terça-feira, 31 de maio de 2011

QUEM


Não me queima o futuro
em orações e gestos
de apadrinhamento.

O verbo referencia a ação
na necessidade do ato.

Sou passado transgressor
de físicas leis: tempo
e espaço.

O verso reflexo da palavra
revolvida ao ser lembrada.

Sou presente ausência do significado
elencado no discurso: medo
e sensação vazia
do que em mim
se desespera.


(Pedro Du Bois, inédito)

FACES

Aqui termina a publicação do meu livro de viagens, “Faces” no que será a sua versão em blogue.
A todos aqueles que me leram, tenham ou não deixado o rasto de um comentário, a minha vénia de agradecimento.
O meu maior desejo é que a companhia lhes tenha sido agradável. Se a isso a leitura lhes tiver acrescentado as perguntas de uma alegoria sobre a Humanidade, então direi que foi um prazer ter apresentado estes resultados do meu parco talento.
A quem me convidou para aqui estar convosco, mais uma vez expresso o apreço pela oportunidade de apresentar estas parcelas do meu labor literário.
Haja paz e saúde para todos vós.

Luís Gomes
Foto de João Cordeiro

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Sobre a origem do nome da cidade mineira de Formiga

Algumas cidades mineiras tem nomes dados pelos primeiros povoadores que eram topônimos de terra natal destes. Exemplo disto é a cidade de Formiga.

Do Dicionário Histórico e Geográfico de Minas Gerais, do Dr. Waldemar de Almeida Barbosa, colhe-se o seguinte informação sobre as origens da cidade de Formiga:

"...é uma das cidades mineiras que conservam o nome dado pelos primeiros povoadores da região. Realmente, as sesmarias concedidas ali, antes da ereção da capela, fazem menção da paragem chamada a Formiga.
Assim a de Antônio Gonçalves Lopes, de 1768, e a de Domingos Antônio da Silveira, de 1777.
Também numa carta do Conde Valadares ao Capitão-Mor do Tamanduá, de 1769, há menção de nomes de indivíduos 'moradores no sertão chamado da Formiga..."

Mas há três versões sobre a origem deste curioso nome de cidade.
-A primeira está relacionada com os tropeiros que se arranchavam às margens de um ribeirão e tinham suas cargas de açúcar atacadas por formigas, resultando daí a denominação "Rancho, ou Sítio, das Formigas. O nome passou ao riacho, "Ribeirão das Formigas", e depois ao povoado.
-Outra versão diz que o nome é decorrente dos índios que habitavam a região, chamados "Formigas" por terem o costume de comer uma espécie de formiga, as tanajuras ou içás.
-Finalmente, Djalma Garcia Campos defende a tese de que o nome foi dado pelos pioneiros de origem açoriana, que repetiam na região os topônimos de sua terra natal.

Assim, São Miguel, hoje chamada Calciolândia, copiou o nome da maior ilha do Arquipélago dos Açores. Furnas também denomina um lago na Ilha de São Miguel. A hoje cidade de Candeias teve seu nome a partir de N.S.das Candeias, padroeira da Ilha do Pico. Nessa linha, chegou-se a Formiga, cuja região lembrava aos pioneiros os Ilhéus das Formigas, localizados entre a Ilha de São Miguel e a de Santa Maria.

"Depois que surgiu a capela, as sesmarias já fazem menção à aplicação de São Vicente de Ferrer de Formiga. Esta capela, dedicada a São Vicente de Ferrer, foi erigida de conformidade com a previsão episcopal de 13 de abril de 1780."

No acervo de Livros Paroquiais da Diocese de Divinópolis (livro no. 119), há um assento de batizado que certamente terá sido um dos primeiros realizados na Capela de São Vicente de Ferrer:

"Aos sete de janeiro de 1771, o reverendo Pe. Dr. Salvador Pais Godoi batizou solenemente a Vicente, filho natural de Ana de Barros. Foram padrinhos o Capitão José de Sousa Souto e Ana Roza de Jesus. E para constar mandei fazer este assento."

O naturalista francês, Auguste de Saint-Hilaire, passou pelo povoado de Formiga por volta de 1819 e no relato que deixou, "Viagem às Nascentes do Rio São Francisco", dá indicação das remotas origens da cidade:

"...O povoado estava então com pouco mais de mil habitantes, uma quarta parte dos quais, aproximadamente, era constituída por pessoas da raça branca. Entretanto, em meados do século anterior o arraial ainda nem existia. Conheci um ancião que fora o primeiro a se estabelecer ali, em 1749, ocasião em que se iniciou a construção de uma capela."

Pesquisas elaboradas por nosso historiador Dr. Leopoldo Correa, e lançadas em seu livro “Achegas à Historia do Oeste de Minas”, pode ele descobrir este ancião. Trata-se
do Sargento Mor João Gonçalves, que requereu provisão da Capela em 11 de março de 1675 pertencia Formiga à Vila e Freguesia de Tamanduá (hoje Itapecerica). Era seu capelão o Padre Francisco de Paula Arantes.

Seguindo a cronologia da história da cidade, em 1832, criou-se a Paróquia de São Vicente de Ferrer. O censo demográfico de 1838 revelou que o arraial e região contavam com 6290 habitantes. No ano seguinte, foi elevado à condição de vila com o nome de Villa Nova de Formiga e, pela Lei 880 de 6 de junho de 1858, fundou-se a cidade de Formiga.

adaptado de http://reocities.com/heartland/1074/formiga.htm
http://www.camaraformiga.mg.gov.br/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=13

Margarida Castro

Exposição – CULTO AO ESPÍRITO SANTO

(clique na imagem para ampliar)

Com certeza a maior herança cultural que os povoadores Açorianos deixaram na religiosidade popular do Estado Catarinense é o Culto ao Divino Espírito Santo. Para nós as Festas do Divino Espírito Santo.

Esta herança é demonstrada através das nossas Festas do Divino onde o sagrado e o profano convivem lado a lado. Nesta mostra apresentamos algumas indumentárias que são utilizadas durante as Festas, também estarão expostas fotografias, alfaias e objetos utilizados nas festas no Arquipélago dos Açores e em Santa Catarina.

Este ano estamos comemorando os 263 anos da chegada dos Açorianos ao Brasil Meridional, especificamente ao estado catarinense. Estas famílias que aqui chegaram trouxeram em sua bagagem uma cultura muito rica que deixaram em nosso estado. Hoje encontramos marcas desta herança cultural no artesanato, culinária, religiosidade, arquitetura, crença e mitos e no nosso jeito de falar e em muitos outros aspectos.

É justamente no artesanato, e neste caso com a cerâmica figurativa, que os artistas populares reproduzem imagens de sua herança cultural. Nesta exposição apresentaremos um cortejo do Divino em miniatura produzidos pelos artesãos Paulo e Osmarina Villalva.

Teremos também na mostra conjuntos de Trajes de Imperadores mirins da cidade de Florianópolis, um Tambor da Folia do Espírito Santo vindo da cidade de Penha e uma Rabeca que também é um instrumento usado nas cantorias do Divino que trouxemos da cidade de Imarui, no litoral sul do estado de Santa Catarina. A Bandeira do Divino Espírito Santo, para nós o maior símbolo desta manifestação, é originária da Cidade de Itajaí também estará exposta. Já a Coroa, o Cetro e a Salva em prata lavrada, são originários da Ilha Terceira/Arquipélago dos Açores. E para completar a mostra estarão expostas fotografias das festas do Espírito Santo em São José, Santo Antônio de Lisboa, Ribeirão da Ilha do Arquipélago Açorianos Terceira, Graciosa e Pico nos Açores.

As Festas do Divino são realizadas no mesmo dia tanto aqui como nos Açores, comemoram o Petencostes (cinqüenta dias após a ressurreição) e este ano acontecem no dia 12 de junho.

Local: Espaço Cultural do Núcleo de Estudos Açorianos/UFSC
Período: 01 de junho a 15 de julho de 2011
Visitação: 2ª a 6ª feiras das 9 às 12 e das 14 às 17 horas
Informações: (48) 3721.8605 ou nea@nea.ufsc.br

FOTOS PARA DIVULGAÇÂO: http://ftp.identidade.ufsc.br/Expo_Divino_NEA_UFSC.zip
Promoção: Universidade Federal de santa Catarina – Secretaria de Cultura e Arte
Governo do Açores/Direção Regional das Comunidades
Realização: Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC

domingo, 29 de maio de 2011

sábado, 28 de maio de 2011

Uma campanha triste

VAMOS LÁ IMAGINAR: O Dr. Cavaco, que bem sabemos ser um homem não só previdente, mas sobretudo providencial, alguém que, segundo as suas próprias palavras, nunca tem dúvidas e raramente se engana, não confiando no jovem bon vivant que por má conjunção dos astros se colocou à frente do Paz Pão Povo e Liberdade, chamou um seu ex-ministro daquele tempo em que se cobria o país de cimento e de alcatrão, se inventava uma nova classe para a lavoura — os desagricultores — e se acabava com as pescas, a marinha mercante e a metalomecânica e disse-lhe: companheiro Eduardo, encarrego-te de uma missão patriótica e muito melindrosa, segura o meu pupilo, vigia-o bem. Eu quero-o em primeiro-ministro, não porque confie nele, mas porque não gosto do outro, que até me dá arrepios. O Pacheco Pereira, que a seguir a mim é o homem mais inteligente do País, até diz que ele é da Transilvânia e eu começo a acreditar que sim.

Previdente e providencial, o que ele não esperava, apesar de não estar como o comum dos mortais sujeito à dúvida e ao desengano, é que o professor Catroga andasse tão acelerado que só umas merecidas férias no Brasil afastassem o perigo de afundamento iminente do porta-aviões que está já todo esburacado, não pelo fogo do inimigo, mas pelo fogo amigo.

Pior, muito pior do que a aceleração, foi a erupção dum insuspeitado lado negro que faz do palavrão arma de arremesso e do insulto estilo.

E todos esperavam, na boa-fé com que ouviram as mais solenes juras de falar verdade, porque mentir só os outros é que mentem, que o ilustre vigilante do jovem inexperiente que quer chegar ao pote fosse o representante no nosso país, autêntico e verdadeiro, dessa mesma verdade; uma verdade em flor no seio dos políticos a quem o povo chama de mentirosos, que desilusão! Quem o viu no programa da D. Fátima a chamar mentiroso a quem lhe disse que ele tinha escrito o que realmente escreveu e que ele, em nome da sua tese de falar verdade, negou, negando-se, abriu a boca de espanto e murmurou: o homem passou-se.

