por Francisco Gomes Amorim
15.1.2014
Por diversas vezes já manifestei a minha
antipatia pelo ensino da gramática portuguesa nos primeiros anos do primário e
até do secundário, que, a bem da verdade é complicada “toda a vida”.
A gramática deveria ser para o aprendizado
da língua portuguesa o mesmo que anatomia para os médicos: no ensino superior.
Antes disso basta saber que temos uns quantos ossos, uns aparelhos, digestivos,
conjuntivos e sanguinários e até para alguns, raros, cabeça.
Mas de quando em vez surgem nos horizontes
intectualóides algumas frases e palavras que nos obrigam a procurar mestres não
só em semântica, como em interpretação, frases essas proferidas por aqueles a
quem a anatomia privou da tal cabeça. Pelo menos por dentro.
Convenhamos, a ignorância humilde tem pelo
menos a vantagem de saber quando é hora de procurar os mestres que ajudem a
interpretar aquela linguagem que, em princípio deveria ser simples,
clara, precisa e concisa tal como o determinavam os manuais de
instruções militares in illo tempore, pelo menos no meu
tempo! É certo que os mesmos manuais, pelo menos os da cavalaria,
estimulavam os cavaleiros, em galope de ataque, a dar gritos selvagens,
tais como Viva a Pátria e outros”.
Mas a Pátria está adormecida, entregue a
circenses primários que nem sequer sabem fazer o povo sorrir, só chorar.
Numa assunção das estevas (pode
ler-se arrebatamento das flores da família das Cistáceas) em solene
pronunciatura (ou pronunciamento?) uma ilustre madama dona presidente (ou
presidenta?) duma assembléia de ineptos e penduras, do alto dos seus profundos
conhecimentos de línguas mortas e confusas declarou peremptoriamente perante o
país perplexo o seguinte e brilhante pensamento:
“O
meu medo é o do inconseguimento, em muitos planos: o do inconseguimento de não
ter possibilidade de fazer no Parlamento as reformas que quero fazer, de as
fazer todas, algumas estão no caminho; o inconseguimento de eu estar num centro
de decisão fundamental a que possa corresponder uma espécie de nível social
frustracional derivado da crise.”
Esta
pronunciatura penetrou nos meus ouvidos como um misto de sânscrito clássico,
assírio-babilónico e um pedacinho de português, e, eis senão quando, me dou
conta dos resquícios actuais do castigo de Jeová aos construtores da Torre de
Babel: confundamos a sua linguagem!
O inconseguimento de
interpretar esta gramatical bomba, com o prefixo in, que o
dicionário designa como negação de interioridade – pode levar a crer
que a pronunciatriz (feminino de pronunciador) teria querido dizer que se nega
interiormente...!
Depois
o verbo conseguir, cuja origem latina significaria vir após,
seguir com, mas, antecipado com uma negativa de interioridade, já
confunde os neurónios de qualquer ser de inteligência mediana.
Remata
o vocábulo (será mesmo um vocábulo?) com um sufixo lindo: mento,
que os gramáticos propõem que se use como resultado de ação.
Então,
tentando decifrar esta maravilha da semântica privada das estevas, parece que
seremos levados a concluir que a dita pronunciatriz quis dizer:
“não
posso vir após porque uma negação de interioridade me impede o resultado da
acção”.
E aqui temos o que a senhora pretendeu
transmitir: NADA! O que o velho, maravilhoso e saudoso Cantinflas teria achado
merecedor do prémio Nobel da arrogância.
Mas tem mais uma frase, essa também digna
de fazer corar os zigomáticos dos crâneos de Camões ou do Padre António Vieira.
E do mais eloquente congressista do século XIX, Garrett. Camilo ao ouvir
semelhante sentença certamente teria farta inspiração para escrever um segundo
volume de O Que Fazem Mulheres, ou de Coisas Espantosas, talvez
sobre A Enjeitada ou A Mulher Fatal!
A frase fatal: “o inconseguimento de eu
estar num centro de decisão fundamental a que possa corresponder uma espécie de
nível social frustracional derivado da crise.”
Sobressai nesta faladura, NOMEADAMENTE, o
conteúdo - “uma espécie de nível social frustracional derivado da crise” – que
se pode considerar uma tirada platónica, aristotélica ou epicurista. É uma
pérola linda do palavreado inútil, falso, a que Renan talvez respondesse “a
estupidez humana é a única coisa que nos pode dar a noção do infinito”!
Mas que me perdoem Renan, Aristóteles ou
Camões, porque a verdade é que eu simplesmente adorei “o nível social
frustracional”. Através dos longos anos de vida tenho presenciado
diversos níveis sociais, mas um frustracional... nunca. Aquele sufixozinho “al” dá-lhe
um toque sublime, mais ainda quando constatamos que acrescenta à frustração a
noção de quantidade, de coleção.
Então eu traduziria esta frase com a
complicada palavra certamente retirada do Avesta, com o sentido de “nível
social de frustrações em quantidade”. Beleza pura.
Tudo isto... “derivado da crise”!
E que crise!
Crise de bom senso, de simplicidade, e de
gente que não pense que todos os outros são tão idiotas quanto eles!
Muitas palavras não indicam necessariamente
muita sabedoria, disse Tales de Mileto. Mas prefiro fechar
o comentário pensando num homem de quem tive a sorte de ser amigo e
conhecer de perto, o grande Raul Solnado, que numa hora destas comentaria
simplesmente:
“Pois! Como dizia a minha prima, que
gostava muito de dizer coisas”!
3 comentários:
Pois...
Aquilo que li hoje um amigo referir como 'Que entrevista feia! Feia, feia, feia!! Mesmo, mesmo... feia!' na sua página de FB ao mesmo tempo que a publicava, acaba, afinal, por proporcionar a escrita de excelentes críticas! Como é o caso.
Se não nos saíssem tão caras, diria que ainda bem que existem personagens destas, que articulam entrevistas destas, só para que se escreva tão bem acerca delas...
Caro Amigo Francisco da família dos Amoríndeos,
...E nós dizemos com o seu amigo Solnado, Pois!, que maravilha de texto.
Será esta capacidade de produzir beleza, extraordinária beleza neste caso, que falta aos nossos mais frustracionais responsáveis políticos.
Aquele Abraço.
Na minha opinião, este texto magnífico justifica(va)uma ampla divulgação. Ma imprensa diária, num semanário de muita audiência, mandando uma cópia a todos os deputados,sei lá...
Uma grande mais valia para o "EG" em mês de 4º Aniversário.
Manuel João Croca
Enviar um comentário