terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Em boa hora decidimos pôr de pé uma pequena unidade de transformação de cortiça e, com isso, entrarmos no domínio da indústria respectiva. Com efeito, é essa matéria-prima de que o nosso país é o grande produtor a nível mundial e na última década temos assistido a uma forte expansão desse sector entre nós. Se os primeiros passos e os primeiros avanços foram induzidos pela fixação de capitais ingleses que aqui instalaram as fábricas necessárias à exploração dessa riqueza natural, há algumas décadas que a produção é maioritariamente assegurada por famílias nacionais que decidiram entrar no negócio e agora começam a controlar os principais mecanismos e circuitos em que se processam as compras e as vendas que, desde o sobreiro à rolha da garrafa do melhor vinho, perfazem os meandros dessa área da economia. Visão teve pois o José Pedro que há uns três anos atrás observou que temos desperdiçado muito dinheiro pelo facto de nos limitarmos a vender o produto tal qual sai das árvores e, ao que parece, o baptismo que este ano teve lugar, pelo menos, começa por lhe dar razão. Há muito que pessoalmente me deixei de preocupar com tais decisões, embora estas continuem a ter o carácter colectivo que, desde a origem, sempre tiveram; seja como for, o bom sucesso que temos alcançado com as nossas iniciativas e os níveis de prosperidade e, em função disso, de especialização que tal nos proporcionou, tudo isso acabou por nos pôr a salvo dos tempos em que havia que acudir a tudo e assim deixaram espaço para o respeito da velha sabedoria que nos diz caber a cada galho o seu macaco, ou seja, possibilitaram que os mais entendidos tenham não só a primeira palavra como o voto decisivo nos assuntos correspondentes. E a verdade é que tenho todos os motivos para confiar no bom senso e competência do pessoal que actualmente permanece mais directamente ligado à direcção económica e financeira da cooperativa e, por outro lado, nada me custa admitir os meus fracos conhecimentos nestas matérias e até as reduzidas capacidades para compreender o que possa ser melhor numa determinada situação e muito menos para explicar as vantagens ou desvantagens de uma dada opção. Mas não me foi difícil perceber as explicações do José Pedro quando nos fez ver que se em vez de vendermos a cortiça no seu estado bruto, procedêssemos a uma primeira transformação, não só seríamos nós a acumular os rendimentos dessa operação, como igualmente poderíamos obter uma maior margem de manobra na determinação do preço de venda das arrobas produzidas e ainda vermos facilitadas as nossas possibilidades de escoamento. Segundo as palavras daquele companheiro e aqui vou procurar o máximo de fidelidade ao que ele disse, sendo a procura para a cortiça empranchada em menor número que para aquela no estado virgem, estaremos desde logo em melhor posição para conseguirmos bons preços e garantias de venda pois é a partir daqui que o raciocínio dele careceu de tal descodificação que me pareceu razoavelmente simples de seguir, apesar da lei que nos diz que os preços tendem a baixar consoante a procura para um certo bem é menor, sendo nós os produtores da matéria-prima, mais facilmente poderemos apresentar preçários competitivos que iremos justamente retirar dos ganhos que as nossas concorrentes têm que alcançar sobre aquilo que pagaram pelo material que transformaram para vender às grandes produtoras de rolha e outros materiais acabados que essa indústria gera. Ora o que se tem passado é que nos temos limitado a extrair a cortiça das árvores e a carregar os fardos para os camiões com que os industriais ou os intermediários os levam daqui e nem sempre temos conseguido atingir aquilo que poderíamos considerar a licitação mais justa, tanto pelo nosso trabalho como, assim falou o Gustavo, pela importância estratégica do produto em apreço. Aliás, a realidade é que nem mesmo existe qualquer princípio de justiça, em toda a operatória que determina tais custos e, com efeito, dá-se até o inverso de, se por acaso a Natureza nos bafejar com a sorte de uma colheita mais grada, o resultado acabar por ser uma quebra nos preços de venda da mesma. É pois contra essa maré que o José Pedro teve a feliz ideia de querer remar e se na altura, não tendo havido qualquer oposição, o propósito não foi recebido com qualquer onda de entusiasmo, agora há uma unanimidade em dizer ainda bem que assim se fez. E com isto aproveitámos a oportunidade para reinstalarmos os armazéns que tínhamos à entrada do povoado e em que sediámos as produções de azeite e outros bens alimentares com que estamos no mercado com marcas próprias. Decidimos que seria melhor demolir aquelas construções, excepto aquela onde agora fica o local de recolhimento das máquinas agrícolas e aproveitámos uma área de terreno pedregoso e sem outro préstimo que um pasto pobre que temos a uns dois, três quilómetros daqui, mesmo na raia da propriedade e na vizinhança da estrada nacional, para aí montarmos o nosso pequeno núcleo de fábricas numa zona adequadamente preparada para o efeito. Com edifícios independentes e espaços próprios, temos agora para além do novíssimo fabrico de cortiça, uma unidade fabril de descasca e empacotamento de arroz e uma outra de calda de tomate, assim como o lagar de azeite e a respectiva linha de produção e engarrafamento e ainda o armazém onde procedemos à embalagem dos pinhões e às produções de pinhoadas e batatas fritas em pacote. Para lá transferimos igualmente a oficina automóvel que tínhamos atrás do casarão e que a partir daqui irá funcionar como garagem para os carros que a maioria de nós já possui. Foi pois em boa hora que nos lançamos na transformação da cortiça e até parece que a Mãe Natureza nos quis presentear por isso, uma vez que este foi o ano em que tirámos a maior quantidade de sempre das árvores.
Por sua vez as casas do bairro novo, para os trabalhadores, estão prontas. Falta completar os arruamentos, coisa que já não deve demorar muito.
Vivemos numa aldeia cada vez mais bonita.

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