Sócrates deve ter nascido de cara para a Lua e, se calhar, o Pacheco Pereira tem razão. O que é certo é que não precisa de fazer nada para ganhar o próximo concurso eleitoral, todos os concorrentes trabalham a seu favor. Até o Louçã. Viram aquele triste episódio da carta jurada e afirmada, apesar de inexistente, ratificada e rectificada depois com a desculpa esfarrapada do Fazenda? Dizia o homem: sim, é o memorando, mas isto é conhecido internacionalmente como carta de garantia!

Pois é, vale tudo, provavelmente tirar olhos até.

O que é normal nos países sufragistas como o nosso é que os governos se desgastem e dêem lugar aos que se irão desgastar a seguir. Portugal é diferente. Aqui, quem se desgasta são aqueles que têm mais olhos do que barriga, os que — usando o barbarismo de Passos Coelho — correm ávidos para o «pote» e em vez de darem tiros para o ar em sinal de alegria, como se usa no Próximo Oriente, disparam para o chão e acertam nos próprios pés.

Amigo Paulo Borges, conte com o meu voto, eu vou votar no seu Partido dos Amigos dos Animais.

Abdul Cadre
(in, Jornal do Barreiro, 21/5/2011)

sexta-feira, 27 de maio de 2011

As fúrias da terra

a evolução da folha dobrada no canto

na máquina de registo do livro cozido

aí o desenho de uma estrela no caleidoscópio

da escrita – uma casa

do outro lado da rua a estrada, bate, o alcatrão

branca, falou-se de neve contudo continuas

clara – não saías da bainha da saia

sempre a subir – caem casas na crusta oceânica

dos teus seios – asteosfera e litosfera do

corpo em fúria – é a terra, treme, é o teu corpo

amor no lençol dobrado

no canto da cama o tambor

hora a hora

José Gil
http://joseamilcarcapinhagil.blogspot.com

http://dialogosdogil.blogspot.com/
http://dialogosdogil.blog-city.com/

quinta-feira, 26 de maio de 2011

d´Arte - Conversas na Galeria XXXIX


Sagração da Primavera - Autor António Tapadinhas
Acrílico sobre tela 60x100 cm

A génese e execução desta obra, foi o oposto do que aconteceu com muitas outras. O que essas tiveram de instintivo, teve esta de intelectual. Fiz uma série de esboços, experimentei toda a minha paleta, fiz transparências, empastes... Nada me satisfazia. Parecia estar num beco sem saída. A dada altura, quase a desistir, porque não encontrava "a" solução, inconscientemente ia garatujando no papel figuras estilizadas de bailarinos. Quando olhei para a folha e vi o que tinha desenhado, fez-se a luz... A partir daí foi fácil.

Stravinsky disse sobre a sua obra: "Sonhei com um grande ritual pagão! Tive uma soberba visão repleta dos mais inutisados efeitos sonoros"...
Acho que na apreciação da minha tela eu só substituiria "sonoros" por "visuais".

quarta-feira, 25 de maio de 2011

"Sólsticio" com acento no o

Dentro imune dividido
Passando o tempo a dar corda
Ao relógio que trago no bolso.
Carrego comigo o desejo de ser
O que de mim há-de ser perfeito,
E tudo tende a ser ignorado quando
Me assumo verdadeiramente no mundo.

Doravante caminhando,
A inata razão circula a meu lado de braço dado
Segreda-me ao ouvido quando dou por mim
Na inconsciência plena sob o comando dos astros.

A minha coerência principia onde acaba uma ilusão,
Voo de aterragem forçada, e em meu peito só resta
A desilusão que acorda o que de mim está adormecendo.

Por isso bebendo esta caneca de leite
Como quem se distrai da insónia,
Festejando o dia que acabou e os dias que hão-de vir,
Transformo o que sinto numa verdade asquerosa
A que me limpo todos os dias antes de sair de casa
E assim o relógio de bolso pára, contando em silêncio
As horas que dá comigo na fronteira que separa
O espaço e o tempo de que sou feito.

Não sou alguém alheio do mundo
Habito nele como se dele houvesse um fantasma
Que de certo modo cria em mim outras vidas paralelas

Há um lado sim, uma parte dividida
O coração que me sustenta o cadáver
Separou com uma arma o fígado que dava sombra á bílis,
O infindável lado continuou obscuro
E o cigarro que trago nos dedos
Queimou o resto do que havia na mortalha

Chegou a hora da verdade
E a paz de continuar vivo
Nasce pelo útero da madrugada.

Diogo Correia

terça-feira, 24 de maio de 2011

FACES

AI SE O GOBINEAU CÁ VOLTASSE

O “Faces” –o título deve ser lido em inglês- é o meu livrinho de viagens. Não tem quaisquer pretensões de grandeza nem de originalidade e, no contexto da minha obra, não transcende o domínio de um pequeno exercício.
Na verdade, trata-se de uma pequenina compilação de historiazinhas que, na sua maioria, se reduzem a simples pinceladas. Desde logo isso acontece devido ao facto de eu ter viajado pouco. Necessariamente, daí decorre a escassez do material. Mas também a parca profundidade com que me capacito para olhar o outro, de coordenadas dispersas, também isso concorre para que as minhas toscas produções sejam pobres de número e impossibilitadas de, quanto à forma, poderem aspirar sequer às dimensões de uma novela breve. Dir-se-á que eu poderia ter esperado o avolumar da experiência e do conhecimento, desse modo me habilitando a um trabalho melhor e mais sábio. Era uma opção válida. Sem embargo, acontece que eu nunca almejei algo além de um treino. Se o seu resultado merece ou não a dignidade de uma publicação, logo o querido leitor o saberá dizer.
Ora foi precisamente uma tal escolha que me libertou da preocupação quanto a questões de originalidade. Os livros de viagens pertencem a um quadrante antigo e que muitos escritores cultivaram, tendo os maiores, entre eles, conseguido elevá-lo à categoria de género literário. Aí se aceita que o autor se isente da ficção e faça, da sua escrita, uma reunião de observações e derivações de carácter mais pessoal e até intimista. Quando me decidi pela lapidação desta peçazinha, comecei, inclusivamente, por palmilhar tais passos. Mas rapidamente me pareceu estar limitado a um diário de viagem o que eu, naquela altura, não estava interessado em fazer. Surgiu-me então a ideia de colorir rostos, por via dos quais me fosse dado transmitir os mundos que o meu entendimento construísse a respeito das realidades que viesse a ver e experienciar. Estava ciente que outras penas escreveram pérolas maiores, em face das quais, para este trabalhinho, jamais teria a leviandade de pretender a mais leve comparação. Mestre Maugham, por exemplo, é referência inigualável (*). No entanto, dada a contingência de estar bracejando em águas mais leves, sentia-me autorizado a sulcar outras rotas mais experimentais e, nesse âmbito, não considerando o inédito, a esboçar os contornos de vivências de outras paragens e civilizações. E, de acordo com os meus interesses particulares de escrevinhador, via preferível a singela procura da invenção de personagens de culturas distintas da minha. Com isso me exercitaria num determinado género literário, concomitantemente, esculpindo assim carnes em que ainda me não aventurara.
Tomei a decisão em causa no ano de mil novecentos noventa e um. Tinha trinta e dois anos de idade e menos de um terço das coisinhas que, de então para cá, vim a elaborar. Ainda que o meu projecto Sebastião Sorumenho começasse a ganhar vulto, o meu traquejo criativo permanecia nos primeiros e titubeantes passinhos. Consciente dessa realidade, só por insensatez teria deixado de percorrer os trilhos destas pequenas brincadeiras que, nestas palavras, me preparo para dar por findas. Afinal, já cheguei às vésperas de me despedir de Sebastião Sorumenho e à ficção que venho lavrando em nome próprio, posso muito bem juntar agora este que será o meu livrinho de viagens. O meu maior desejo é que estes rabiscos tenham o condão de proporcionar alguns instantes prazenteiros a quem sobre eles se debruçar. Se aí descortinar algum sumo que lhe faça sentir a humanidade mais perto, será, para este vosso servidor, o encanto e a certeza de não escrito em vão.




