OFERTA DE UM PEREGRINO QUE PASSOU POR
MIM – II
Durante o jantar falei com a minha
mulher sobre o encontro da tarde. Riu-se, «tu e os teus encontros “mágicos”…»,
mas também mostrou curiosidade pelo personagem. Decidimos que iríamos até à
Feira Medieval depois do jantar.
O recinto estava animado, fervilhava de
gente, muitos trajando à época.
Havia inúmeras barracas feitas com
estruturas rudimentares – paus, ráfia, bancas de madeira tosca, panos
pendurados – comercializando os mais variados utensílios e objectos.
Saltimbancos, cuspidores de fogo, archotes a arder, ligavam bem com a luz
amarela dos candeeiros, envolvendo o recinto numa luz amarelada que, cruzada
pelas sombras das inúmeras pessoas que por ali cirandavam, criavam uma
semi-obscuridade condizente com o que a nossa imaginação nos dizia ser própria
da época que se pretendia recriar. O fumo dos archotes e o cheiro a essências
que se queimavam nas barracas, envolviam o espaço e acentuavam a credibilidade
da recriação.
Foto: Associação Alius Vetus
No palco actuava um grupo de danças
orientais.
Numa das pontas do “mercado” erguia-se a
tenda da falcoaria. Aí avistei o nosso personagem em conversa com os
amestradores das aves. Acenei-lhe e ele reconhecendo-me correspondeu. Continuei
a minha deambulação e mais tarde avistei-o à conversa com uns magrebinos que
vendiam pratos de metal e objectos de olaria.
Depois de ter serpenteado pelas inúmeras
barracas vendo o que se nos oferecia e ter comprado uns sabonetes naturais,
desafiei a minha mulher a tomar uma ginjinha.
Foi quando saboreávamos a dita, encostados
a um balcão que o tal Miguel Torgal se nos apresentou «olá boa-noite,
incomodo?», «viva, boa noite. Claro que não, é servido de uma ginjinha?» Foi
quando já os três saboreávamos o néctar que eu “entrei com ele”, «apresento-te
o novo Moisés, portador da versão moderna dos dez mandamentos», ele primeiro sorriu,
depois até gargalhou «não, não é nenhuma versão dos dez mandamentos nem eu sou
o novo Moisés. O Moisés era um porta-voz de Deus para a transmissão dos seus
princípios ao mundo. Eu sou um simples cidadão que procura encontrar o caminho
para uma vida feliz. O “manifesto” que estou a construir vai ter muito mais
pontos (todos os dias acrescento coisas novas) e também tem várias perguntas,
nem tudo são conclusões.» Considerei a resposta lógica, bem de acordo com o
espírito da aventura em que peregrinava, apresentei-lhe a minha mulher e
continuámos a conversar acerca da feira e outros acontecimentos triviais por
algum tempo.
