terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



A ordem esperada das coisas cumpriu-se e, pelo movimento natural da demografia, chegou a minha vez de ser designada Presidente da cooperativa. Designação é o termo apropriado para descrever o sucedido pois, pela força das circunstâncias, sendo eu a pessoa mais nova dos três sobreviventes da fundação e a única com saúde e, por isso, com uma agilidade que me confere toda a autonomia como pessoa, o Artur, depois de uma série de tromboses, está acamado num lar – o que aqui chegámos a ter encerrou ou, por outra, foi encerrado há dois anos, por falta de verba e dolosa má gerência que, dito a frio, se limitou a formular e pôr em prática um plano de falência, uma vez que a tutela da unidade pertencia à cooperativa que não teve braços para substituir os directores que, estando envolvidos no desmantelamento e divisão das nossas actividades económicas, não só não quiseram preocupações com os encargos de administrar e gerir, como também aí viram mais uma área com hipóteses de vir a gerar mais um negócio privado – e a Teresa, com os seus oitenta anos já não teria paciência para desempenhar o cargo, a menos que não houvesse alternativa e como para além de nós apenas restam como cooperantes o Adão e um filho e uma filha da Mariana, fiquei assim encarregue de presidir aos destinos da cooperativa ou ao que dela resta, se tiver em conta a dolorosa lembrança que praticamente nos sobra a gestão dos pagamentos das reformas que permanecem afectas às extracções de cortiça que continuamos a assegurar, para além da apanha e venda da azeitona e da lenha que ainda garantimos. De resto, tudo o que foi actividade agrícola desapareceu há mais ou menos uma década, com os imensos hectares destas terras que tantas alegrias nos deram, tanto pão e dignidade levaram aos pais e aos filhos, votados ao maior dos abandonos. E como em dez anos o mato tomou conta do que outrora foi solo viçoso e generoso. É a tristeza que vemos nas ruas poeirentas e descuidadas de um local que se fez ermo, como o era quando aqui chegámos, onde as lojas há muito fecharam, os jardins secaram e cristalizaram em ruína e as casas desabitadas se trancaram de tijoleira crua à prova de vagabundos. Pessoalmente lá tenho contado com as visitas que a minha neta Sofia, a filha do Carlos, me tem feito amiúde, desde que decidiu fazer estudos de língua e literatura portuguesa em Lisboa e eleger a minha casa como o retiro das suas meditações e hesitações sobre a vida, pelo que me vai confessando, a respeito da qual está muito longe de saber o que quer. É a minha companhia de passeios vespertinos que tanto me alegram o coração que, para além disso, aqui, neste que já foi um pedacinho do céu onde fui tão feliz, apenas as memórias aquecem.

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