O que eu sempre apreciei nas viagens são as janelas e as portas que se abrem para a vadiagem, a despreocupação de poder deambular sem outras obrigações e compromissos que não os estritamente procurados, apenas nos submetendo ao objectivo de ver e viver com todos os sentidos despertos e atentos, prontos a propiciarem a compreensão do que nos envolve. Nunca percebi o gozo do turista acidental que vê os sítios que visita pelas fotografias que aí tira ou os filmes que faz. Talvez por isso eu tenha procurado realizar as minhas andarilhices como uma experiência total do corpo, tanto me importando com aquilo que está para lá dele, como com as manifestações das suas reacções aos diversos ambientes enfrentados. Se curo de conhecer as ilustrações bio-climáticas ou geo-morfológicas, ou se atento na humanização das paisagens, também me preocupo em observar a biologia que me é própria e como se adapta a coordenadas climaticamente díspares, tanto quanto ausculto os tecidos sociais e os tipos humanos que se me deparam e até meras ocorrências no quotidiano de vadio. Viajo para compreender os homens e, por tal a fim, ambiciono fazê-lo com os olhos e o cérebro bem acordados, mas também com o coração disponível pois dificilmente se entende quando, pelo menos, alguma empatia nos não envolve com o universo onde visamos descodificar o que quer que seja.
É claro que, uma vez mais, eu nada tenho de original. Muitas serão as pessoas que não andarão longe de pensarem e agirem como eu.
Provavelmente, eis a razão da vulgaridade em presenciarmos alguém narrando certos episódios que terá vivido, enquanto viajante, regra geral, motes bem vindos para jantares e serões de convívio, ou mesmo naqueles entrementes de gare ou trem em que é preciso conversar para ludibriar as horas. O mesmo acontecendo, certamente, com os escritores que, nos seus apontamentos de jornada, destacam as suas envolvências pessoais.
Bem, com toda a sinceridade, nada me impediria de traçar esse rumo. Os acasos da vida reservam-nos surpresas que, amiúde, se nos gravam na memória, quer, tão só, pelo engraçado de uma situação, como pela relevância que, eventualmente, possam repercutir no mais fundo do nosso próprio ser. Pois no decurso de uma viagem, pela nossa mais intensa sede de bebermos o ar que nos rodeia, são mais fartas as probabilidades para que tais encontros nos envolvam ou, se quisermos, para que tenhamos a sensibilidade de nos deixarmos tocar e, assim, em eles atentarmos. Alguns chegam ao ponto de raiarem as nossas classificações do mistério, como o que o Luís Carlos dos Santos, grande amigo meu, interpretou na carreira aérea entre Lisboa e o Rio de Janeiro, ao deparar-se-lhe a feliz coincidência de se sentar ao lado de um velho professor que era amigo chegado da pessoa a quem ele se deveria dirigir, em São Salvador da Bahia, e, além disso, íntimo e grande admirador da obra do pensador para quem o Luís tinha a delicadeza de funcionar como correio. Semelhante a esta, tenho conhecimento de outras casualidades de vagabundo e também eu, e em vários planos, tenho o meu modesto capital de comparticipação na empresa. Sem ter querido fazer dessas historietas e pequenos eventos o conteúdo deste meu livrinho, não resisti a terminá-lo, como o iniciei, com uma série de notas pessoais e, desta vez, relatando aquele que foi o mais agradável e inesperado contacto com que a minha existência me brindou. Teve lugar em Londres, no Natural History Museum, onde tive oportunidade de cambiar ideias com um importante cientista a quem conhecia e muito admirava pelos trabalhos no patamar da biologia do Homem.
A minha actividade antropológica é pública e é conhecido o meu interesse pelas questões do racismo, domínio em que tenho feito investigação e em que espoletei perspectivas singulares e, se não é imodéstia sustentá-lo, as quais posso até designar como inovadoras. Tudo começou por motivações meramente particulares que a encomenda de uma organização não governamental de cariz cristão fez prolongar e aprofundar até ao nível em que fiquei no livro a que dei o título, “Tira O Dedo Do Nariz”. Desde o primeiro momento, nas minhas conclusões, surpreendeu-me que a ultrapassagem daqueles preconceitos implique, afinal, medidas em âmbitos tão visíveis como o ensino do conhecimento científico ou as mais prosaicas regras de boa educação e relacionamentos diários. Nas minhas andanças da divulgação de teses anti-racistas que era outro dos desideratos que a citada solicitação laboral implicava, recordo até uma palestra que proferi na Faculdade de Psicologia, da Universidade do Porto, em cujo período reservado ao debate tive o prazer de escutar a uma veneranda anciã que, segundo disse, sem nunca ter necessitado de toda aquela elaboração teórica, sempre tinha assumido e praticado um comportamento contrário à segregação e, mais que isso, propício à mistura entre grupos raciais, para o que lhe bastou viver de acordo com os ensinamentos de Jesus Cristo. Ora o que me deixou desconcertado, foi, precisamente, a consciencialização de tão estreita via para evitarmos o racismo.
Olhando alguns mapas referentes à dispersão do Homo Erectus e do Sapiens Sapiens e meditando na naturalidade com que as distâncias geo-culturais haviam deixado fermentar os sentimentos de ordem etnocêntrica, uma vez mais sentia a mente embutida por aquela perplexidade. Repito, estava no Natural History Museum e, mergulhado num qualquer ponto indefinido das ditas cartas, soltava-me em razões que se prendem com as conexões entre as referidas atitudes preconceituosas. Eu estava completamente absorvido numa daquelas ocasiões em que a Lua está mesmo aqui sob os nossos pés.




Como se estivesse perante a voz da minha consciência, foi então que ouvi mais ou menos isto:
“-Não acha extraordinário como a nossa evolução, se, por um lado propiciou um fenómeno como o racismo, por outro lado nos deixa antever como a sua derrota definitiva assenta em algo tão simples e simultaneamente tão complicado como a mistura de raças que, na prática, acaba por se limitar a ser nada mais que o acasalamento entre indivíduos de etnias diferentes? O senhor não acha isso extraordinário?”
Não sei dizer mas tenho a certeza que olhei para trás, mais para me certificar de que estava ali alguém e que, dessa forma, aquela pergunta não era fruto da minha imaginação, do que, propriamente dito, para ver quem era. Lembro-me que respondi qualquer coisa de circunstância sem que de imediato tenha identificado o meu interlocutor. Ele é que insistiu e desenvolveu as suas ideias e foi a óbvia atenção que lhe dediquei que acabou por me trazer o reconhecimento da ilustre figura que aqui deixarei no anonimato. E não é que, inadvertidamente, eu estava ali cavaqueando com uma das minhas referências –se fosse adolescente, diria um dos meus ídolos- nada mais nada menos que a respeito da temática que nos unia? No momento entreguei-me ao diálogo e guardo, com especial carinho, as duas ou três horas em que usufruí de tão elevada e agradável sapiência. Só quando nos despedimos eu reparei na raridade daquele acaso e considerei que, pelo menos por uma vez na vida, também eu fora contemplado pela taluda.
“-Pois é, afinal o racismo são patetices que podem ser explicadas por via da análise científica. Ora esse mútuo conhecimento será tanto mais profícuo quanto as diferentes raças estiverem próximas.” –Terei eu respondido, sem realizar, por completo, o alcance das palavras do meu interlocutor.
Delicadamente, ele corrigiu-me e avançou com as propostas dos casamentos inter-étnicos.
Logicamente eu concordei e recordo que até acrescentei algumas críticas ao relativismo cultural, as quais me pareceram poder reforçar aquilo em que ambos estávamos anuindo. No entanto, ele persistia em defender que, na realidade, não era necessária tanta elaboração teórica, no que me terá feito recordar alguém.
Como escrevi, a nossa troca de impressões prolongou-se por um bom par de horas. Mas naquele preciso momento ele acrescentou mais ou menos isto:
“-Veja bem, na vida real as pessoas não estão preocupadas com esse tipo de considerações que não deixam, por isso, de fazer todo o sentido em termos das explicações científicas. Aí, o que funciona são coisas que façam com que as pessoas não utilizem as diferenças raciais para identificarem os outros. Nesse sentido, nada melhor que o amor, o impulso que leva duas pessoas diferentes a unirem e a quererem partilhar as suas vidas. Se um branco casa com uma mulher preta e dela tem filhos, não se lhes referirá como a sua mulher preta e os seus filhos mestiços. Limitar-se-á a dizer, como se dirá entre um casal não misto, a minha mulher e os meus filhos. Quando essa mistura for a normalidade e não a excepção, então os dislates do racismo só serão entendidos enquanto isso mesmo, simples dislates; provavelmente até virão a ser coordenadas que os humanos acabarão por perder e que apenas serão conhecidas enquanto factos e curiosidades históricas.”
Tão arguta e incisiva simplicidade de raciocínio apenas me induziu uma interjeição de concordância.
Ele aproveitou para continuar:
“-Nesse sentido é mais importante aquilo que você pode muito facilmente encontrar aqui, em Londres, do que a larga maioria da retórica política e científica que por aí anda a respeito do racismo e do anti-racismo.”




Nesse ponto eu já sabia adivinhar ao que ele se estava referindo. O fenómeno é demasiado expressivo para que até o mais distraído dele não tome a devida nota. Contudo, novamente ele foi gentil:
“-Isso mesmo, vejo que o senhor também reparou. É o que precisamente se vê por aí, casais mistos. É por essa via que, um dia, o racismo deixará de fazer sentido. E até sou capaz de prever que o futuro da humanidade será assim. A mistura racial. Quase que se pode dizer que, a esse nível, viajar em Londres, nos dias que correm, assemelha-se a fazer uma viagem ao futuro.”

Paris, 5 de Agosto de 1999

segunda-feira, 23 de maio de 2011

A índole sertaneja

Naqueles tempos a braveza e dureza de corpo e de espírito eram qualidades indispensáveis ao êxito das empresas dos desbravadores. Muitos chegaram à crueldade. Isto é confirmado nas histórias do sertão.

Contam os livros que, na ultima e grande bandeira que liderou (1674 a 1681), Fernão Dias Paes Leme enfrentou muitas dificuldades, doenças, desistências e até uma tentativa de traição encabeçada pelo seu filho mameluco, José Paes Leme. Este achava que o pai devia regressar, pois há anos procurava as esmeraldas pelos sertões, sem nenhum resultado. Dizia que o pai devia estar louco para tanta insistência.

Uma noite, no acampamento, uma das índias da expedição, agregada à bandeira de Fernão, ouviu o plano de José Paes Leme e dos rebeldes para afastá-lo de vez da direção do grupo. Fiel ao velho bandeirante, delatou o filho dele. Não houve dúvidas, para manter o controle, como dono da vida e da morte de seus comandados, o sertanista julgou e condenou os traidores. Porém, para demonstração de força e frieza, perdoou todos menos o filho que fez enforcar para exemplo.

Para mais uma ilustração da índole rude dessa gente do sertão, vou contar um caso recente (há mais ou menos 50 anos) do antigo dono da fazenda que meu marido herdou, junto às terras de Goiás. Famoso pela sua valentia, bruto nas abordagens, o Coronel C.V, suspeitou que estava sendo traído pela mulher. Inventou uma viagem e foi-se embora. No dia seguinte reapareceu sorrateiramente na fazenda e flagrou a esposa com um dos agregados, em plenas demonstrações de amor, debaixo de uma jabuticabeira carregada de frutos. Truculento, rendeu os amantes, gritou para seus empregados que, temerosos, amarraram os dois. Para horror da assistência, com um facão, C.V. "capou" o pobre coitado que urrava de dor, todo ensangüentado. Não se conhece o destino do "capado", mas da mulher se sabe que continuou em casa, fazendo os trabalhos domésticos, após ser obrigada pelo marido a comer os testículos do amante na frente de todos. Naquele ano ninguém comeu as doces jabuticabas.

Maria Eduarda
Uberaba, 21/05/11

domingo, 22 de maio de 2011

“Agorapocalipse”


Agora fui
Agora estou
Agora fiquei

Agora ali
Agora aqui
Agora nunca

Agora era
Agora é
Agora sempre

Agora fala-se
Agora cala-se
Agora grita-se

Agora persiste-se
Agora insiste-se
Agora quiçá

Agora marca-se
Agora apaga-se
Agora manifesta-se

Agora há
Agora talvez
Agora acaba

Agora nasce-se
Agora vive-se
Agora definha-se

Agora parte-se
Agora chega-se
Agora jamais

Agora voa-se
Agora pousa-se
Agora pensa-se

Agora limitado
Agora enfim
Agora eternizado...

