Urge uma Revolução provocada pela
Mulher
Majam Mahmud, que antes preferia ser rapaz porque como mulher
não via futuro digno, está orgulhosa do seu género. É uma rapper egípcia de 18
anos e de lenço na cabeça que não tem papas na língua quando fala. Não lhe
interessa a política mas a discriminação. Na sua música lematiza temas tabu de
uma sociedade medieval. Chama as coisas pelo nome sem os rodeios do oportuno. Enfrenta
os problemas da nação; fala sem medo da discriminação da mulher e do assédio
sexual na sociedade egípcia. O Ocidente mais interessado na guerra
económica do que na justiça individual e social fecha os olhos da guerra dos
homens contra as mulheres especialmente nas sociedades da Índia e da África.
Para quando a revolução da Mulher?
Segundo uma pesquisa das Nações Unidas 99,3% das mulheres
egípcias indicam terem sido sexualmente molestadas.
Para Majam Mahmud o problema da discriminação sexual no
Egipto é intocável porque é declarado tabu e como tal não precisa de leis que
condenem o assédio sexual. Quem sofre as consequências cometidas pelos
agressores não são os infratores mas as mulheres que depois têm de assumir o
desprezo social. Os homens querem que as mulheres sejam graciosas e
atractivas mas sem chamar a atenção. A solidariedade masculina não quer ser
questionada, nem quer sofrer a concorrência entre homens e por isso a mulher
terá de ser a eterna vítima, a culpada do desejo masculino. Este é lei e
por isso não se pode questionar a si mesmo. Neste contexto, ser mulher livre é
uma provocação. As mulheres calam-se e nas sombras do seu silêncio continua a
fermentar a arrogância e a violência masculina. O problema é que o sistema não
se muda, quem se muda são as pessoas e só quando estas se mudam, só então se
muda o sistema.
Numa altura em que ideias revolucionárias já germinam debaixo
de cabeças com lenço, há mais motivos de esperança do que qualquer pretensa primavera
árabe na sociedade norte-africana.
Majam Mahmud pergunta numa entrevista com o Speigel: “Que se
pode esperar de uma sociedade onde o maior objectivo para uma mulher é casar?”
Logo a seguir desabafa “Eu realmente acredito que a próxima revolução será
uma revolução da mulher.” O problema da sociedade muçulmana mais que um
problema religioso é um problema de homens e de cultura árabe cimentada no
Corão e na sharia.
A verdadeira revolução está na transformação do espírito. O
mundo árabe cairá um dia num caos se não se mudar, mas a mudança só as mulheres
a podem fazer através de uma revolução doce ou também agressiva, à maneira de
homem. Majam Mahmud é um exemplo muito necessário, uma luz a brilhar e mais que
um grito de emancipação é uma voz modelo que grita por libertação do
chauvinismo masculino com a sua consequente violação. A música é um dos
melhores instrumentos para se transmitir uma revolução.
Deveria haver direito a asilo mais liberal para as mulheres
perseguidas por razões de cultura ou religião. Se observamos as mulheres
vítimas do exílio político observa-se, porém, que trazendo os homens consigo
não há possibilidade de libertação individual.
É um facto sociológico que, de uma maneira geral, os homens
não querem mudar-se preferindo continuar a viver ao abrigo das leis naturais
que perpetuam o domínio do mais forte. A cultura árabe, fruto de uma geografia
agreste, continua na elaborar as suas leis positivas com base na cópia da lei
natural. (De não descurar que a cultura ocidental tem outras formas de
discriminação, muito embora mais suave).
Aqui temos a ver com uma cultura misógina bárbara onde, sob a
capa do islão, se dá continuidade à discriminação das antigas sociedades de
clãs primitivos. (Temos porém que estar atentos na avaliação porque muito do
que acontece sob a capa das religiões são costumes ancestrais nómadas da
cultura árabe.)
Se se pretende um desenvolvimento são e sadio a discussão
terá de ser feita em termos de sociologia e de antropologia. De facto a velha
cultura egípcia tem elementos muito mais desenvolvidos do que lhes foi posteriormente
imposto com a hegemonia da cultura bérbere árabe. Uma discussão fora destes
moldes corre perigo de, sem notar, levar a água ao próprio moinho! O que está
aqui em causa é a relação e a integração da feminilidade e da masculinidade na
pessoa independentemente do ser homem ou mulher!
Há quem critique Majam Mahmud por trazer lenço na cabeça, um
símbolo da repressão; estes esquecem porém que ela pode assim alcançar melhor
um público conservador de mulheres que de outro modo não atingiria. Também há
que estar-se atento na luta da emancipação para se não cair em movimentos
emancipatórios baseados em princípios masculinos, como por vezes acontece no
ocidente.
Uma sociedade patriarcalista que segue unilateralmente os
vestígios de Abraão só poderá ser mudada com a mutação progressiva da mulher e
só esta poderá constituir a base de uma verdadeira revolução.
António da Cunha Duarte Justo
3 comentários:
Caro António Justo
Extraordinário texto.
Até nas sociedades moderadamente patriarcais, quanto mais, a libertação do homem só poderá ser feita a par da libertação da mulher. Possuir coisas ou pessoas sempre faz com que sejamos possuídos. Naturalmente que a possessão também será possível e desejável se houver consciência de liberdade.
Sempre agradecidos.
Abraços.
Um texto muitíssimo interessante.
Ontem um jornal publicava que, de acordo com a Comissão Independente dos Direitos Humanos do Afeganistão, a violência contra as mulheres, naquela país, aumentou 25% em 2013 e apontava os baixos níveis de escolaridade e a tradição como principais causas. Gostaria de acreditar que os números ficam a dever-se a uma maior denúncia por parte das vítimas, num país em que as mulheres já vão tendo acesso à escola e a algumas profissões. Mas não sei se assim será.
No entanto, vão-se dando pequenos passos aqui e ali: na Arábia Saudita as mulheres pegaram, literalmente, no volante dos automóveis (se bem que, ainda, em número muitíssimo reduzido), no Afeganistão as mulheres já têm acesso a cargos políticos e uma ministra responsável pela pasta da Condição Feminina, no Egipto Majam Mahmud canta...
Curiosamente - ou não - de acordo com dados da APAV, os crimes de violência doméstica em Portugal aumentam assustadoramente. Dados que não podemos, nem devemos, ignorar. E que merecem, também, a nossa reflexão.
Prezado Luís Santos,
Tocou o fulcro da questão: o poder! De facto na libertação a parte terá de começar por reconhecer a situação integral que é o todo!
Quanto ao Afeganistão não sou nada optimista. Quando as forças estrangeiras o abandonarem, o Afeganistão transformar-se-á em um caos!
Quanto a Portugal, o povo tem sido educado para a rebaldia caótica. O realismo, a flexibilidade, o compromisso e objectividade têm sido aspectos ausentes da nossa educação. Tem-se apostado demasiado na opinião e pouco no trabalho sério, na informação racional fundada.
Grande abraço
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