porque tem que ir, mas não está interessado no que por lá se passa! Mas é um pescador de mão-cheia, sabe tudo sobre as luas e as marés e os ventos e os peixes e os iscos e anzóis, coisas de que eu não entendo nada!

Um bom dia de sol!
Amélia