domingo, 30 de junho de 2013

 
 
 
CONVERSA OU ECO
 

E sempre recomeçar a partir do ser que de repente é nada. Um nada branco que aceita a cor do pintor e da pincelada. Luz e sombra, renascemos no morrer de cada dia e na encruzilhada procura-se a harmonia.

Calamos para depois cantarmos desconstruindo pavores onde o grito se forma.

O vento, as aves do mar, o sol e o luar são parte dos hinos que escutamos.
De resto, há sempre algo mais que só depois saberemos, percebemos assim que é tempo de nos lançarmos ao caminho. Que é tempo de fazer a música e compor a melodia.

Viver é sem remédio, no acatar e na rebeldia.

 


Pintura: Luís Delgado; Texto: Manuel João Croca

sábado, 29 de junho de 2013

Tristes Impressões Lisboetas


Pensava escrever um pouco sobre turismo, clima, gastronomia, e amigos que ainda encontro em Portugal, deixando de lado o ambiente económico que a todos aflige, mas que, mesmo demorando muito mais do que se poderia esperar e desejar, acabará tendo solução positiva.

Portugal já esteve, na sua longa história, pior do que está hoje, e vai sobreviver. A alma lusitana, cantada desde Bandarra e Camões não morre por dever algumas toneladas de ouro aos usurários que criaram a UE.

No entanto no curto espaço de um mês vermos desaparecer vários amigos “de sempre”, irmãos dos tempos da juventude, descontração e alegria, deixa-nos uma tremenda sensação de vazio e uma tristeza profunda.

Não tenho pretensões a esquecer que, com a minha idade, estou também na “linha de frente” para, em breve, os ir encontrar lá, onde quer que estejam. Quando eu partir vou também descansar, mas enquanto permanecer neste mundo, hoje, mais que nunca um mundo cão, o sentimento que me envolve é de tristeza.

Como por diversas vezes já afirmou o Papa Francisco, Cristo só sabe perdoar. Nunca condenou ninguém, o que nos leva a ter a certeza que todos estes amigos que agora estão na Sua companhia gozam da verdadeira Paz.

Não que algum deles fosse um mau amigo. Muito pelo contrário. Mas todos somos pecadores.

E nós, que devíamos imitar alguns povos a que eufemisticamente se insiste em chamar primitivos, nestes momentos cantando e dançando, alegrando-nos por todos os que estão já a ver a face de Deus, na Suprema Felicidade, lamentamos e choramos.

Parece vaidade nossa querer atrair sobre nós a piedade e compaixão dos outros, em situações que deviam merecer uma atitude de alegria; em vez disso deviamos nos rejubilar por saber que os amigos que partem vão finalmente ao encontro do seu maior e Verdadeiro Amigo que os recebe com a serenidade que jamais algum vivente encontra neste mundo.

O Universo é infinito. Não teve princípio nem tem fim. Assim o Espírito de Deus, onde se vão fundir as almas dos que partem. E lá ficam em gozo também eterno.

Hoje não me é possível falar sobre coisas terrenas. O meu ego está magoado. Não devia estar, mas está.
Temos que pedir a Cristo que perdoe as nossas atitudes, sem necessidade de Lhe pedir por aqueles que já estão a Seu lado.
Porque não podem estar melhor.
Mas sim pedir-Lhe que tenha piedade das nossas fraquezas.


Francisco Gomes Amorim

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Os caminhos do espírito


Bhagavad-Gita, ou “A Canção de Deus”

Capítulo do Mahabharata, o grande épico indiano, e um dos textos sagrados do hinduísmo.

O grande protagonista do livro que fala na primeira pessoa, Krishna, o avatar de Vishnu, ou seja a própria divindade, dialoga com Arjuna, seu discípulo guerreiro, em pleno campo de batalha. Arjuna representa o papel de uma alma confusa sobre o seu dever e recebe iluminação diretamente do Senhor Krishna que o instrói na arte da auto-realização.

 Há quem o considere o maior das “Uppanishades”. É o texto inspirador de Ghandi.

Influenciou muitos escritores ocidentais como Aldous Huxley. “Irmânia”, livro de Ângelo Ribeiro, autor português do século passado, também revela a sua influência. Einstein dizia que “quando lia o Bhagavad-Gita e pensava nas leis do universo, tudo o resto se tornava vulgar”.

Esta obra releva, sobretudo, o amor devocional, o amor divino, acima de conhecimento e ação, dos que agem com os sentidos equilibrados, ou dos que agem não agindo, à boa maneira do Tao.

