HENRIQUE NOVAIS PESSOA
Nasceu em Camacupa,
Angola, no ano de 1928, filho de um casal de comerciantes local. Aí cresceu e
iniciou os estudos primários seguindo depois para o Kuíto (Silva Porto) onde
viria a formar-se numa das mais respeitadas profissões do quotidiano colonial:
enfermeiro.
Muitas vezes, por força
da necessidade e das longas distâncias africanas, aqueles profissionais
exorbitavam das suas competências e exerciam medicina como se de médicos se
tratassem, ganhando por isso, e para sempre, o respeito das populações mais
isoladas (e não só).
Os livros que o meu mais-velho e amigo enfermeiro Novais –
como era, e é, conhecido pelas gentes de Camacupa e arredores – foi escrevendo,
são relatos vividos e observados dessas experiências nos sítios por onde
passou, desde as vilas e cidades até ao mato mais profundo, testemunhando
situações que tanto vão do drama à comédia, como das lendas e mitos à realidade,
e que nos transportam pelos caminhos da saudade de quem também as viveu.
Da obra “COMBOIO
COMAKOVI (*)”, uma Edição de Autor de 1987, extraio alguns pequenos trechos de
um episódio, deliciosamente narrado, sobre um acontecimento muito popular nas
sanzalas dos arredores das povoações: a rebita, bailarico dos subúrbios.
“(…) A aparelhagem de
som estava garantida com assistência própria e de quem sabia renovar música,
havendo em troca uma gratificação por noite, além da garantia de refeição.
Ofertas de aparelhagem não faltavam, eram uma espécie de orquestras que se
contratavam. Estes eram os que sabiam viver à custa dos outros, quase
evoluídos, conhecendo toda a espécie de discos. Para garantir a festa, faziam
propaganda da música que tinham: discos do Congo, por estarem na moda, “Rumba
Escandalosa”, “Majuba”, o “Tango dos Barbudos”, “Mariana Rebita”, e merengues,
em especial o “Dona Antónia Candongueira”.
Apagava-se a luz e tudo
dançava; no silêncio, os borlistas que não pagam nunca as entradas aproveitavam
a ocasião, e os criados de pé descalço, meninos e bêbados não tinham entrada.
Assim mandava o Quinda porque não queria makas. Eles não perdiam o ânimo,
desarmavam, e fora do recinto aproveitando o som dançavam na mesma, homem com
homem ou mesmo homem sozinho, não deixando de curtir a música que mais lhes
agradava.
Num compartimento
adaptado estava a funcionar o bar, um armário feito de caixotes, chumbado
toscamente à parede, com duas gavetas, completamente empenadas, vendo-se uma
chávena sem asa e alguns pratos de ferro esmaltado.
(…) As damas, umas
muito fininhas e giras, outras com lábios carnudos salientando os lábios, olhos
pequenos e astutos, (…) a cintura bem cintada a esconder os papos de celulite e
o tecido flácido da barriga, os seios mais ou menos caídos, que se tentam
erguer em soutiens pretos sobressaindo da blusa creme, ancas fortes,
possivelmente devidas a alguns abortos feitos pela parteira, curiosa, lá do
sítio.
(…) Um retardatário que
queria arranjar dama à força, estendendo a mão à moça que ia a passar, tentava
puxar, desequilibrava-se estatelando-se ao comprido. A dama libertada pelo
acidente, dando meia volta resmungava: “Este senhor na vila não me conhece,
aqui quer beijinho”. O homem insistindo de novo, recebia outra recusa: “MI
LARGA! Seu borlista, merda!!!”.
Ah! A África da minha
saudade… Resta-me acrescentar que a última missão deste respeitável cidadão de
Alhos Vedros, em prole dos seus semelhantes, foi a bordo do velhinho “Gil
Eanes, quando este navio prestava apoio de retaguarda às frotas pesqueiras
portuguesas que laboravam pelos mares deste mundo.
(*) Komakovi – lento, ronceiro.
Tomás Lima Coelho