Escrito em Luanda, Angola, por Manuel Duarte d’Sousa, a 20 de Maio de 2011, em alusão ao “Eterno Agora”...em que vivemos, desde que vimos a luz do dia até ao dia em que voltamos a recolher e à consciência cósmica da central alma eterna...


sábado, 21 de maio de 2011

As palavras de silêncio


Cada palavra do teu silêncio, fere-me o corpo como ferro em brasa.
Elevam-se pelo espaço cornucópias do aroma da carne queimada,
Enquanto vagueia a alma pelo deserto das coisas incompreendidas.
Não vejo, não ouço, não toco….
a viagem feita de olhos vendados e mãos atadas,
não sabendo para onde vou,
não sabendo aonde estou…

Não posso saber. Apenas pressentir… pressentir-te…
sinto-te ondulando no espaço como nuvem invisível; como o nevoeiro suave que desce à terra.
E neste jogo de adivinhar o espaço e o tempo das coisas suspensas,
Chovo a água do desespero…
… que dá depois lugar à calma inflamada dos leitos encharcados.

Amo sem saber o que amo.
Amo como setas que vão e não voltam… que falham, por ventura, o alvo…
Amo com o amor de sempre na floresta densa da solidão dos amores contidos.

… enquanto isso… entrega-se o corpo fértil à erosão das emoções perdidas…
Amores marcados na pele a fogo,
A cada palavra do silêncio que me envias.

Cléo.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

INTERLIGAÇÃO DE UNIVERSOS (15)

……………………………………fala-me sobre a aspiração.

Se usares a mente, a tua aspiração é seres aquilo que já conheces, um estado ilusório, que te faz caminhar usando os teus sentidos, à procura dum estado material, numa via linear, que sacie as tuas necessidades aparentes. Esse é o sentido de aspiração da maior parte da humanidade. Ilusão após ilusão. Se atingido aquilo a que aspira, provoca imediatamente no seu portador um vazio que tem que voltar a ser preenchido. A mente jamais se sente satisfeita com quaisquer metas atingidas. E assim transcorrem vidas atrás de vidas.

Aquele que aspira, a ser o que ele já É noutro plano, entra numa espiral evolutiva sem retorno. A cada degrau que sobe, já não olha para trás, a leveza que vai sentindo permite-lhe um estado de ser de que já não quer abdicar. A entrega total de si ao novo é o passaporte nessa ascensão, da qual nada vislumbra, mas também nada questiona, encarna a Fé ativa. Conhece a Graça reverenciando-a. Vivencia o desapego de tudo aquilo que o prendeu, amigos, família, bens materiais. Entra então na conhecida loucura sã. Já não é ele que vive, é Vivido. Acordou do estado anestésico que o adormeceu nas malhas da matéria por milhares de anos. Já nada mais aspira. Já É.

António Alfacinha

Medication or Meditation?

"Behind the headlines: Medication or Meditation? According to the Centers for Disease Control more than four million American children are diagnosed with Attention Deficit Hyperactivity Disorder or, ADHD. Use of psychotropic meditations in this population is controversial. To the Contrary takes a look at how Transcendental Meditation, or T-M, can help some young people to cope with ADHD without medication."

http://www.davidlynchfoundation.org

Eduardo Espírito Santo

Note: Click here to see the movie.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

d´Arte - Conversas na Galeria XXXVIII

Olhão Autor António Tapadinhas
Óleo sobre Tela 100x100 cm

A cidade de Olhão, situada no coração do Algarve, tem um aspecto panorâmico único no País, na Europa e talvez no Mundo, devido à estrutura das suas casas com a forma de cubos sobrepostos, que se encaixam por entre ruas estreitas, fazendo lembrar uma Medina. Os terraços (soteias ou açoteias) substituem com vantagem os telhados tradicionais, pois podem ter diversas funções, das quais, uma das mais evidentes, será a sua utilização como um espaço privado para apanhar o fresco das noites de Verão. Não serve, contudo, para recolher as águas da chuva para cisternas, como se poderá julgar por comparação com Marrocos: o nome da cidade deriva de sítio do olhão, rico em poços de água doce. A riqueza da pesca permitiu aos seus habitantes, no final do século XVIII, transformar os casebres de madeira em casas cúbicas de pedra e cal branca, com as suas chaminés rendilhadas e as açoteias em vez de telhados.
Sobre a execução da tela.
Procurei tons de azul nas sombras para realçar a brancura das casas, com os mirantes, as torres e as chaminés tão características. Misturei areia à tinta de óleo para tornar natural a textura e os reflexos da luz. Criei a moldura com as mesmas tintas e textura da tela, para sugerir a continuidade do espaço da Cidade cubista antes de Picasso!

quarta-feira, 18 de maio de 2011

VIDA

Temos os olhos postos na Vida
Sempre tivemos os olhos postos na vida e no que a sucede
Entre, onde se está.

Por isso, tanto nos interessa a palavra de profetas, santos e sábios,
ou nos universos que se interligam,
do Paráclito.

Tudo é sagrado
Homens, animais, plantas, pedras
Tudo É diferente.

Não podemos deixar de querer para cada outro, aquilo que para nós rogamos
Aquele que mente é a si próprio que mente
Aquele que rouba, a si mesmo se rouba
(conselhos para políticos).

Somos desejosos de uma Vida cheia de graças e boas aventuranças.
Viva a Liberdade,
até de não ser livre.

Amém.

Luis Santos

"SETÚBAL, CIDADE VERDE" vence PRÉMIO DO PÚBLICO nas Curtas Sadinas!

Realização: Helena de Sousa Freitas
Argumento: Luís Humberto Teixeira
Música: Rui Serodio.
Imagens de arquivo: Viriato Soromenho-Marques (vídeo), Carlos Frescata (fotos)


Dia Internacional dos Museus




terça-feira, 17 de maio de 2011

FACES

FUTUROS


"Mas é outra vez gente de todos os continentes, gente de todas as culturas, gente de todas as cores que se vai juntar ali e fazer alguma coisa nova que é uma nova Europa (...)."


Agostinho da Silva,


ibidem


PARIS



De facto, Paris é uma cidade magnífica.
Eu sempre me ri daquelas manias da senhora Mackenzy de explicar quase todas as coisas pelos ditos e as lógicas de tempos antigos, aquelas ideias cheias de autoridade dos avós e dos avós dos avós, com as quais ela argumenta para nos criticar pensamentos e atitudes que manifestamente não compreende e a enchem de horror. Recordo até certa ocasião, à saída da missa de Domingo, em que um meu reparo mereceu viva reprovação por parte da minha mãe que, de imediato, me acusou de ser cruel e desrespeitoso para com a sua amiga. Provavelmente fui. Dizia ela que na vida é preciso ter sorte, ao que eu repliquei, com aquele ar de púbere a rebentar de acne e bainhas das calças descidas. “-Então, a senhora Mackenzy deve ter tido imenso azar na vida.” Como eu e o George e o Archibald nos esvaímos em gargalhadas, quando numa das nossas passeatas pelos caminhos das falésias, eu lhes contei o sucedido com todos os pormenores de uma caricatura da expressão do rosto da pobre alma, mal esta me ouviu acabar a frase. Bem mais engraçado é que hoje, neste caso particular, quase me vejo forçado a dar-lhe razão. Sim, na vida é preciso ter sorte.



A tia Jennie foi muito simpática em ter-me convidado a passar duas semanas com a família, aqui, em Paris. Ela e o tio são porteiros de um prédio que fica na vizinhança dos Inválidos e a prima Kellie, que trabalha em La Villete, em algo relacionado com projectos para crianças, vive perto, em Pasteur, num bonito e acolhedor estúdio que só perde por ter aquele mostrengo da torre de Montparnasse ao centro da vista. Todos me receberam com o carinho que se dá a um ente querido e também com as honrarias dignas de um príncipe, posso eu dizer, tais não foram os cuidados com que me arrumavam o leito e me preparavam as refeições e ainda a vontade com que se empenharam em me fazerem ver a cidade e os arredores e me preencherem o ócio gigante de tantos dias sem obrigações. A prima Kellie, essa, foi incansável e agora que eu decidi permanecer uns tempos por aqui, até já me apresentou a alguns amigos e amigas, a quem se encarregou de solicitar a atenção para qualquer trabalho que me permita melhorar a condição em que me encontro. O meu tio é conhecido e respeitado numas lojas e cafés do bairro e um dia perguntou-me se eu não estaria interessado em trabalhar na copa de um restaurante, onde estavam a precisar de alguém para fazer o Verão na lavagem dos panelões e demais utensílios que não dão jeito passar pelas máquinas. O salário não é lá grande coisa, mas é mais do que o senhor O’Brian me costuma pagar no meu trabalho sazonal no supermercado e como, por enquanto, posso usar o domicílio familiar, penso que não me será muito difícil conseguir algumas poupanças. Depois veremos o que acontece. Certo é que o chefe e o patrão andam satisfeitos comigo e o meu trabalho e ontem, precisamente, o primeiro disse-me que está a pensar experimentar-me no serviço das mesas; parece que é bom ter alguém que fale bem inglês e como o francês que eu aprendi na escola parece suficiente, tudo indica que, brevemente, iniciarei a minha mobilidade laboral e consequente melhoria social. É claro que eu dou graças a Deus por tudo isto, mas agora que estou repousado e bem disposto, não posso deixar de me lembrar da senhora Mackenzy e da sua sapiência e não resisto a um laivo de humor. Pois foi uma sorte eu ter vindo para Paris que não tenho dúvidas em classificar como a cidade fantástica que, de facto, é.
Naturalmente, na actual situação já não tenho tempo para andar por aí a ver os monumentos e o rebuliço do ambiente. Bem sei que disponho das manhãs, mas o cansaço é de tal ordem que elas mal dão para a leitura de jornais e revistas a fim de avolumar o meu domínio da língua. É que desde as três da tarde até praticamente à meia-noite, ainda estou para gozar completamente as horas de que disponho, segundo me disseram, por volta do jantar. E é bom de imaginar o que é estar a pé, dias a fio, constantemente submergido pelo duro exercício físico de esfregar alumínios e latões de forma a que brilhem e nem o mais exigente fiscal seja capaz de reprovar por falta de higiene. No entanto, parece-me que obtive resultados e, como disse, a compensação está à vista. Por isso não me aborreço por me ter limitado a palmilhar os passeios entre o apartamento dos meus tios e o estabelecimento onde trabalho. Na devida altura, terei oportunidade de ir ao cinema e conviver nos cafés e bares do Cartier Latin que foi onde o movimento nocturno mais me agradou mesmo sem que eu saiba explicar porquê. Afinal, se tudo correr como até aqui, o meu optimismo não está, de todo, fora de contexto. Seja como for, naqueles dias em que me limitei a ser turista, foi-me possível formular uma imagem do que é esta cidade tão vasta e majestática, como eu não saberei dizer se há outra igual, mas como tenho a certeza de nunca ter visto algo que se lhe compare. Devo confessar que uma pessoa como eu que nasci e sempre vivi numa pequena aldeia do nosso litoral mais pobre, dificilmente deixaria de ficar impressionado por um mundo que, visto da Torre Eiffel, tem a urbe na curvatura do horizonte como nós o vemos no mar. Contudo, não será abusivo concluir que esse impacto jamais ocorrerá para diminuir a grandiosidade da capital da França. Por muito exagerado que possa ser o olhar, a sua correcção deixaria sempre a nu uma realidade de proporções inusitadas. Ao seu lado, Dublin, inclusivamente, por muito simpática e bonita que possa ser e eu estou convencido que é, nada mais consegue que ser uma cidadezinha de província.