A essência de Krishna é o universo inteiro. Tudo é sagrado. Tudo é uno. O uno e o múltiplo são inseparáveis. Deus é a totalidade, transcende o bem e o mal, ou seja, pode ser bom, mas também pode ser mau!

Krishna diz a Arjuna: “Tu e eu existimos desde sempre”; “os corpos perecem, mas a alma não”; “o Uno não tem início, nem fim – não nasceu, nem morrerá”; “o apego ao prazer, a aversão à dor, a valorização da dualidade são limitações humanas”; “Deus é tudo em todas as coisas”, de resto como diz São Paulo nos “Coríntios”.


E continuando: “Só aquele a quem conceder uma particular graça é que me pode ver, mais ninguém”… Mas enquanto homem, Arjuna, não aguenta muito tempo a perceção e a visão de Deus, e só quer que a experiência acabe… 


Carlos Rodrigues


P.S.: Provavelmente o último, dedicado ao Croca.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

D'ARTE - CONVERSAS NA GALERIA (2ª. SÉRIE)

JARDIM SUL-AMERICANO



CAROLA JUSTO

Acrílico 40 x 40

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Duetos



O louco

Asas de anjo louco,
Que levanta impune a lança,
De escudo indefeso, ingénuo avança
Inferno de caos em cóleras de fogo.

Bebedeira angelical de poeta,
Visão única ás portas do céu,
Tremor social tricotando o véu,
Morre inocente, pela alma que estima incerta.


 Diogo Correia



Doidice

O doido possui a doideira,
mas que seja coisa firme
é doideira de poeta.


