terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Não há dúvida nenhuma que é maravilhoso termos à volta de nós esse espectáculo único que consiste em vermos os filhos crescerem. É certo que há amarguras, desde logo aquelas que decorrem daqueles momentos em que eles aparecem doentes com isto ou aquilo mas, nesse plano, no que nos diz respeito, até nem temos muito que nos queixar pois, para além das constipações e de uma ou outra gripe e dos sarampos e papeiras que são normais na idade mais tenra, nada mais tivemos que fosse motivo para uma preocupação maior. É claro que os cadilhos se não resumem apenas a esses aspectos que se prendam com a saúde. Ele há por vezes aquelas situações em que as personalidades de cada um chocam com o acatamento desta ou daquela regra, deste ou daquele reparo, tal como existe o permanente cuidado de vermos se tudo corre bem com a escola e se os deveres estão bem feitos, da mesma maneira que há os momentos em que temos que ralhar por desobediências ou de algo que ficou fora do lugar ou muito simplesmente não deveria ter ocorrido e que portanto mereceria a devida resposta, muito embora seja da opinião que isto se tratam de episódios triviais do crescimento e da própria educação e que por isso são como as palavras que, por não terem qualquer importância, nos entram por um ouvido e nos saem por outro. Seja como for, tenho por sentido que não é isso que apaga o que sobra, justamente as muitas coisas que, ao observarmos neles, nos incutem uma profunda alegria e uma leveza na alma em que sentimos o quanto somos felizes por assim ser. Naturalmente há dias em que estamos menos receptivos às necessidades de atenção com que eles nos desafiam e, em conformidade, não sendo algo corriqueiro, também não serão raras as ocasiões em que pura e simplesmente sequer somos capazes de responder convenientemente às solicitações que nos apresentam ou, no mínimo, nem sempre temos a presença de espírito para o fazer da melhor maneira, contudo, estaria a ser injusta comigo se não dissesse o quanto me satisfaz ouvir perguntas inteligentes na boca dos meus pequenotes e ver como eles são capazes de perceber assuntos por vezes complicados para a sua idade. É mesmo uma cena digna de registo e que sempre me deixa nas nuvens, estar de parte e presenciar os diálogos entre o pai e os filhos e vê-los conversarem sobre isto e aquilo como se todos fossem adultos. Sobretudo é um prazer infinito vê-los ganharem corpo e autonomia, vendo-os resolverem os problemas que se lhes deparam e como conseguem eles próprios criarem e organizarem aquilo que lhes interessa, tal como sucedeu nestes últimos dias a propósito de um clube de futebol que os miúdos fundaram. Felizmente, as nossas crianças podem crescer saudáveis entre a casa e a rua e com o imprescindível à vontade de não estarem permanentemente sob a supervisão dos respectivos pais e dos mais velhos em geral. Nesse sentido, esta nossa aldeia até já tem a marca das bicicletas juvenis e dos cães correndo entre elas, assim como, não sendo dia escolar em que a maior parte das horas têm o murmúrio marejante das folhagens e os ruídos de um ou outro mecanismo que, a partir da praça, se ouve ao longe, até que a chamada de alguma obrigação o imponha, as gritarias e correrias dos jogos e até das desavenças se colam como uma espécie de sombra ao panorama auditivo de quem está de parte. Do mesmo modo os campos são patrulhados pelos mais crescidos a quem o avolumar das destrezas e confiança possibilita que se afastem nos caminhos e na distância e isto sem distinções de género coisa que, para mim, é um prodígio assinalável e muito provavelmente virá a reflectir-se nas consolidações de uma nova cultura de relacionamento entre os membros do casal que, muitos de nós, manifestamente já evidenciam. Mas é sempre uma emoção ver uma sala cheia de miúdos entusiasmados com um determinado propósito que a si, de livre e espontânea vontade, se impuseram. Como eu me ri sozinha numa destas tardes por causa do meu rapaz mais novinho, no meio dos mais crescidos a dar opinião e sentenças de como deveriam prender emblemas e números nas camisolas. O Luís, um dos filhos do Gustavo e da Viviana que tem todas as características de um líder, reuniu uma equipa de futebol que, pelas narrativas baralhadas de entusiasmo da ganilha que aqui esteve, já defrontou outras congéneres de outros bandos de gaiatos da Vila e de aldeias das redondezas. Mas eu tenho que admitir que fiquei espantada com todo o trabalho que estas alminhas desenvolveram, desde os cadernos em que registam a contabilidade do deve e do haver das quotas que todos pagam e dos peditórios e sorteios que realizam, para, entre outras coisas, puderem ter os débitos para a aquisição de uma bola e dos equipamentos de calções verdes e camisolas brancas que, assim me explicaram, um acordo entre benfiquistas e sportinguistas os levou a escolher em contrapartida do nome de Sport Esperança e Benfica. E não é que o filho do Gustavo teve o cuidado de fazer um estojo de primeiros socorros que montou numa maleta? Eu nem queria acreditar quando o meu pequenito me disse do que se tratava e que era precisamente da sua responsabilidade transportar nos dias dos jogos. E o mais curioso é que lá conseguiram convencer a dona Noémia a coser os números e os emblemas nas camisolas. Não é pois maravilhoso ter todo este espectáculo à mercê dos nossos olhos e da alma?
Como eu gostaria de dizer aos meus queridos pais o quanto sou feliz.

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