E que sou eu a mais que um mero provinciano? Para ser honesto, que posso eu saber com os meus conhecimentos da escola técnica e de secundanista universitário que não faça de mim pouco mais que um ignorante para avaliar um mundo que me atrevo a dizer estar além das minhas aptidões de compreensão? Nem mesmo consigo apreender o que o senhor Cunningan e o Padre O’Hara quiseram dizer quando se referiram a Paris como a cidade luz. “-Bem, meu rapaz, vais então visitar Paris, segundo o que eu ouvi dizer.” Entrou ele naquele seu jeito de levar os polegares às axilas e olhar os outros pelo alto do nariz. E foi quando ele rematou em acto contínuo: “-Pois vais então fazer uma visita à cidade luz.” O senhor padre que o acompanhava, também lá deu a sua opiniãozinha e repetiu o epíteto. Eu anui, mirando os sapatos, mas na verdade não alcancei o que ambos me pretendiam transmitir. Ora, como após me felicitarem, apenas acrescentaram as boas sortes e seguiram, eu fiquei sem qualquer outra solução que não os meus próprios pontos de interrogação. Assim, não sei se eles se estariam a referir a um centro de artes e ciências, ou pelo facto de ter sido este o palco da revolução francesa que tantas e profundas consequências teve para a Europa e o resto do mundo, sequer sei se pensaram em qualquer outro aspecto. Seja lá como for, eu que agora aqui permaneço e que já dei as minhas voltas por aí, salvaguardada que está a minha débil preparação cultural, aventuro-me a confessar que não só estou de acordo com a expressão do senhor Cunningan, como até sou capaz de lhe conferir uma interpretação pessoal que, é justo esclarecer, resulta mais das impressões que me ficaram dos passeios de autocarro do que de qualquer uso elaborado da razão. Evidentemente, o perímetro da cidade é demasiado grande para que esta possa ser um todo homogéneo, dessa forma caracterizável pelo seu centro. Com efeito, existem áreas preferencialmente residenciais onde predominam grandes arranha-céus feios e incaracterísticos, isto para não falar das áreas industriais ou dos nós ferroviários com linhas e passagens aéreas e fios e cabos e composições a perder de conta. Acontece é que a parte central da metrópole é a modos que o seu cartão de visita e é só nesse sentido que, a partir dele, podemos dizer que aquela se caracteriza. Pois bem, partindo do princípio –que a meu ver parece e é lógico- que o centro se materializa nas zonas circundantes à Ille da lá Citté, não é que, enquanto descia os Campos Elísios para o Arco do Triunfo, no primeiro andar descapotável de um autocarro turístico, me vieram à memória as felicitações do senhor Cunningan e do Padre O’Hara e, inconscientemente, dei comigo a concordar com eles em como Paris é, de facto, aquilo a que eles chamaram a cidade luz?
Coisa engraçada, eu ali, esbugalhado de tudo e, repentinamente, cheio de ideias elevadas, a dar concordância e conteúdo a uma frase que, ao ouvi-la, não entendera. Mas, então, surgiu-me tão claro e evidente que Paris é a cidade luz que, intuitivamente, o atribuí ao traçado grandioso das vias e avenidas que rasgam e estruturam o tal centro em redor de uma leve curvatura do Sena. Aqui, o clima é mais frio e seco que o nosso e, talvez por essa razão, quer-me parecer, mais solarengo. Apesar disso, deve estar muito longe daquilo que aprendemos ser a luminosidade dos climas tropicais. A luz que percepcionamos é nos transmitida pelo facto de as avenidas, em geral, serem muito largas e arborizadas e, especialmente, pela articulação de vários pólos de interesse se fazer através de grandes espaços, quer sejam do género do jardim frontal às pirâmides de vidro da entrada para o Museu do Louvre, quer sejam do tipo de praças monumentais, como a Concórdia, de onde sai, a condizer, a imponência esmagadora dos Campos Elísios. A meu ver são essas avenidas amplas, como a que sai dos Inválidos, que dão razão e forma às palavras do senhor Cunningan. E a isso se junta a beleza dos edifícios, tanto os palácios como os prédios de habitação, o bonito que é de ver as fachadas alinhadas e enquadradas entre si, com as arquitecturas de outros tempos bem preservadas e, em isso, deixando transparecer um tal cuidado que até eu que sou ignorante dessas coisas, fiquei impressionado pela maneira inteligente como certas construções recentes estão de acordo com as ambiências de épocas passadas. É ver como a Torre Eiffel está magistralmente centrada de um lado com a frontaria da escola militar e do outro com o Trocadero, a ponto de este poder ficar sobre os arcos da primeira plataforma, para quem quer que tire uma fotografia a meio do relvado que se estende entre o ex-líbris da exposição de mil e novecentos e as instalações da academia castrense. Até parece que para trabalhar ali, apenas se contrata a fina flor dos arquitectos franceses. Aliás, o que deve ter acontecido desde sempre, pois a cidade foi edificada ao longo dos séculos e ainda hoje coexistem monumentos e não só de períodos muito diferenciados. E o que aqui conseguiram foram graciosas combinações entre uma catedral dos séculos onze ou doze, se não estou em erro, como é o caso da Notre Dame, e um palácio do barroco do século dezassete, de que é exemplo a sede da Mairie de Paris. E é por tudo isso que nós olhamos à nossa volta e o que vemos encanta, cativa-nos, o que melhor fica registado nas caixinhas das recordações se banhado pelo Sol. Assim nasce a memória na definição tão breve quanto apropriada dos meus caros conterrâneos. Eu não sei se tanto o senhor Cunningan como o Padre O’Hara aqui estiveram alguma vez, de visita ou por qualquer outro motivo, mas sou testemunha em como acertaram numa boa fórmula para a bem descrever.



Essa trata-se da Paris magnífica que, vista do Sena, com as suas pontes e cumes dourados, mais se assemelha a um postal. Ah e como ela é magnífica para quem seja rico ou, pelo menos, tenha o suficiente para se dar ao luxo de gastar sem olhar à subsistência diária. O que não terá uma pessoa para ver e fazer se para isso dispuser de tempo e dinheiro? Basta ter presente que os museus, para termos uma ilustração, conquanto os hajam pequenos e inversamente interessantes, de que me ocorre agora o Rodin, são aqui elevados a escalas gigantescas. Ver com olhos de ver, o Louvre requisitará, seguramente, mais do que um ano de visitas. E depois há outras unidades que não fazem por menos de alguns meses, como o Qay D’Orsay ou, em outras temáticas, a Cidade da Ciência e da Indústria onde eu me deliciei com o interior de um submarino nuclear na reforma. E as mundanidades, sejam de que quadrante e natureza forem, são tantas que não são passíveis de enumeração numa circunstância como esta. Haja tempo e dinheiro, escrevi eu, e aqui poderemos viver uma vida sem nunca nos aborrecermos com falta de algo para fazer. Esta verificação é tão óbvia que, por vezes, nos compassos de espera das bichas para ter acesso às vistas da Torre Eiffel ou a qualquer evento cultural, dei comigo a cogitar como tudo aquilo era um mundo de fantasia, um cenário inconcebível no âmbito de um cidadão comum, uma enorme cidade erguida tão só para o turista ver, um universo de brincadeira em tamanho real que as pessoas visitam para se divertirem e aprenderem em tempo de férias. Pois é essa a Paris magnífica, aquela que, no dizer do senhor Cunningan e do Padre O’Hara, é considerada a cidade luz.
Sejamos atentos e honestos e verificaremos que, para lá do palco, nem tudo se inclui na categoria dos contos de fadas. Se desviarmos a cortina, haveremos de ver a pele de muitas mãos cheias de frio e tresandando a fome que até agonia.
Pois há uma coisa que o senhor Cunningan não disse embora deva saber. É que a senhora MacKenzy, afinal, também tem razão quando diz que não há mundos perfeitos, vulgarmente acrescentando de sua sabedoria que nem no paraíso, cheio que está do bicho humano, nem aí encontraremos uma única sociedade onde não existam coisas erradas e perniciosas. “-Estando lá o homem.” –Sustenta ela com toda a seriedade que a alvura dos seus cabelos lhe consente. “-Jamais pode deixar de haver um caminho mal escolhido.” E nem mesmo as objecções do Padre O’Hara ou de minha mãe, de que o paraíso são as almas isentas de pecado, nem isso a convence da improvável radicalidade da sua teoria. De qualquer modo, abandonando o etéreo e limitando-nos à nossa passagem pela superfície terrestre, não hesito quanto ao acerto do ponto de vista da senhora. Como tal, também a Paris magnífica tem o seu lado deplorável e desesperante, até desolador e eu quase diria diabólico. A prima Kellie citou um escritor, se não me engano irlandês, talvez o Joyce que era sempre tão sapiente em tantos assuntos, adiante, a prima Kellie diz que há um escritor que comparou Paris a uma mulher da vida, se assim posso falar, que é deslumbrante vista de longe e horrível quando auscultada de perto. E é verdade, ainda que eu prefira substituir o adjectivo por outro de melhor tom. Pela minha parte direi que Paris é uma cidade madrasta. Vê-se muita miséria; não é, de todo, invulgar encontrarmos pedintes, no centro, ou cruzarmo-nos com pobres diabos que vivem na rua. Nota-se com facilidade que, naquele tão bonito quadro de caixa de chocolates, se atropelam muitos e muitos excluídos; neste que é o lado certo do mundo, eu acho que só pode ser considerada uma vergonha e excessivo o número de marginalizados que por ali pululam. Ele há tanto alucinado por esses passeios e pelos subterrâneos do metropolitano. São os cilindrados por este sistema de vida em que tudo depende quase exclusivamente das nossas habilidades para gerarmos e nos apropriarmos de dinheiro. E além disso temos a sensação que existem muitas pessoas desocupadas. Eu não conheço as estatísticas, sequer sei se podem algumas comprovar as minhas impressões. Mas na moldura humana ressalta o facto de estarmos numa cidade de pretos e asiáticos. São tantos que é praticamente impossível não nos depararmos constantemente com alguns. No metro, então, é uma coisa assombrosa; tenho alguma vergonha em admiti-lo, mas quase chega a meter medo. Mais do que uma vez aconteceu ser eu o único branco no interior de uma composição. No Verão, há um verdadeiro exército de orientais e pretos do Norte de África com as funções de aguadeiros nas imediações da Torre Eiffel ou de outros focos de atracção turística. Esses, pelo menos, não pedem esmola. Mas é entre essas gentes que se nota muita desocupação e eu não sei se o problema –pois é de um problema muito grave que se trata- pode alguma vez vir a ser resolvido. Tenho para mim que é aí que todas as desgraças começam.