Luís Santos


terça-feira, 25 de junho de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



É claro que isto foi um assunto que toda a família abordou e devo dizer que a concordância teve o fórum da unanimidade e se reservas houve, prenderam-se estas mais com os receios naturais perante a perspectiva de um jovem ser lançado ao mundo no isolamento de tudo o que foi a sua vivência anterior e na solidão responsabilizável de tratar de si num mundo muito diferente daquele de que partiu que, propriamente dito, com as razões que implicaram o passo que, sobre essas, nunca dúvida alguma surgiu susceptível de as colocar em causa. O João lá vai lançado nos seus estudos de medicina onde tem obtido notas máximas e os mais rasgados elogios por parte dos mestres o que lhe augura um amanhã frutuoso e seguro e, para já, lhe confere a possibilidade de adiar a incorporação no serviço militar e, por consequência, a eventualidade de uma participação na guerra. Apesar de tudo parecer caminhar em sentido contrário, quem poderá dizer que as hostilidades não estejam acabadas quando este meu filho receber o mesmo título que o meu querido pai recebeu e tão bem soube honrar? Seja como for, a condição de médico arreda-o, à partida, dos combates e em caso de ter que fazer a tropa, a sua situação dificilmente seria tão preocupante como a daqueles a quem compete andar pelo mato, a ter que matar para não morrer. O Carlos seria sempre um caso diferente e com toda a inquietação que o tem dominado neste último par de anos, correndo o risco de vir a reprovar algum ano e a perder a liberdade civil com a chamada para assentar praça. E segundo o Manuel que dessas coisas sou uma simples ignorante, com a frequência de estudos em ciências económicas e financeiras é muito grande a probabilidade ou seria sempre muito forte a hipótese de vir a alinhar entre as forças que ocupam o terreno e procedem às operações de vigilância e limpeza do território, necessariamente superiores à de vir a ter um bom lugar em qualquer posto de secretaria longe de tiroteios e sofrimentos. Ainda para mais quando o azar já andou tão perto e continua tão visível no semblante do Palma com quem, amiúde, nos cruzamos. Mal o rapaz, ele próprio, manifestou a vontade de não cumprir o serviço militar para não ter que fazer a guerra, nem que para isso tivesse que enfrentar a inevitável fuga para o estrangeiro, tanto eu como o Manuel compreendemos de imediato que tínhamos ali um problema grave a que não poderíamos fugir e na primeira oportunidade que terá sido nas carícias do travesseiro dessa mesmíssima noite, não demorámos muito tempo para concluir que não só não faria qualquer sentido a mais leve tentativa para alterar a opinião e a vontade daquele filho, como para além disso começava a ser nosso dever de pais apoiá-lo de todas as maneiras para que um tal empreendimento fosse levado a bom porto. Os sacrifícios por que o governo faz passar a nossa juventude são injustos e injustificáveis porque verdadeiramente evitáveis. Ambos discordamos dos motivos da insistência que o regime tem em ver a força militar como a única solução para o conflito e nenhum de nós gostaria de ver partir para a guerra e a possibilidade da morte alguém que criámos com tanto carinho e por quem tantas canseiras passámos para que a vida lhe fosse sendo leve e ele pudesse vir a sentir-se uma pessoa feliz. “-Se for para o ver partir que seja para a aventura da liberdade.” –Disse o irmão, sempre sério e filosófico, num dos jantares em que medimos os prós e os contras de uma abalada no início da sua vida de estudante universitário, ou a reboque de um ano lectivo mais fraco ou, no limite, com o curso tirado e pronto a entrar no mundo do trabalho. De qualquer forma, desde a primeira hora que ficou claro para nós que nenhum dos nossos filhos faria parte dessa demência que já devia ter terminado e que ainda estaria a tempo de ser resolvida por meios políticos e pacíficos que precavessem os interesses de todas as partes envolvidas. Se não falei anteriormente do caso foi antes de mais por questões de segurança, pois nunca se sabe quando estes cadernos possam ir parar a mãos erradas, mas igualmente por termos ficado indecisos quanto ao destino mais conveniente, pois se em França sempre poderíamos contar com a generosidade de um casal amigo com quem mantemos negócios, a quem visitámos por mais de uma vez e que no último Verão aqui passaram alguns dias, ocasião em que se ofereceram para acolher alguém e ajudar numa situação daquelas, a verdade é que toda a agitação social que ultimamente tem assolado esse país, não seria o mais recomendável para um jovem inexperiente a ter que estudar e tratar de si e enviar o Carlos, com as ideias radicais e um tanto sonhadoras, para não dizer bizarras que defende, enviar esse meu filho para uma fogueira daquelas seria como que o equivalente a dar o ouro a guardar ao ladrão. Tivemos sorte. O senhor Polignac ofereceu-nos os contactos de uma família belga de quem é amigo e teve mesmo o cuidado de, pessoalmente, tomar todas as previdências para que o rapaz fosse recebido com o calor de braços conhecidos e não com a frieza da distância que o desconhecimento acarreta, chegando mesmo ao pormenor de bondade de o ter esperado na estação central de Bruxelas para o conduzir à casa dos seus amigos que habitam nos arredores da cidade. Jamais teremos como retribuir tamanho gesto. Contudo era mais a incerteza de o sabermos tão longe e por sua própria conta aquilo que à partida nos terá provocado algum aperto na barriga. Nós educámos os nossos filhos para serem pessoas independentes e para isso tivemos que lhes transmitir a noção de responsabilidade de saberem cuidar de si e, de outro modo para nada serviria aquilo que seria apenas retórica, paralelamente a isso as competências essenciais para o conseguir, desde o ânimo e empenho para aprender e realizar seja que tarefa for –e, nisso, o mais novo sempre passou a perna ao mais velho- ao domínio de todos os requisitos que começam no saber fazer a cama e lavar a roupa, bem como limpar e arrumar o espaço que se habita e terminarem nos segredos da cozinha, sem omitir as restantes obrigações que uma pessoa possa ter enquanto membro de uma sociedade. Mais para mim até que para o pai, seria sempre de esperar que uma vez posto à prova ele desse conta do recado. Contudo, era mais aí que poderíamos ter alguma intranquilidade, sobretudo pela separação que não sabemos quando terá um fim, ainda que por causa das saudades o possamos visitá-lo uma ou outra vez. Agora estou mais calma e sinto que o nervosismo das últimas semanas não tardará a passar. Recebemos esta manhã a sua primeira carta e diz que está bem. Não escreveu mais cedo porque ainda não tinha a sua própria morada e sabia que o pai falara com o senhor Polignac e portanto estaria informado como tudo tinha corrido a contento. Alugou um anexo no quintal de um amigo dos Simon que o receberam, segundo as suas palavras, com toda a fraternidade e uma simpatia solidária. Para já está a trabalhar num sector de que sempre gostou e de que percebe como poucos, como mecânico de automóveis numa oficina e como já legalizou a sua situação de refugiado, conta vir a matricular-se na universidade no próximo ano, estando apenas a balançar entre permanecer na economia ou mudar para a área das sociologias. Para começo de uma separação forçada e apesar da saudade que temos a todo o custo de controlar, não podemos dizer que hajam motivos para preocupações de maior. Criámos pessoas capazes de enfrentarem a vida e aqui está a prova disso. Olho-me ao espelho e sinto orgulho por isso.
E de repente e muito mais cedo do que esperávamos, eu e o Manuel voltámos a ficar só os dois nesta casa onde temos sido tão felizes. É estranho, sente-se muito a ausência dos rapazes, mas sabemos que é assim a vida e depois sempre podemos voltar a namorar à nossa vontade.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (34)