«Bem, são horas de ir andando, quais são
os próximos passos “Moisés”?», ele tornou a sorrir, «conheci o pessoal de um
grupo de música medieval de Lagos que me ofereceram boleia caso queira ir até
lá abaixo e sou capaz de aceitar. Lagos talvez seja, portanto, a próxima etapa…
até porque tive conhecimento da existência de um mosteiro budista no Algarve
que gostaria de conhecer… Depois conheci também um grupo de saltimbancos
andaluz que, sabendo destas minhas deambulações, me convidaram. O pessoal da
falcoaria, que são da zona de Castro Marim, também me disseram para aparecer e,
até uns marroquinos que vendem artesanato me disseram que, caso queira ir para
aqueles lados, serei bem recebido. Tudo isto é para sul e, como tal, na rota
que tinha delineado.» Não pude deixar de registar o espírito de aparente despreocupação
com que se referia ao desconhecido e à vida imprevisível. Pensei mesmo que
gostaria de manter o contacto com aquele jovem, «então e como é que posso
continuar a acompanhar a sua “busca da felicidade”? posso ficar com o seu
número de telemóvel ou mail?» Abanou negativamente a cabeça, « não, viajando
desta forma não se pode trazer muita “bagagem”. Não tenho telemóvel, nem
computador. Também gostava de manter esta ligação, mas terei de ser eu a
estabelecer o contacto. É melhor então dar-me o seu nº de telefone, e-mail e
morada que qualquer dia dou notícias.» Concordei e forneci-lhe os elementos que
solicitara. Quando já me retirava tive uma ideia, «Miguel, eu participo num
blogue que se chama “Estudo Geral”
,onde assumo uma rúbrica semanal que se chama “Miradouro”. Se quiser, mande-me novas das suas deambulações
que depois criarei, se estiver de acordo, uma sub-rúbrica a que chamarei, por
exemplo, “Cartas de um peregrino em
busca da felicidade” onde publicarei as notícias que me for enviando, o
que é que acha?» Fez um ar de espanto mas logo de seguida respondeu, «parece-me
uma excelente ideia. Vamos fazer isso mas, já agora, proponho que abandonemos
este tratamento por você que é demasiado cerimonioso. Trate-me por Miguel e eu
trato-o por Zé, o que é que acha?», «pois acho muito bem Miguel, também já
estava a achar cerimonial a mais. Então, saúde e sorte e que tudo te corra pelo
melhor. Fico a aguardar as tuas notícias.» Selámos o “contrato” com um forte
aperto de mão e despedimo-nos.
No regresso a casa sentia-me bem-disposto.
Começava a gostar daquele jovem e do seu jeito descontraído de estar nesta “aventura”
que o viver constitui.
Manuel João Croca
8 comentários:
MJC,
Um peregrino do século XXI, em busca do caminho para a Felicidade - desculpa-me a extrapolação, mas parece-me ser uma personagem com muito de todos nós, não é? Porque me parece que, passada a febre do Ter, que caracterizou os finais do século passado, passámos à procura do Ser, cada um à sua maneira. Estou curiosa quanto aos passos do teu peregrino nesta verdadeira demanda.
Deixa-me ainda que te diga que será bem recebido no Sul, tal como eu fui e todos os que por cá chegam e decidem já não partir.
Aguardo, com muita curiosidade, 'notícias' dos próximos passos do Miguel Torgal.
Abraço e bom domingo.
Amélia
Já me arranjaste mais uma coisa que eu tenho de fazer ao Domingo: ler a crónica de um peregrino. Felizmente, continuo com espaços por preencher na minha agenda...
"O fumo dos archotes e o cheiro a essências que se queimavam nas barracas, envolviam o espaço e acentuavam a credibilidade da recriação."
A beleza das tuas palavras acentua a credibilidade do que nos contas.
Venham mais!
Abraço,
António
Olá Amélia boa noite.
De facto muitos andamos à procura de algo diferente disto que nos assola e, o facto de muitas vezes nem sequer se saber o que se quer, é positivo procurar alternativas já que o que temos é mau.
O Sul sempre teve tradições de bom anfitrião e é muito bom que as mantenhas porque este jovem merece ser bem acolhido.
Quanto ao que ele nos irá dizer no futuro, confesso também eu estar muito curioso.
Beijinho,
Manuel João
Amigo António, viva.
Deixa lá ver se o Miguel vai corresponder com o que prometeu. Confesso que também eu estou curioso (e ansioso) com as novas que possam chegar dali.
Abraço.
Manuel João
Amigo António, viva.
Deixa lá ver se o Miguel vai corresponder com o que prometeu. Confesso que também eu estou curioso (e ansioso) com as novas que possam chegar dali.
Abraço.
Manuel João
Amigo António, viva.
Deixa lá ver se o Miguel vai corresponder com o que prometeu. Confesso que também eu estou curioso (e ansioso) com as novas que possam chegar dali.
Abraço.
Manuel João
gostei muito desta crónica peregrina :)
espero ler mais...
Viva Fernanda, boa noite.
Se o Miguel Torgal não falhar ao prometido, decerto irás saber notícias.
Vamos aguardar.
Abraço.
Manuel João
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