Curiosamente, desde que trabalho no restaurante, tenho feito amizade com um rapaz brasileiro, também ele preto se bem que mais claro, que ali cumpre os mesmos recados que eu. É de São Paulo e diz que veio para a Europa em busca de ganha pão e para fugir à insegurança das ruas da sua cidade. Coutou-me que tem uma mão cheia de irmãos e que os pais são vendedores ambulantes dos mais diversificados artigos e artimanhas. Parece-me ser de bom carácter e também é católico. Costumamos conversar sobre futebol e música, ambos gostamos dos U2, embora, por vezes, façamos um ou outro comentário a respeito de outras temáticas mais sérias. Foi ele que me disse que se toda aquela miséria continuar a aumentar com toda a desintegração social que tem arrastado, se isso acontecer lá chegará um dia em que nos confrontaremos com os mesmos dramas da sua metrópole que ilustrou com um poema de uma banda local, segundo o qual os ratos vão entrar nos sapatos do cidadão civilizado.
Eu faço votos para que ele se engane ou antes, desejo que a evolução da nossa realidade não lhe venha a comprovar a profecia.
Apesar de tudo, este mundo é tão bonito.

Paris, 4 de Agosto de 1999

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Pôr do Sol


Pôr do Sol, pintura digital
Maria Luís dos Santos
(para ampliar clique na imagem)

domingo, 15 de maio de 2011

10 Razões pelas quais não faz qualquer sentido surgir o PAN e deve apagar já esta mensagem

1 - A política e os políticos portugueses são exemplares e não faz qualquer sentido surgir algo completamente novo e diferente.

2 - Portugal é um país-modelo e um paraíso no tratamento dos seres humanos, dos animais e da natureza e não faz qualquer sentido surgir um partido de Causas, que une a causa animal, humanitária e ecológica e quer fazer aprovar leis que protejam o direito de homens e animais ao bem-estar e à felicidade.

3 - Portugal tem partidos éticos, que colocam o bem comum acima dos interesses partidários, não promovem carreiras e clientelas e não obedecem a lobbies económicos. Por isso não faz qualquer sentido surgir um partido de Valores, um Partido Inteiro, pelo bem de tudo e de todos.

4 - Portugal tem uma política económica em que a produção da riqueza está ao serviço da satisfação das necessidades fundamentais da população e por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que defende uma economia de mercado subordinada ao bem social e ecológico.

5 - Portugal é um exemplo europeu e mundial de justiça social e fiscal e de moralidade nos salários da administração pública e por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que defende a redução das assimetrias sociais, tectos nos salários e reformas dos gestores públicos e contributos fiscais proporcionais aos rendimentos, que não penalizem sistematicamente os médios e baixos rendimentos decorrentes do trabalho.

6 - Portugal é um país autosustentável, que não depende de importações em áreas vitais, e por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que defende a agricultura e as energias renováveis como sectores estratégicos.

7 - Portugal tem tido sucessivos governos que têm investido demasiado na cultura e na educação, bem como na qualidade e dignidade do ensino, e por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que considera que isso deve ser um investimento central do Orçamento de Estado e que os professores devem ser social e profissionalmente redignificados como fundamentais para a formação de pessoas solidárias com o outro, seja o homem, o animal ou a natureza.

8 - Portugal tem um excelente Serviço Nacional de Saúde, de qualidade, rápido e acessível a todos, e por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que afirma que esta é uma das grandes promessas por cumprir desde o 25 de Abril de 1974, que deve incluir a medicina dentária e as medicinas alternativas devidamente regulamentadas.

9 - Os portugueses têm excelentes hábitos alimentares e não sofrem de doenças causadas por uma nutrição desequilibrada. Por isso não faz qualquer sentido aparecer um partido que defende uma redução pedagógica do consumo de carne, sobretudo industrial, bem como a promoção de alternativas vegetarianas, em prol da saúde humana, do bem-estar animal e do equilíbrio ecológico.

10 - Portugal tem uma democracia e cidadania activa e consciente, os cidadãos participam maioritária e entusiasticamente na vida política, confiam no Estado e nos seus representantes eleitos, que sacrificam os seus interesses pessoais e partidários para se consagrarem inteiramente ao bem comum. Por isso não faz qualquer sentido surgir um partido que defende que os deputados não possam acumular funções e que assume ser a voz dos abstencionistas, dos que votam em branco e nulo e de todos os descrentes na política, mobilizando-os para um exercício mais pleno da cidadania e para a renovação da democracia.

Por estas e por muitas outras razões o surgimento do PAN - Partido pelos Animais e pela Natureza - é um absurdo. Se não apagou já esta mensagem é o momento de o fazer. Sobretudo não a divulgue, para que este perigo não se propague mais. É que pode tornar-se contagiante e originar uma PANdemia. Portugal ainda se arrisca a ser um país a sério.

www.partidoanimaisnatureza.com

Enviado do meu iPhone
Paulo Borges
--

«Something in me was born before the stars / And saw the sun begin from far away.»
- Fernando Pessoa, 35 Sonnets, XXIV.

arevistaentre.blogspot.com
www.pauloborges.net

quinta-feira, 12 de maio de 2011

d´Arte - Conversas na Galeria XXXVII


Azul, Azul Autor António Tapadinhas
Óleo sobre Tela 100x100cm

Um meu amigo tem feito algumas referências aos meus azuis, considerando alguns que o tocam especialmente, de “Azul Tapadinhas”.
Há pintores que são conhecidos por saberem realçar determinadas cores nas suas pinturas. Lembremos Van Gogh e os seus vibrantes amarelos, Cézanne e os seus espantosos verdes e, porque vem a propósito, a história de um azul especial.
Yves Klein, nascido em Nice, França, realizou mais de cinco dezenas de quadros monocromáticos em azul. Gostou tanto de uma das tonalidades, que a registou em 19 de Maio de 1960, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, com a designação IKB (International Klein Blue).
Espero que esta obra se imponha pelo seu azul. Não tem outras cores que o tornem mais suave ou mais profundo, mais alegre ou mais triste…
Acho que as cores são como as pessoas. Dependem muito do que as rodeia. Todos nós nascemos iguais, mas alguns são mais iguais do que outros... As diferenças começam antes do nascimento, e prolongam-se durante toda a nossa vida. Nós e as cores somos sensíveis ao ambiente que nos cerca.
Esta atmosfera é a essência mágica com que se cria o génio ou uma obra-prima.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Setúbal, Cidade Verde

Olá a todos!

Depois dos jornais e dos livros, decidimo-nos por uma nova aventura: uma curta-metragem documental. O argumento é meu, a realização é da Lena, a música é do maestro Rui Serodio.

Chama-se "Setúbal, Cidade Verde" e estreia no próximo domingo (dia 15), pelas 16:00, no Auditório Municipal Charlot, em Setúbal.
É apresentada no âmbito das Curtas Sadinas, tendo sido uma das 29 películas seleccionadas entre 91 candidatas. :-)


Para vos aguçar o apetite, aqui fica a sinopse:
"Unidos na protecção da natureza, dois alunos do Liceu de Setúbal estavam, em 1976, longe de imaginar o papel que teriam na política ambiental da região, bem como de supor que uma associação por si fundada daria um contributo inestimável para a maior organização ecologista de Portugal."

O nosso trabalho é amador, mas os entrevistados - que muitos reconhecerão - são profissionais. ;-)
Por isso, venham ouvi-los numa história nunca antes contada!

Contamos com a vossa presença.
Um abraço,
Luís e Lena

Faculdade de Letras de Lisboa: Conferência

terça-feira, 10 de maio de 2011

ATO DE HOMENAGEM A ERNESTO GUERRA DA CAL :: DIA DAS LETRAS GALEGAS

O vindouro dia 17 de maio, Dia das Letras Galegas, às 11:30 em Compostela, diante do monumento a Ricardo Carvalho Calero, terá lugar um comemorativo e de homenagem no centenário do nascimento do professor, investigador e poeta galego Ernesto Guerra da Cal (1911-1994).

Guerra da Cal foi sem dúvida o poeta galego que mais eco teve dentro e fora da Galiza, como testemunha a abundandíssima bibliografia transnacional e transcontinental a que deu origem a sua obra. Foi também o professor galego de mais prestígio internacional, autor da por muitos conceitos monumental Língua e Estilo de Eça de Queiroz, e duma viçosa obra devotada à nossa cultura, para a que viveu e pela que padeceu até morrer no exílio, consequente com as suas ideias e firmes ideais, sem por isso se importar ser sempre proscrito na sua pátria, e até maldito pelos que nela detêm ainda o poder.

O ato incluirá a leitura de poemas de Guerra da Cal e de Lois Pereiro, grande poeta galego que também será lembrado. Encerrará-se a homenagem com a leitura dum manifesto dirigido à sociedade galega relativo à necessidade de apanharmos o caminho certo para enfrentarmos com êxito a nossa situação linguística e cultural.

Após a homenagem realizará-se um roteiro de língua e história pelas ruas de Compostela, guiado pelo professor André Pena Granha, de participação livre e duração aproximada de uma hora.


Organizam e apoiam:

Associação Pró-Academia Galega da Língua Portuguesa
Agrupaçom Cultural O Facho
Associação de Amizade Galiza-Portugal
Associaçom Civil de Amigos do Idioma Galego
Associação de Docentes de Português na Galiza
Asociación de Escritores en Lingua Galega
Associaçom Galega da Língua
Associaçom Galega de Mães e Pais AGARIMAR
Associação Internacional dos Colóquios da Lusofonia
Associação Vogal
A Mesa pola Normalización Lingüística
Centro Social A Gentalha do Pichel
Fundaçom Artábria
Fundación Galiza Sempre
Fundaçom Meendinho
Fundación Via Galego
Instituto Cultural Brasil-Galiza
Instituto Galego de Estudos Célticos
Instituto Galego de Estudos Internacionais e da Paz
Movimento de Defensa da Língua
Nova Escola Galega
Sociedade de Geografia de Lisboa
Universidade Aberta.

