sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Livros de África, por Tomás Coelho



ROCHA DE SOUSA
Nasceu em 1938 este professor universitário, pintor e crítico de arte, natural de Silves. Em 1961 foi convocado para a guerra em Angola: “Assim é convocada a nossa juventude culturalmente precária, compelida a amar de súbito um território tantas vezes tratado de esguelha na própria escola, omitido sem grandeza, província, colónia, província outra vez, imensidade física de assombrações e de fascínios, terra de degredados e dos mais singulares enriquecimentos.”. 

Regressou em 1963. Dessa experiência foi fazendo registos do que via e sentia nas matas dos Dembos entre Zala e Nambuangongo. Só em 1999 conjuntamente com a Editora Contexto resolveu publicar os seus escritos a que deu o título de “ANGOLA 61 – UMA CRÓNICA DE GUERRA OU A VISIBILIDADE DA ÚLTIMA DERIVA”.

É uma escrita densa, por vezes pesada, mas paradoxalmente clara e luminosa. Eis como descreve a estranheza de se ver num mundo tão diferente e belo porém tão perigoso: “O medo latente leva-nos a considerar a massa sombria da floresta, quando o contraluz lhe disfarça os contrastes, como uma espécie de espuma lamacenta, absurda, com as suas bolhas de vários odores rebentando debaixo do céu.” Esta presença física e emocional da floresta dos Dembos é recorrente em todo o livro.

Já instalado naquela que iria ser a sua “casa” durante um tempo que lhe pareceria demasiado longo, deixa-nos o relato da estupefacção sentida perante a barbárie, causada sobretudo pelo medo, quando o homem se transforma e vira lobo do homem “numa loucura de falso triunfo, raiva, vingança, desforra inútil, os soldados andaram em círculos no meio da pista, fazendo piões com as viaturas, puxando depois o corpo do guerrilheiro, ao qual cortaram dedos e orelhas, “troféus de guerra”, a barbárie refluindo nestes pobres representantes da civilização ocidental, os mesmos que depois abriram uma cova fora do cerro de Zala e aí enterraram os despojos daquele homem meio coberto de sangue, mutilado, sem nome e ainda sem pátria.”

Retenho também a descrição quase poética do objectivo da jornada: “Nambuangongo surge do abismo. Recorta-se no céu e parece um monte de ruínas negras. Algumas palmeiras, como sentinelas eternas, convivem com o leve impulso da brisa. Imagino que se movem, um sopro de vida, folhas oscilando vagarosamente, as pontas desfocadas nas nuvens de terra e luz.”

E os mortos. “A seu lado, como se dormisse em grande paz, está o nosso companheiro, o João Mateus, (…) dorme, nem sequer vai acordar em Luanda, descerá à terra no cemitério local, esse nome pomposo com que baptizamos os patéticos alinhamentos das sepulturas nestes lugares, (…) “absolutamente provisórias”, como assegura o comandante Maçanita.”

Disto e do que aqui não coube resulta um livro extremamente lúcido, essencial para a memória daqueles que participaram na(s) guerra(s) em África.  

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