sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O sistema


O sistema é ele e quem o combate. O sistema alimenta-se de quem o combate. Porque o sistema é pensar que somos realmente algo ou alguém, que os outros são realmente algo ou alguém, que há realmente eu e não-eu, eu e outros, seres e coisas, identidades e entidades, indivíduos e mundos, e não simples processos, fluxos e metamorfoses em constante correlação e mutação. O sistema é pensar que há realmente seres e coisas que são realmente isto ou aquilo, assim ou assado, e não meros fenómenos e percepções em constante mutação. O sistema é pensar que há realmente os bons e os maus e que nós e os que imaginamos próximos são os bons e os outros os maus. O sistema é pensar que há realmente o bem e o mal e que o que nos gratifica é o bem e o que nos prejudica é o mal. O sistema é pensar ser normal gostar de uns e não de outros, gostar e não gostar, querer e não querer. O sistema é crermos irreflectidamente em percepções moldadas e cristalizadas desde há milénios na teia de convenções que estrutura as línguas, o pensamento e a vida social, a religião, a filosofia, a ciência e o senso comum. É neste sistema que vivem reclusos presidentes, reis e vagabundos, ricos e pobres, religiosos e ateus, catedráticos e analfabetos, integrados e alternativos, engravatados e tatuados, fascistas e democratas, comunistas e anarquistas. O sistema é o milenar sono e sonho da ignorância e a única alternativa o Despertar. O Despertar de haver realmente Despertar e quem desperte. Então tudo se reconhecerá desde sempre livre, o silêncio será verbo e o amor, esquecido de o ser, irradiará. Então é Agora. Já.


Paulo Borges
Novembro/2012

3 comentários:

luis santos disse...

Texto extraordinário. Jóia preciosa muito acima do "dó central" que nos invade. Um acrescento imprescindível na nossa generalizada maneira sistémica de pensar... a política. Muito Obrigado.

Aquele Abraço.

MJC disse...

Magnifica clarividência do Paulo Borges mostrando que, afinal, há sempre saída.
Assim consigamos elevar-nos até lá. Às tantas é isso que cada um, com maior ou menor arte, anda a tentar.
Um grande abraço para o Paulo-
Manuel João Croca

Unknown disse...

O sistema é pensar que há realmente o bem e o mal... talvez o bem seja o despertar e o mal o contrário disso. Mas o bem e o mal não deixam de existir... o meu bem pode não ser é o bem do outro. E ser livre será, acho, ter a possibilidade de escolher o que é bem e o que é mal. Eu escolho... sozinha ou com outros. Mas escolho. Como dizia António Gedeão (Movimento Perpétuo,1956)
"Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.
Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes."

Obrigada pelo texto. Muito interessante!
Maria Teresa Bondoso