Ligação site comemorativo do centenário Guerra da Cal (1911-1994):
http://guerradacal.academiagalega.org/

Ligação do evento no Facebook
https://www.facebook.com/event.php?eid=148786558524976

FACES

CIDADE MARAVILHOSA



Nellie Larson é professora de farmacologia, na Universidade de Copenhaga e presentemente vive um idílio dos deuses.
Filha única, se muito cedo aprendera que deveria escolher uma vida e uma profissão, não muito mais tarde descobrira o desejo de permanecer na companhia de seus pais que tão seus amigos e confidentes sempre tinham sido. E tal jamais a impedira de viver pela sua livre e espontânea vontade.
Desde a morte do paizinho, Nellie ocupava os verões em passeios com a mãe.
Um dia decidiram visitar o Rio de Janeiro.
Entre os pontos de interesse, era fatal, anotou o Pão de Açúcar.
Aí conheceu Sebastian Harris, um jovem funcionário do Foreign Office em gozo de férias depois de quatro anos de serviço consecutivo na embaixada inglesa em Havana.
Mutuaram o brilho do olhar na fila de espera da segunda estação do bondinho.
Nellie sorriu, sem querer e Jonh Sebastian também.
“-Such a green shinning eyes…”
Na subida trocaram palavras. Apresentaram-se.
Falaram do que viam e comentaram a vida na cidade.
Decidiram almoçar juntos e à tarde, o inglês levou a mãe e a filha a contemplarem as alamedas do jardim botânico onde, sobre os marejos das multi variadas ramadas, puderam escutar os mais diversos cânticos de pássaros e outras aves ou, tão só, as rangidelas dos enormes tufos de bambu. Um colibri veio pousar diante deles.
Acompanhou-as ao jantar e depois de a senhora se deitar, ela e ele foram ouvir um show de Cássia Eller num pequeno clube de jazz.
Nos dias seguintes passearam pelo estado e, espontaneamente, ambos escolheram Parati para passarem um fim-de-semana em absoluto repouso.
“-Mama needs it.”
Com a Lua Cheia, ao fim da tarde a maré alta alagou as vias apedrejadas da povoação, fazendo a imagem da igreja espalhar-se ondulante sobre o canal.
Deram as mãos. Ali compreenderam que ficariam unidos para o resto dos seus dias.




Rio de Janeiro, 14 de Agosto de 1995

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O envelhecer feminino

O crepúsculo da vida é uma fase da existência humana de difícil aceitação para todos, especialmente para a mulher.

A finalização da função biológica feminina, que é a procriação, a perda gradativa da juventude, da beleza e da forma, leva a mulher a uma insegurança em relação a ela mesma e aos outros na época da menopausa.

Os sinais e sintomas, físicos e psíquicos, advindos das alterações hormonais, as doenças próprias do envelhecimento, o afastamento natural dos filhos, que partem para viverem as suas próprias vidas, fragilizam a mente e o corpo feminino. Nessa época é preciso que haja por parte do companheiro e da família uma boa dose de compreensão e muita ajuda.

Para a mulher, é hora de reaprender a viver com outros valores e objetivos. É hora de colher os investimentos feitos nela mesma e nos relacionamentos ao longo dos tempos. Aplicar no intelecto, tirar proveito dos ensinamentos e das experiências vividas, valorizar o convívio e o companheirismo, são atitudes perante a vida que fazem amenizar e superar as dificuldades existenciais na velhice. Aprender novas formas de exercer a sensibilidade e a sexualidade, compartilhar sentimentos, lembrar que é tempo de interiorização, procurar em si mesma os valores, a independência, e a felicidade que só a sabedoria da maturidade pode dar, é a forma mais bonita e inteligente de envelhecer, sem abdicar do direito de ainda poder sonhar e ser feliz.

Maria Eduarda Fagundes

sexta-feira, 6 de maio de 2011

CICLO DE ESTUDOS AGOSTINIANOS


A Escola Aberta Agostinho da Silva e a Associação Agostinho da Silva vão organizar um Curso subordinado ao pensamento de Agostinho da Silva. Durante cinco semanas que correspondem a outras tantas sessões, sempre á Quarta-feira e a começar no dia 11/05/2011, com Miguel Real, o Curso decorrerá até à segunda semana de Junho na "Casa Amarela", em Alhos Vedros.

As outras sessões do Curso serão leccionadas por Paulo Borges, Rui Lopo, António Ventura, Duarte Braga e Renato Epifânio, todos membros da direcção da dita Associação e a quem tem estado a cargo a recuperação e edição da obra de Agostinho da Silva, a partir do espólio legado.

O Professor Agostinho da Silva (1906-1994), figura ímpar da Cultura e da Língua Portuguesa, dividiu a sua vida entre Portugal e o Brasil, onde acabou por obter dupla nacionalidade. Amante da liberdade e contestatário da política fascista do Estado Novo, perseguido pela PIDE e expulso do Ensino quando, então, dava aulas no Liceu Nacional de Aveiro, acabou preso político no Aljube.

Sem encontrar outra saída para a sua vida senão o exílio, acabou por partir para o Brasil onde deixou uma obra imensa. Fundador de Algumas Universidades e Professor de outras como, por exemplo, em Brasília e São Salvador da Baía, nelas criou também, respectivamente, o Centro de Estudos Portugueses e o Centro de Estudos Afro-Brasileiros, este ainda em plena actividade.

Chegou a acessor para a política externa do Presidente do Brasil Jânio Quadros e leccionava na Universidade de Brasília quando um golpe militar conservador veio afrontar as mentes mais progressistas do país. Com o Brasil a andar para trás e com Portugal a andar para a frente, já que se anunciavalm os primeiros sinais de abertura política com a "primavera marcelista", em finais da década de 60, Agostinho decide regressar a Portugal. Afinal, o Estado esperava-o de forma reconhecida pelos imensos estudos que foi desenvolvendo pela educação e avanço do país.

No dia 9 de Maio de 1989 acabaria por vir a Alhos Vedros, a convite da Cooperativa de Animação Cultural de Alhos Vedros, participar nas comemorações do seu terceiro aniversário. Agora, passados vinte e dois anos, Agostinho da Silva regressa para a festa dos 25 anos. Como prenda nossa, fica a participação e o empenho no Curso que se anuncia. Aqui fica o Convite. Gostaríamos que participassem.

Pela Escola Aberta Agostinho da Silva
Luis Santos

OS DEMÓNIOS QUE INVARIAVELMENTE DESCONHECEMOS

Vendas Novas, 2 de Maio de 2011

PACHECO PEREIRA publicou, no último Sábado, no jornal do Eng.º Belmiro, uma crónica hiperbólica, tipo conto gótico, intitulada O DEMÓNIO QUE NÓS CONHECEMOS, referindo (e confiando na nossa inteligência) aquilo que ele entende ser o demónio da Transilvânia a quem o povo chama «o Socras» e o criador do «flop» Passos Coelho nomeia por Eng.º. Pinto de Sousa.

Tenho para mim que o intelectual deste país que os laranjas mais odeiam se passou de vez, seja por sequelas do seu ódio de estimação ao Primeiro-ministro demissionário, seja por ver fugir mais um sufrágio que o recompensaria do desaire de há dois anos. Já não bastava andar a todo o momento a chamar à sua assombração «o homem mais perigoso do País», acrescenta agora o grande medo de ser um Drácula e, mais do que isso, um demónio, se não mesmo o próprio Satanás em corpo de gente.

Bem avisado deve andar o General Eanes que, na sua última entrevista televisiva, criticava o fenómeno de moda de diabolizar o Primeiro-ministro, coisa que dá muito jeito a estagiário que sonha ser aplaudido na redacção.
A linhas tantas da sua crónica desabitual, Pacheco Pereira afiança que metade dos portugueses odeia José Sócrates e que a outra metade lhe tem um medo que se péla. Coisas do cinema a preto e branco e dos filmes de cowboys, já se vê, e que não deixa muito espaço para mais tarde explicar a previsível vitória eleitoral do engenheiro que é José, como Pacheco o é também. Mas quem tenha noções de Programação Neurolinguística pode traduzir-lhe assim o entendimento: eu sou odiado por metade dos laranjas e a outra metade, para não se assustar com a minha inteligência, usa-me para amedrontar o inimigo.

Há truques da psicologia prática que são muito úteis. Por exemplo: não se deve confiar na sinceridade de que afirma a tordo e a direito que é muito sincero; quem o é não dá por isso. Depois, diz a sabedoria popular que elogio em boca própria é vitupério, o que pode ser visto do avesso ou por diversos prismas, mormente para perceber que o que mais nos atormente é o que mais nos vem à boca, tal fora um refluxo gástrico.

O ódio não é bom conselheiro, cega toda a inteligência. Aliás, pela própria etimologia, ódio ou aversão é não querer ver. E bem se sabe que o pior cego é aquele que não quer ver.
Os demónios que nos atormentem nós os desconhecemos, porque se os conhecêssemos desvanecer-se-iam. No entanto, ter demónios pode até ser uma coisa boa, se lutarem entre si; mal é haver um que se agiganta e toma conta de nós. Ficamos possessos.

ABDUL CADRE

quinta-feira, 5 de maio de 2011

d´Arte - Conversas na Galeria XXXVI


Invenção do Alfabeto Autor António Tapadinhas
Acrílico sobre Tela 100x100cm

Na preparação para uma exposição, estive a rever algumas fotografias de obras abstractas antigas, de entre as quais retive esta, que me lembrou a intenção que tinha de fazer uma série com as diversas invenções que transformaram o homem naquilo que é hoje, para o bem e para o mal. Nesta “Invenção do Alfabeto” de 2001, transformei a tela num terreno, pintando-a com tons terra, ocres e amarelo de nápoles, para ser possível estudar neste “campo” as culturas e os modos de vida do passado, com os vestígios materiais que ia pintando. Cheguei até aos nossos dias, mostrando as estruturas de casas, arranha-céus incluídos, para deixar aos vindouros a possibilidade de compreenderem os valores culturais da nossa geração. Gostei tanto da já esquecida ideia que estou a considerar a hipótese de continuar a série.
O que acham?

