Centro Comercial, Autor António Tapadinhas,Acrílico sobre Tela, 80x100 cm |
AUTO-RETRATO
Lembro-me de ter lido um conto, há
muitos anos, que nunca mais me saíu da cabeça! Era sobre uma mulher! Cheia de
liberdade! Já não me lembro quem o escreveu – pode ter sido a Doris Lessing,
parece-se com os seus contos ou, se calhar por gostar tanto dela, apetecia.me
que fosse seu…
Na altura, as minhas idas ao
supermercado eram uma verdadeira aventura! Com uma casa sempre cheia de
adolescentes para alimentar, quantas vezes tive que empurrar dois carrinhos ao
mesmo tempo, atropelando uns e outros de quando em vez e desculpando-me como
podia…
O título do conto é ‘Shopping for
One’ e não faço ideia de como terá sido traduzido, se é que chegou a sê-lo… e
aquela mulher livre e só, com um cestinho só, comprava só dois ou três
pacotinhos de qualquer coisa que lá íam dançando no fundo do seu cesto só… ao
mesmo tempo que invejava os carrinhos atulhados das mães como eu, que a
atropelavam e que também tinham casas
cheias de adolescentes para alimentar…
Hoje sou eu a mulher do cestinho só
– e quando as mães dos carrinhos me atropelam limito-me a sorrir, um sorriso de
solidão, acentuado pela montanha de coisas que as outras mulheres transportam
nos seus carrinhos de supermercado…
Li há poucos dias num livro de que
gostei, qualquer coisa parecido com a
liberdade traz a solidão…
Amélia Oliveira
Amélia Oliveira
12 comentários:
A nostalgia do tempo que passou servida a cru com as palavras que acabam por pintar de beleza a própria saudade que se aceita pela sabedoria de aceitar a sucessão da própria Vida. Mesmo sabendo que a solidão da liberdade nunca terá como deixar de doer. Não será isso uma realidade eminente e unicamente humana? De que somos feitos, afinal, porque somos assim e não de outro modo?
Um texto literário é tanto melhor quanto nos induz questões que nos levem a reflectir – neste caso sobre o animal humano. Afinal, há por aí uma mãozinha para segurar a pena e alma – escondida? Insuspeita? – para a deixar navegar.
Venha mais.
Tchim!
Luís
Valerá a pena a liberdade apesar do sorriso de solidão? Parabéns pelo texto, Amélia. Muito bonito!
Soberbo, o Centro Comercial do António... Belo acordar este de hoje. Obrigada aos dois. Teresa
Muito bom.
Conto muito bem escrito, muito bom mesmo, que derrama sumo ao ler-se. Uma pequena horta, morangos. O conceito de liberdade é um saco muito grande, onde cabe muita coisa distinta. Por exemplo, o da Troika é particularmente curioso: a gente empresta, mas pagas bem pago, de cócoras. Liberdade não tem que rimar com solidão, of course. Mas um saco libertário de compras para uma só mulher, é muito forte. A notícia boa é que no EG nunguém aprende sozinho. E siga a música.
O tempo a passar, as circunstâncias a mudarem, as vidas cumprem-se ou vão-se cumprindo.
O aliciante é que o processo é permanente. A literatura permite esse registo e assim a partilha que é uma forma de aprendizagem. Provavelmente, um dia destes, a Amélia empurrará de novo um carro carregado de compras. Li há tempos um ensaio sociológico que tinha por título, creio, "O Amor é Filho da Liberdade", não me lembro agora do nome do autor.
Gosto muito do texto e o quadro do António é magnífico.
Manuel João Croca
Fiquei mesmo a pensar nisto da liberdade e da solidão... e ocorreu-me uma questão, ainda. Será verdadeiramente livre aquele que sente a solidão da ausência?
Boa tarde, António!
Muito obrigada pelo desafio. Participar no Real... encheu-me de sentimentos bons - e logo hoje, que está este dia tão bonito a anunciar a Primavera! Não acompanhei o meu café desta 2ªfeira com a escrita do habitual comentário mas estou-lhe imensamente grata por isso! E também pelo maravilhoso quadro que escolheu para embelezar o meu texto! Já posso, finalmente, dizer que adoro um Centro Comercial: o seu!
Um enorme abraço!
Amélia
Teresa Bondoso: Agradeço as suas palavras, que me levam a pensar que gostou da surpresa...
Espero vê-la (e ouvi-la!)na Quinta-feira na Tertúlia Poética.
Abraço,
António
Amélia Oliveira: Nunca ninguém gostou assim tanto de um quadro meu!
:)
Abraço,
António
Luís Gomes,
O passar do tempo traz a nostalgia de tempos passados, mas traz também a sabedoria - às vezes! - para irmos arranjando mecanismos que nos permitam lidar com esses sentimentos e essas dores que, de vez em quando, nos incomodam. É por isso que umas vezes rimos e outras vezes choramos...
Cheers!
Olá Teresa!
Parece-me que vale a pena a ilusão de que somos livres nos momentos em que a solidão não é demasiado pesada... mas não tenho grandes certezas a este respeito, assim como tenho grandes dúvidas que que sejamos, de facto, livres! Para além das nossas amarras interiores, temos uma série enorme de condicionalismos que nos são impostos e aos quais não podemos fugir - a não ser que optemos por fazer como o jovem retratado no filme 'Into the Wild', do Sean Penn... e mesmo assim, será que ele conseguiu ser verdadeiramente livre? Muitas dúvidas, nenhumas certezas...
Agradeço-lhe profundamente as suas palavras, sempre amáveis e que sabem tão bem!
Um beijinho enorme!
Luís Santos,
É tão bonito um campo de morangos, não é? Fizeste-me recordar os tempos em que o meu pai cultivava morangos, na sua velha horta! Tenho que lhe perguntar porque deixou de o fazer e convencê-lo a continuar... se a Troika aumentar os juros da nossa dívida ainda pode ser que consiga fazer uns dinheiritos! Of course, liberdade não tem que rimar com solidão, mas há dias... uns sim e outros não!
Obrigada pelo teu comentário!
Um abraço.
Manuel João,
A Literatura permite coisas fantásticas, como construír textos a partir de outros textos, porque não somos só o que comemos, somos também aquilo que lemos e que nos alimenta o espírito! E esses ecos do que vamos lendo surgem quando menos se espera, até na fila do supermercado...
Obrigada pelo seu comentário e concordo consigo: o quadrodo António Tapadinhas é magnífico!
Amélia
António,
Garanto-lhe que estou a ser sincera - é que, para além de achar o seu quadro mesmo muito bonito, tenho uma alergia crónia a Centros Comercias, que praticamente só 'uso' para ir ao cinema!
Um abraço também!
Amélia
Não será a liberdade o bem mais precioso? Como nos pode trazer solidão? Quantas pessoas não empurram carrinhos cheios, vivendo no entanto na maior das solidões?
Caro Anónimo,
A solidão de que fala é a mais triste e inconcebível forma de um ser humano estar perante a vida. E sim, a liberdade é um bem precioso, que em dias cinzentos pode ter um preço elevado mas que vale sempre a pena pagar! Cabe a cada um de nós escolher, dentro dos limites do possível, qual o rumo a seguir.
Boa noite!
Amélia
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