Floresta Maravilhosa, António Tapadinhas, 1996
   Acrílico sobre Tela, 50x70cm

Floresta Maravilhosa
Não sabia se estava a acordar para o sonho ou para a vida. Aquela escuridão das últimas longas horas (dias?) estava a transformar-se, lentamente, numa vereda de floresta com os tons laranja de um fogo distante que destruía o escuro e deixava adivinhar o caminho da luz. Penosamente, começou a mover-se na sua direcção. Na cabeça (ou na floresta?) ressoavam vozes que o chamavam para outro lado, com propósitos que não queria considerar. À medida que tomava consciência que a luz estava cada vez mais próxima, os seus passos ganhavam maior vigor e sentia, melhor, sabia que o fim das suas provações era uma realidade. Esta certeza deixava-o com um sorriso de felicidade que queria conservar para o resto da sua vida…

Esta obra foi executada numa manhã em que acordei depois de um sonho de que retive esta imagem. Os pormenores da floresta estavam de tal maneira gravados no meu espírito que o pincel e as tintas pareciam ter vida própria…
Este quadro é de 1996. No dia 10 de Junho de 2008, descobri onde existia esta floresta e percorri a vereda representada no meu quadro, para chegar a uma quinta, onde ia comprar um vinho especial. Já estiveram pela primeira vez num local em que ficam com a sensação de o já ter visitado? Já? A mim também me aconteceu, mas nunca como naquele dia!
Aquele local, situado nas faldas da Serra da Arrábida, tem uma beleza impressionante. A pequena queda de água, a ponte e a sua vegetação luxuriante continuam a esperar por mim…
Esta Quinta está cheia de referências ao Marquês de Pombal, à Ordem de Santiago, às navegações e ao culto do Espírito Santo. A sua Capela tem um cruzeiro que apareceu nas praias de Manguellas, hoje Ajuda, vindo não se sabe de onde, com tão ricos lavores que, diz a lenda, só pode ter sido executado por Anjos…
O Cruzeiro pode não ter sido feito por Anjos, mas o resto não sei, não…

António Tapadinhas

domingo, 23 de junho de 2013









CALMARIA ou TALVEZ NÃO.


Fim de tarde, muito calor.
Rego as árvores, as plantas e as flores.
Chega a noite e é Lua cheia, enorme.
Passa agora por sobre o castelo de Palmela.
O pinhal aqui ao lado murmura numa linguagem de mar.
É uma ilusão.
Sei-o, porque o mar verdadeiro não se consegue ouvir aqui.
E no entanto deixo-a ficar, alimento-a até.
Porque me é agradável, pacífica, inofensiva.
Deixo mesmo que me embale na redacção deste pequeno texto que vou publicar daqui a pouco no Estudo Geral.
Mas nem todas as ilusões são assim inocentes.
Há as que nos são premeditadamente induzidas com intuitos pouco recomendáveis.
A nossa “democracia” por exemplo.
Aparentemente vivemos em democracia.
Verdade ou somente ilusão?
Um governo que depois de eleito governa exactamente ao contrário do que prometeu quando se apresentou às eleições;
Que viola sistemática e repetidamente direitos e garantias, conquistas do nosso processo civilizacional, consignados na Lei maior do país: a Constituição;
Que promove e pratica uma repartição de direitos e obrigações absolutamente desigual e viciada;
Que mente sucessiva e descaradamente e que assumidamente pretende empobrecer os cidadãos que diz representar;

(poderia continuar a enumerar factos e situações que aviltam o conceito de democracia e estender por muito mais tempo a escrita de linhas que tornariam muito extenso e cansativo o texto)

Esta é uma daquelas ilusões que não pretendo alimentar.
É preciso “democratizar a democracia”.
Dizer: ALTO LÁ!
Não sei de nenhuma fórmula mágica para mudar isto num repente (nem sei se haverá) mas, para já, dou um passo em frente apoiando inteiramente a GREVE GERAL do próximo dia 27.
O passo seguinte logo se verá.



