ROCHA DE SOUSA
Nasceu em 1938 este professor
universitário, pintor e crítico de arte, natural de Silves. Em 1961 foi
convocado para a guerra em Angola: “Assim é convocada a
nossa juventude culturalmente precária, compelida a amar de súbito um
território tantas vezes tratado de esguelha na própria escola, omitido sem
grandeza, província, colónia, província outra vez, imensidade física de
assombrações e de fascínios, terra de degredados e dos mais singulares
enriquecimentos.”.
Regressou em
1963. Dessa experiência foi fazendo registos do que via e sentia nas matas dos
Dembos entre Zala e Nambuangongo. Só em 1999 conjuntamente com a Editora Contexto
resolveu publicar os seus escritos a que deu o título de “ANGOLA 61 – UMA
CRÓNICA DE GUERRA OU A VISIBILIDADE DA ÚLTIMA DERIVA”.
É uma escrita densa,
por vezes pesada, mas paradoxalmente clara e luminosa. Eis como descreve a
estranheza de se ver num mundo tão diferente e belo porém tão perigoso: “O
medo latente leva-nos a considerar a massa sombria da floresta, quando o
contraluz lhe disfarça os contrastes, como uma espécie de espuma lamacenta,
absurda, com as suas bolhas de vários odores rebentando debaixo do céu.” Esta presença física e emocional da
floresta dos Dembos é recorrente em todo o livro.
Já instalado naquela
que iria ser a sua “casa” durante um tempo que lhe pareceria demasiado longo,
deixa-nos o relato da estupefacção sentida perante a barbárie, causada
sobretudo pelo medo, quando o homem se transforma e vira lobo do homem “numa
loucura de falso triunfo, raiva, vingança, desforra inútil, os soldados andaram
em círculos no meio da pista, fazendo piões com as viaturas, puxando depois o
corpo do guerrilheiro, ao qual cortaram dedos e orelhas, “troféus de guerra”, a
barbárie refluindo nestes pobres representantes da civilização ocidental, os
mesmos que depois abriram uma cova fora do cerro de Zala e aí enterraram os
despojos daquele homem meio coberto de sangue, mutilado, sem nome e ainda sem
pátria.”
Retenho também a descrição
quase poética do objectivo da jornada: “Nambuangongo surge do
abismo. Recorta-se no céu e parece um monte de ruínas negras. Algumas
palmeiras, como sentinelas eternas, convivem com o leve impulso da brisa.
Imagino que se movem, um sopro de vida, folhas oscilando vagarosamente, as pontas
desfocadas nas nuvens de terra e luz.”
E os mortos. “A
seu lado, como se dormisse em grande paz, está o nosso companheiro, o João
Mateus, (…) dorme, nem sequer vai acordar em Luanda, descerá à terra no
cemitério local, esse nome pomposo com que baptizamos os patéticos alinhamentos
das sepulturas nestes lugares, (…) “absolutamente provisórias”, como assegura o
comandante Maçanita.”
Disto e do que aqui não
coube resulta um livro extremamente lúcido, essencial para a memória daqueles
que participaram na(s) guerra(s) em África.
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