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Arte e Arte

Estive ministrando uma disciplina acadêmica intitulada Arte e Educação no início desse ano. No projeto do curso havia objetivos a serem alcançados, entretanto sempre há objetivo (ou objetivos) que a gente estabelece paralelamente. Objetivos nem sempre técnicos ou mensuráveis por nota ou conceito. Mais se assemelhando a uma meta subjetiva que propriamente se parecendo com um objetivo.
Queria que os alunos entendessem algo essencial sobre a atividade artística que está muito perto do que eu penso a respeito. Queria derrubar o senso comum de que arte é algo bonito, emocional, alegre... Afinal, como afirma Alfredo Bosi, “belo é o que nos arranca do tédio e do cinza contemporâneo e nos reapresenta modos heróicos, sagrados ou ingênuos de viver e de pensar. Bela é a metáfora ardida, a palavra concreta, o ritmo forte. Belo é o que deixa entrever, pelo novo da aparência, o originário e o vital da essência”.
Queria também derrubar o mito de que arte é dom, talento, capacidade inata, inspiração e só. Queria que entendessem, mas não só entendessem, que tivessem algo perto de si para reforçar o quanto talento não basta. Para mostrar, por experiência própria, uma trajetória em desenvolvimento, com erros, muitos erros para se obter êxito. Alguém que complementasse e completasse... pois, eu não pretendia supervalorizar o saber acadêmico, escolar. Afinal, estudar, ensinar e aprender acontece em muitos lugares e a escola ou academia é apenas um desses lugares.
A disciplina era compactada: manhã e tarde e duraria de segunda à sexta. Logo no segundo dia solicitei que procurassem artistas da cidade para levarem para conversar conosco sobre suas atividades estéticas. Artistas variados: músicos, pintores, dançarinos, escritores, artesãos, cantores, etc. Enquanto isso a disciplina ia carregada de teoria. De cansar o quengo! Para quebrar a expectativa daqueles que esperavam passar uma semana de recreação, de brincadeira.
Nisso conheci muitos artistas, terei algo especial para dizer sobre cada um deles (talvez volte a falar sobre os mesmos em alguma crônica no futuro). Entretanto, a presença do senhor Chico Pintor, que no decorrer daquela semana estava pintando a escola. Ele que é pintor de paredes e pintor de quadros falou com firmeza e desenvoltura sobre seu ofício de pintor de paredes para garantir a sobrevivência e sobre seu “ofício” paralelo de pintor de quadros para seu deleite pessoal.
Ele que estudou pouco em escolas era senhor de seu território e mostrou caminhos que trilhou. Demonstrou conhecimento de técnicas e de nomenclaturas próprias da pintura. Falou de dificuldades técnicas, o que conseguia e o que não conseguia fazer. Dos exercícios, dos erros, muitos, dos acertos. Em suma: ele nos arrebatou. Resumiu tudo quanto eu fui tentando meter a custo na cabeça dos alunos nos quatro dias anteriores. Parecia até que já nos conhecíamos e que havíamos combinado o que dizer.
Encerrei a Arte e Educação com duas certezas: meus meninos e meninas certamente aprenderam não só o que eu desejava sobre arte, mas aprenderam também a dar o devido valor ao aprendizado não-scholar.

Belém, 04 de maio de 2011.
Abilio Pacheco*

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*Professor universitário, escritor, revisor de textos e organizador de antologias. Três livros publicados. É membro correspondente da Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense (com sede em Marabá), integra o conselho de redacção da Revista EisFluências, de Portugal, é Cônsul dos Poetas Del Mundo para o Estado do Pará e é Embaixador da Paz pelo Cercle Universal des Ambassadeurs de la Pax (Genebra-Suiça). Email para contato: abilioescritor@uol.com.br. Site: www.abiliopacheco.com.br.

CICLO DE ESTUDOS AGOSTINIANOS (Programa)


CICLO DE ESTUDOS AGOSTINIANOS
NA ESCOLA ABERTA AGOSTINHO DA SILVA
EM ALHOS VEDROS
MAIO/JUNHO 2011



1ª Conferência – 11 de Maio – 21,30 h.
“AGOSTINHO DA SILVA E A CULTURA PORTUGUESA”
(Miguel Real)

2ª Conferência – 18 de Maio – 21,30 h.
“CADERNOS DE INFORMAÇÃO CULTURAL”
(Rui Lopo e Duarte Braga)

3ª Conferência – 15 de Junho – 21,30 h.
“AGOSTINHO DA SILVA E O DIÁLOGO ENTERCULTURAL E INTERELIGIOSO”
(Paulo Borges)

4ª Conferência – 22 de Junho – 21,30 h.
“VISÕES DE AGOSTINHO DA SILVA: DE PORTUGAL E DO BRASIL; DA GALIZA, DA IBÉRIA E DA EUROPA” –
(Renato Epifânio)

5ª Conferência – 29 de Junho – 21,30 h.
“ÚLTIMOS ESCRITOS”
(Rui Lopo e Ricardo Ventura)

terça-feira, 3 de maio de 2011

FACES

A MESA DO COCA-COLA




Coca-cola é boa pessoa, apenas deseja viver sossegado e ter o suficiente para si e para os seus, sem pedir nada a ninguém e sem incomodar quem quer que seja.
Chamam-lhe assim devido à forma do seu corpo, pernas arqueadas e encimadas por um tronco que, a partir de ancas estreitas, se alarga nos ombros formatados pela labuta que muita foi.
Actualmente é carregador num dos mercados abastecedores da cidade, mas trata-se de uma ocupação transitória, tão só para ganhar algum dinheiro e não ficar parado.
Faz um ano que se instalou numa pequena casa em uma vila do Rio antigo. Ele, a mulher e os três rapazes que seriam quatro, se um não tivesse nascido com a sina de não passar do primeiro mês.
Farto do garimpo que cumpriu durante cinco anos em que apesar de tudo, arrecadou um razoável pé de meia, teve um bom pretexto para atirar a sachola a um canto e fugir dali, sorrateiramente, pela noite de fora.
“-É preciso ser muito macho pár’águentáá aquilo lá em Serra Pelada. Não é fáciu não.”
Heita que nem queria pensar naquele martírio, onde a menor rixa podia desenlaçar em morte e onde a crueldade e a ganância dos donos dos morros era tal que uma qualquer tentativa para surripiar umas pepitas podia ser punida pelas balas.
“-Veja você kús hóme quando encontrávam algumas pedra com ouro…” –Enfatizando com harpejos dos braços e dedos esticados. “-Ái áquilo páráva tudo. Os mandante diziam prá tôd’o mundo lárgár o trábalho e tôd’á gentche tinha qui sáir dáli pár’ó pátrão ir lá, sozinho, com os seus hómi dji confiança, prá tiráá aquilo qui queria. Ái voltava tudo á cávár á térra.”
Aquilo era um mundo de almas danadas.
“-É cláro qui também tinha gentche bôôa. É com’em tôd’á pártche, tem sempre gentche ruim e gentche bôa. Ahahah más áli tinha muito bicho ruim. Dji máis. Tchinha até bandido qui tchinha deitádo á cás’ábáixo pár’êscaváá búráco no quintáu.”
E um dia alguém o ameaçou de morte, Coca-Cola nunca disse porquê.
Dias depois apareceu à sua cara metade que continuava a trabalhar numa fazenda de cana-de-açúcar no estado de São Paulo, tarecos para que te quero e lá apanharam o ónibus para o Rio de Janeiro.
Cata aqui cata acolá, uns dias debaixo da ponte e uma última noite no passeio, já sob a futura janela de suas pertenças, arrendou a um merceeiro aquele piso térreo.
“-Áqui sempr’é mélhó qui lá no engenho e no gárimpo.”
Com o jeito que a sua Jane tem para cozinhar, pensa abrir uma pequena lanchonete no bairro. Chamar-lhe-á “A MESA DO COCA-COLA”.
“-Veja só assim, umás lêtra, com luzinh’á vóuta, à mélhor comida só mesmo ná mesa do coca-cola. Não é légáu?”

Rio de Janeiro, 10 de Agosto de 1995

segunda-feira, 2 de maio de 2011

VIAGEM FORA DO TEMPO

Para ti que inicias esta leitura quero convidar-te a vires comigo, sem questionares. Aceitas? Então vem. Antes de iniciares a caminhada liberta-te do teu nome. É-te difícil? É só ousares. Dá os primeiros passos nesta caminhada, aparentemente a dois. Como te sentes? Mais livre? Com receio de teres perdido um bocado de ti? Se ousares, se continuares a caminhar verás que gradualmente te sentirás mais leve. Cortaste o primeiro laço contigo próprio. Estás um pouco livre. De ti mesmo. Daquilo que pensavas que eras e agora vês que já não te faz tanta falta. Começas a ter a sensação do inicio da verdadeira liberdade. Queres continuar a viagem? Se sim permite-te começares a flutuar, a iniciar o voo. Pequenos saltos, como um pardal, sensação agradável, mas um pouco temerosa. Se olhares para trás para aquilo com que te identificavas, um nome, uma profissão, uma família, os amigos, irás aumentar o vale dos caídos. Para prosseguir terás que contar só contigo. A minha voz sem que me vejas, será uma confirmação de que estarás sempre acompanhado. Se sentires que já caminhaste o suficiente e te deres por satisfeito parando, ao olhares para os lados verás que todos os que fizeram essa opção estão num estado de patético sonambulismo, pensando que já lá chegaram. Ignoram que o caminho não tem fim. Apercebes-te que foram muitos os que iniciaram o caminho, mas a grande maioria achou-o difícil, temeram o desconhecido, preferiram agarrar-se a formas que não passaram de ilusões. Ao olhar para os lados não verás ninguém, mas no chão que tens à tua frente nele encontrarás as peugadas cada vez menos profundas dos que seguem à tua frente. Parecer-te-ão passos de gigante tal é a distância entre os seus passos. A indiferença sobre ti próprio começa a aflorar em ti. Os teus antigos pontos de referência deixarão de ter sentido, é como um renascimento na própria vida. Partilharás o voo dos pássaros que ambicionavas. O impossível deixará de o ser. Sorrirás ao lembrar os milhares de anos em que rastejaste pensando que ias em alguma direcção, mas agora neste ponto um pouco mais alto em que te encontras vês que apenas andavas em círculos, não saindo do mesmo lugar. Neste voo que agora inicias já não olhas para baixo, mas para o alto, para esses que te atraiem nessa verticalidade de ser. Não é o inicio de um sonho, mas o vislumbre da Realidade.

António Alfacinha