                                             Fotos: Edgar Cantante;
                                             Texto: Manuel João Croca

sábado, 22 de junho de 2013

ESTUDO DO RIO E DO CÉU E DAS OUTRAS COISAS GERAIS QUE ENTRE ELES SE ENCONTRAM





I

VOLTAR AOS MERCADOS, a gramática da economia

Não se ouve outra coisa: temos de voltar aos mercados. Na tentativa de entender, poderíamos analisar sintaticamernte a frase. Sujeito: “nós”? Claro que o sujeito de “temos” é “nós”. Mas é realmente de nós que se trata ou deles? Partindo do princípio que somos nós (e de que a frase é gramatical) quantos de nós cabem na casca de noz que é este nós? Será este nós grande como as caravelas da Índia onde cabiam especiarias, madeiras raras, ouro, ideais e sei lá que mais?

Deixemos o sujeito, que se afigura nesta frase muito complexo. Passemos ao predicado. Composto. Por dois verbos: “ter” e “voltar”. Voltar significa que já lá estivemos, Mas quem seria tão idiota que estando num sítio onde se sentisse bem o ia deixar? Admitindo que sim, que estivemos, saimos e temos de voltar, esbarramos novamente com o sujeito, porque é preciso saber quem é que volta. Adiante, que este enigma gramatical não está fácil e voltar também não. Voltemos então “aos mercados”, que se chama, com a nova moda, modificador. Poderia ser complemento oblíquo, mas como estes são “grupos de palavras indispensáveis ao verbo para que este complete o seu sentido”, teremos de pôr de lado esta hipótese. E aqui não poderia estar mais de acordo. Muito oblíquo, este regresso de quem não sabemos, aonde desconhecemos e de uma forma que é um completo mistério. Temos então um “nós” muito enleado que não sabemos quem é, que se convenceu que precisa de voltar a um sítio onde já estivemos (partindo do princípio de que nós somos nós) e onde não sabemos como se regressa (partindo do princípio de que já lá estivemos). Espero, com esta reflexão erudita, ter contribuído para a clarificação da questão dos mercados, segundo os economistas, vital, mas com que o Governo não parece estar muito preocupado, porque o negócio dele é outro. Para remate, e partindo da noção de modificador,que segundo a definição é “dispensável e poderia ser eliminado da frase”, parece-me estarmos perante uma evidência que a gramática nos traz, para possível mas não provável embaraço dos economistas. “Mercados” é a parte que pode ser eliminada, permanecendo o “voltar”.  Teremos então de voltar. Mas onde? Onde? E quando? E como? E principalmente... para quê?

Fará tudo sentido se este voltar se concretizar num regresso a “nós”, uma espécie de “À procura do sujeito perdido”. Não é Pessoa que escreve num poema do ortónimo “É em nós que é tudo”? E não é isto verdade? Sem que seja necessário saber gramática, nem as cotações da bolsa ou a flutuação dos mercados.


Risoleta C. Pinto Pedro



sexta-feira, 21 de junho de 2013

Livros d'África





SERPA PINTO (Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto) (1846, Cinfães – 1900, Lisboa)

“(…) As narrações de Livingstone, Cameron, Stanley, Burton, Grant, Savorgnan de Brazza, D’Abbadie, Ed Mohr e muitos outros estão longe de pintar os sofrimentos do viajante africano. Difícil é compreendê-lo a quem o não experimentou; àquele que o experimentou difícil é descrevê-lo.”

É deste modo que Serpa Pinto, então major do exército, nos prepara para a leitura dos seus cadernos, apontamentos de uma viagem que teve início em Benguela, Angola, no mês de Setembro de 1877 e que terminou em Durban, África do Sul, no mês de Dezembro de 1878. Estes cadernos foram compilados numa obra em dois volumes que o explorador intitulou “COMO EU ATRAVESSEI A ÁFRICA”. O primeiro volume tem como subtítulo “A ESPINGARDA D’EL REI” e o segundo “A FAMÍLIA COILLARD”. Foram publicados por uma editora britânica em 1881. A última edição portuguesa, completíssima, com fac-similes de mapas, gráficos, desenhos e ilustrações, pertence à Europa-América que, lamentavelmente, não indica a data de reedição. A estética das capas também poderia ser bastante melhor, mas esta apreciação é puramente pessoal.

Estes diários de viagem são de leitura obrigatória para se perceber como era África nos finais do século XIX, ou melhor, como é que o cidadão europeu olhava para aquele continente e para os seus habitantes. Aos olhos da sociedade actual muitos dos conceitos explanados na obra são totalmente inaceitáveis. Saliento dois ou três exemplos: “…entre os quimbandes (…) vi algumas mulheres que se poderiam chamar bonitas se não fossem pretas.”, ou então, “… é preciso que em África haja por cada preto um branco (…) porque só então o elemento civilizador equilibrará com o selvagem e poderá vencê-lo.”, ou ainda, em relação ao ambaquista, figura importante na expansão e cultura da língua e dos hábitos portugueses em África, “… em Benguela levam a condescendência a chamarem-no mulato, um pouco escuro; mas a verdade é que nas suas veias não há uma gota de sangue europeu e que ele é preto, não só na cor, como na ascendência, e quiçá na alma.”. Esclarecedor. Mas era assim o politicamente correcto na época, quando o progresso e a civilização ainda não eram medidos pela forma como se olhava o Outro.

