Foto: Manuel João Croca
NA
PÁSCOA
E
foi assim que se passou.
Sentir
uma vontade danada de ir ao encontro da natureza na sua forma mais pura –
aquela em que a mão do homem ainda lhe não alterou a geografia original – sem
pensar sequer no risco de se perder.
Sentir,
e ir.
Saltar
uma – ou a - cerca (as terras agora estão quase todas cercadas), e embrenhar-se
pelo tapete verde que almofada o montado e sentir o verde, a imensidão daquela
atmosfera verde.
Ouvir
o som da água a correr caudalosa lá em baixo e aspirar o cheiro que sobe, evolando-se, espargindo tudo. Observar os regos de água cruzando o montado numa maturação
de humidade. As flores desabrochando em todos os tons, coelhos correndo
espantados pelo invasor desconhecido, e o mistério da vida revelando-se na sua
essência primordial sob a forma de uma onda de fecunda harmonia.
Quadros
que poderiam ser transportados de épocas ancestrais, ainda não violados pela
artificial fragmentação do tempo que marca o ritmo das nossas urbes, clones de
outras urbes, de outras urbes, catedrais de consumos e artificialidades.
Tudo
ali parecendo feito na hora, revelações apenas desfrutadas na medida em que se
alarga o horizonte visual.
Uma
eterna e renovada revelação.
Metamorfose
ao ritmo das estações, dos dias e das horas sem introdução de mecânica
artificial que permita a prepotente manipulação da expressão do tempo
representado em directo.
Por
isso, ali se sente o franquear de um santuário verdadeiro e se pode ouvir o que
um Cristo fala, exaltação de uma verdade que já se não aprende nos livros –
pois que está antes ou depois deles -, e que, na natural e estimulada
contraposição aos propósitos e ritmos com que ocupamos os dias, nos confronta
com uma praxis que conduz a um futuro
inevitável, mas de que se regressa sem saudades, antes assombrados pela visão
do que se não gosta mas nos é imposto pelo sentido da deriva colectiva.
A
roda da história dirão, a roda da história dirá, porque um só homem não desenha
ou contém o curso da diáspora colectiva ainda que a mesma possa ser refém de um
olhar alienado e superficial, que se afasta do bom senso que indica que a um
exterior corresponde um interior por vezes muito mais intricado do que a instantânea
leitura da revelação a preto e branco sugerida por uma fotografia.
E
é já como num lamento e sentimento de impotência que clama: “olhai
os lírios do campo”, na expectativa irrealizável de que tal bastasse
para que o homem se sentisse saciado.
Mas
não, a percepção dessa paz e harmonia leva-o a procurar coisas, sempre mais coisas,
de que se possa apropriar de forma privada, e pretendendo exclusiva, na
tentativa de as recriar e tornar permanentes sem discernir, ainda, que o que
procura não está nas coisas, antes em si, e na viagem que conseguir realizar
com e no Mundo.
Manuel
João Croca
Foto: Edgar Cantante