Contudo, o mais importante que fica da leitura desta obra é o reconhecimento da extraordinária aventura que deve ter sido (que foi!) a travessia de territórios inóspitos, quase desconhecidos e, na maior parte dos casos, hostis. Revela uma tremenda coragem, sentido da honra e um amor abnegado à Pátria, atributos que já se não usam nos dias de hoje. Por isso a odisseia de Serpa Pinto merece pertencer à galeria onde figuram os feitos de outros grandes exploradores do continente africano, portugueses e não só.


Tomás Lima Coelho


quinta-feira, 20 de junho de 2013

D'ARTE - CONVERSAS NA GALERIA (2ª. SÉRIE)

PROTECTORAS DO SEGREDO


CAROLA JUSTO

Acrílico 50 x 50

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Vidas Lusófonas


O rigor histórico não está condenado à prosa de notário, 
é possível conviver com as figuras do passado.

Saber o que foi, pode ajudar-nos a talhar o que será. 



avista


a rasgar caminho até


onde já moram 159.
Naquela casa
tudo está  a acontecer,
cada vida / cada conto.
Por isso já recebeu

mais de 27 milhões de visitas.

terça-feira, 18 de junho de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



A evolução na continuidade, trata-se de uma daquelas ideias que, depois de esmiuçadas, querem dizer absolutamente nada. O que pode ser isso de evoluir na continuidade? Se é a continuidade que prevalece como poderá haver evolução quando esta implica necessariamente a transformação? Sinceramente parece-me uma proposição que enferma de uma contradição entre as partes que a compõem. Por outras palavras, por mais atraente que enquanto frase e slogan se apresente, não é por isso que, por ventura, possa ter algum significado que de facto até nem tem. No entanto foi essa a ideia chave com que o Professor Marcelo Caetano se apresentou à nação como o sucessor designado de Oliveira Salazar e, portanto, o homem para chefiar as matérias da governação e, por via da mesma, os destinos de Portugal. Mau começo, digo eu que vindo de um antigo Reitor de uma Universidade como é a de Lisboa, deixa no ar a inquietação sobre se o homem será capaz de entender e pôr em prática aquelas medidas que, nos tempos que correm e na situação em que o país se encontra, com uma guerra em três frentes sem qualquer fim à vista e que consome importantes recursos que seriam úteis para ultrapassar a miséria que as cheias de Outubro do ano passado, ao redor da capital, deixaram bem à vista, seriam as iniciativas mais convenientes e adequadas para melhorar as condições de vida do povo, necessidade bem patente na emigração que nesta década tem atingido volumes e valores nunca anteriormente vistos e é bem sabido que esse fenómeno tem sido mais ou menos uma constante ao longo da nossa história. Ora quem começa com palavras ocas virá a ser capaz de desempenhar acções razoáveis? Logo aqui começa uma dúvida que, para meu gosto, não é muito difícil de resolver. O assunto é que é demasiado sério para se tratar de uma mera questão de gosto ou de interpretação, pois é fácil de perceber que, em contraposição do que escrevi, logo se poderá dizer que o alto dirigente quis sintetizar numa expressão a trave mestra do que se propõem, evoluir, isto é, desenvolver o país, mas sem sair dos limites e convicções do actual regime. Seria então caso para contra-argumentar que se o pensamento tivesse saído de uma banal converseta nenhum reparo mereceria pelo anódino de que enferma, mas saiu da cabecinha do Presidente do Conselho, aquele que nos governa, e nessa dimensão não pode passar ao lado o facto de, mesmo nesta explicação aparentemente mais abonatória para a coerência dos enunciados, não ser por esta que aquela deixa de encerrar a tal contradição insanável no seu interior e, em conformidade, eliminar o erro de palmatória em que consiste. A verdade é que continuamos sem perceber como é que se poderá evoluir sem transformar o que, na prática, implica que tentemos compreender como poderemos desenvolver a sociedade portuguesa sem acabar com este regime ou, por outras palavras, como é que o poderemos alcançar continuando a PIDE com a força que tem, a Censura com a tutela que mantém e os mais básicos direitos das pessoas, como o de criticar as políticas escolhidas e poder escolher outras, ou a mais prosaica possibilidade de fazer greve por um salário melhor, continuando esses direitos e outros a serem negados aos portugueses? Sinceramente não vejo que essa ideia peregrina da evolução na continuidade possa ter outro entendimento que não seja que tudo permanecerá como dantes no velho castelo de Abrantes. Saiu Salazar, entrou Caetano, uma espécie de “Le Roi est mort. Vivre Le Roi!” e tudo o mais continuará como até aqui. Seja lá como for e por mais fantástica que me possa parecer, há uma onda de euforia e de esperança quanto à eventualidade de o homem abrir o regime e aceitar o papel das oposições no jogo das decisões políticas. Aqui, entre nós, nem é tanto assim, pois só o Gustavo e alguns dos mais novos ainda lhe concedem o benefício da dúvida, mas a avaliar pelas conversas veladas que vamos tendo por aí, sobretudo pelo que se vai lendo nas entrelinhas da imprensa, são muitos os que não só se colocam nessa posição de esperar para ver antes de rejeitar, como não serão em menor número aqueles que, indo mais longe, acreditam que o Professor representa o fim do salazarismo e com isso é alguém que poderá interpretar as mudanças necessárias para que venhamos a ter um sistema político igual ao dos países mais ricos da Europa e, entre estes, em abono do optimismo, já ouvi até lembrar que nas greves dos estudantes da Universidade de Lisboa, em sessenta e um ou sessenta e dois, se não estou em erro, ele que então era o Digníssimo Reitor, tomou o partido pelos alunos chegando a proibir a polícia política e a GNR de entrarem nas instalações universitárias. Quanto a isto, muito simplesmente me pergunto que outra coisa poderia ele ter feito. Mas cá para mim estão todos redondamente enganados. Marcelo Caetano não só sempre foi um homem do regime, como sempre o foi não por qualquer oportunismo daqueles que tão vulgarmente se encontram por aí, fala por ele a competência e a sabedoria que denotou ao longo da sua carreira de docente universitário e todo o trabalho académico e não só que tem elaborado em torno do direito e assim se lhe devem reconhecer as qualidades de quem teve o mérito e, repito-o, de modo algum o sentido oportunista de procurar subir na vida a qualquer preço mas, precisamente por isso, sempre aderiu e apoiou a situação por profunda convicção ideológica. De Chefe da Mocidade Portuguesa a Presidente da Câmara Corporativa, ele passou justamente pelos cargos em que essa mesma fidelidade seria decisiva e quanto àquilo que se diz das suas incompatibilizações com o tirano, pessoalmente diria que isso terá decorrido mais de intrigas de outros que nele viam e sabiam das qualidades e brilho para, um dia, vir a suceder ao ditador, como acabou por acontecer. Contudo, tenho para mim que em todo o seu pensamento ele é um fervoroso adepto das sociedades rigidamente estruturadas e hierarquizadas de que afinal é um dos maiores arautos e melhores teóricos do corporativismo que em tais pressupostos se fundamenta. É, portanto, uma personalidade que por idiossincrasia não acredita na democracia e muito menos nas formas democráticas de organização política e, tendo isso em apreço, espanta-me como é que se pode esperar dele que promova nada mais nada menos que essa tal abertura democrática. Quer-me parecer que anda por aí muito boa gente a confundir ou a querer confundir os desejos com uma análise dos factos. Vamos ver, como diz o cego. No que me diz respeito, não tenho a mais leve esperança e até que caia de podre e já me enganei ao esperar que esta guerra que enfrentamos o provocasse, só por putrefacção este regime cairá a menos que os portugueses façam qualquer coisa por isso o que também não se me assemelha que esteja no horizonte próximo. E os mais inequívocos sinais do que acabo de sustentar são, por um lado, a inflexibilidade com que abordou o problema africano no que não deu a mais ténue das indicações de pretender sequer procurar uma solução política para o conflito e, por outro lado, o facto de não ter acabado desde logo com as prisões por motivos políticos e de opinião e simultaneamente abolido a censura, ainda que aqui possamos estar a assistir a um certo alívio no controle exercido sobre a imprensa, em geral, e o que as rádios e a televisão vão dizendo e transmitindo. De qualquer maneira, com o espectro da polícia política permanecendo sobre a vida de cada um, a auto-censura, a maior capação que as ditaduras conseguem impor nos espíritos daqueles sobre quem se abatem, essa permanece e não me parece mesmo nada que o Professor Marcelo Caetano tenha a menor intenção e muito menos a vontade de contribuir para que isso se altere. É isto, exactamente, o que quer dizer a evolução na continuidade; por muitos retoques que dêem por aqui e por ali, tudo continuará como no tempo de Salazar.
Até por uma imagem de graça, bem vistas as coisas, o tirano nunca chegou a ser deposto, caiu, muito simplesmente, da cadeira.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (33)

Hyde Park, André Derain, 1906Óleo sobre Tela, 66x99cm
DOIS LADOS

Ele olhava-a carinhosamente.
Sentia-se feliz por estar ali, e as suas mãos, aquecidas pelo sol – ou talvez pelo amor – afagavam levemente a toalha.
Amava profundamente aquela mulher
As nuvens desenhavam flores no céu e a areia da praia brilhava como quem brinca às cidades de luz. A espuma branca do mar tocava as mãos da mulher e sussurrava segredos de amantes. O vento acariciava-lhe o rosto e, pelo calor das palavras contidas, pintava nas faces um rubor encantado.
Amava-a profundamente.
O banco de madeira recortava a paisagem e deixava marcada por dentro dos olhos uma imagem de corpos entregues ao cansaço delicioso do amor já feito. A pele macia tocava-lhe – apenas – as mãos e deixava a eternidade naquele instante de tempo.
Sentados lado a lado, adivinhava-se o amor.

Ela olhava-o com impaciência.
O calor estava a tornar-se insuportável e ele não parava de mexer na porcaria da toalha.
Que homem detestável e desinteressante.
Para piorar a situação, parecia estar prestes a cair uma daquelas chuvadas…
Gelava-lhe o vento as mãos cansadas de evitarem o toque da espuma cinzenta e suja trazida pelo mar revolto da tarde.
Perto dali, via-se um banco de madeira velho, feio e sujo. Nele, sentado, estava um homem completamente bêbado que vomitava uma mistela vermelha cujo mau cheiro apenas se assemelhava ao do homem que a acompanhava naquela tarde de azar.
O seu corpo reagiu instintivamente ao cheiro pestilento dos dois homens e afastou-se, sem, no entanto, conseguir evitar um ligeiro toque entre os dois corpos – o dela e o daquele homem detestável e desinteressante a quem um dia tinha jurado amor eterno.
Um arrepio de nojo tingiu-lhe de vermelho a cara e a alma.

domingo, 16 de junho de 2013




A ideia pensada para esta rubrica traduz-se no seguinte:

1.      – Procede-se à escolha de um livro para leitura colectiva, cada um por si;
2.      – O livro estará em leitura durante 30 dias;
3.      – A leitura que cada um fizer poderá ser partilhada sob a forma de comentário na   
   rubrica agora inaugurada;
4.      – Passados 30 dias outro livro será escolhido (aceitam-se sugestões de todos os
    participantes) e reiniciar-se-á o processo.
5.      – A rubrica está agora a iniciar-se e serão aceites todas as sugestões visando a
   melhoria do seu funcionamento.


O Autor escolhido para inaugurar a rubrica foi, por sugestão de Dolores Manso, Jack London e o título seleccionado o “Lobo do Mar” porém, após pesquisa na Net obteve-se a informação de que estaria esgotado. Nessa conformidade acabou por ser seleccionada a obra: “VAGABUNDOS CRUZANDO A NOITE” editada em Portugal pela Antígona, Editores Refractários.
Boas Leituras. Aguardam-se os comentários.

Algumas notas biográficas do Autor:


JACK LONDON
[ 12/01/1876 – 22/11/1916 ]

Nasceu em 12 de Janeiro de 1876, em São Francisco, Califórnia.
Começou a sua actividade literária aos 17 anos, quando ganhou o 1º Prémio de um concurso literário - com a discrição de um tufão presenciado quando era marinheiro -, organizado por um jornal.
Protótipo do aventureiro, teve uma vida intensa.
As aventuras extremas narradas nos livros que escreveu foram, em grande parte, vividas por ele em seus intensos quarenta anos de existência.
Adolescente alcoólatra e brigão, London foi pirata nos rios da Califórnia e percorreu os Estados Unidos e o Canadá à boleia.
Foi preso. Foi operário, mineiro e militante socialista, e, também, marinheiro e caçador de focas no oceano Pacífico. Correu em busca do ouro na neve do Alasca na virada do século. Tudo descrito nos cerca de cinquenta livros que escreveu, entre romances, relatos biográficos, contos e ficção científica.
Nas obras, sua vida se misturava à ficção e vice-versa.
Jack London suicidou-se aos 40 anos de idade.