terça-feira, 15 de janeiro de 2013

FRESCOS


Chove imenso, embora o vento intercale ilhas de silêncio nas teclas que se fazem escutar numa superfície resignada à inércia das nuvens e as folhas das árvores brilham, uma vez por outra, sob o efeito de uma lâmpada de secretária debruçada à varanda.

23 comentários:

Amélia Oliveira disse...

Bom dia, Luís!
Estes teus 'Frescos' foram muito brm conseguidos (e digo Foram, porque já explicaste tê-los escrito na década de 80)- vê-se o que escreves! Gosto sempre muito de os ler! Embora não tenham uma forma 'visual' (o da semana passada tinha um pouco o 'aqui' e o 'ali', afastados no espaço da escrita - não posso chamar-lhe folha, não é?)o que lhe deu um pouco esse aspecto,também, de 'poema visual'... hoje deixo-te uma oferta, que espero que gostes, uma partilha de um poema de que gosto particularmente, totalmente visual, tanto no conteúdo como na forma! Daria um belo quadro...

l(a
le
af
fa
ll
s)
one
li
ne
ss

e.e.cummings

Só uma notinha para dizer que cummings optava por assinar o seu nome em minúsculas e foi um homem muito à frente do seu tempo - nasceu nos final do século XIX e a sua produção poética tem lugar na 1ª metade do século XX! O título do poema é, simplesmente, l(a

Amélia Oliveira disse...

'nasceu no final(...)' e não 'nos final(...)' - desculpas pelo lapso.

A.Tapadinhas disse...

A lâmpada é curiosa
E não gosta do escuro.
Nasceu assim.
Nessa noite
Foi à varanda espreitar.
Chovia, muito.
A lâmpada sabe de luz
Não de electricidade.
A ignorância mata.
Agora, é uma lâmpada
Fundida.

Abraço
António

Amélia Oliveira disse...

António Tapadinhas, as minhas desculpas por 'meter o nariz' no seu poema tão sério e divertido ao mesmo tempo. Desculpe, também, recorrer ao Inglês, mas há um ditado popular que diz 'curiosity killed the cat' - neste caso podia ser substituído por 'curiosity killed the lamp'!
Gostei do que escreveu!

Luís F. de A. Gomes disse...

Cummings, that shining star of beauty, perante quem os vinte anos se curvaram venerantes, alguém que à semelhança do que Cage, o Jonh do nosso encantamento, fez com o minimalismo na música, nos legou a contemporaneidade poética que haveria de vir então, tanto pela(s) imagética(s) que conseguiu, como pelo minimalismo com que depurou o(s) verso(s), sem com isso deixar de elevar a poesia à condição – o seu verdadeiro Olimpo – de uma das formas que o humano encontrou para reflectir sobre o Mundo e a Vida, convidando-nos para dentro, na busca da Luz que temos aí. Cummings, o poeta de uma sensibilidade tão, tão singular que talvez apenas em Virgínia Woolf encontramos na capacidade de criar o belo com as letras e as palavras que se transformam em ideias na forma de Primaveras que polinizam a(s) alma(s).

Resta-me retribuir com um poema se que sempre gostei muito, "If I Believe" que, na minha modesta opinião, sintetiza bem o que acabei de escrever:

if i believe
in death be sure
of this
it is

because you have loved me,
moon and sunset
stars and flowers
gold crescendo and silver muting

of seatides
i trusted not,
one night
when in my fingers

drooped your shining body
when my heart
sang between your perfect
breasts

darkness and beauty of stars
was on my mouth petals danced
against my eyes
and down

the singing reaches of
my soul
spoke
the green-

greeting pale-
departing irrevocable
sea
i knew thee death.

and when
i have offered up each fragrant
night, when all my days
shall have before a certain

face become
white
perfume
only,
from the ashes
then
thou wilt rise and thou
wilt come to her and brush

the mischief from her eyes and fold
her
mouth the new
flower with

thy unimaginable
wings, where dwells the breath
of all persisting stars

Não é pura e simplesmente uma maravilha?

Luís F. de A. Gomes disse...

A lâmpada sem lã
é nada, o que seria pada?
Mas a lâmpada sem pada, é lã.
Tirando a lã à lâmpada,
fica a lâmpada com frio.

Aquele abraço, companheiro
Luís

Luís F. de A. Gomes disse...

Desculpe, Amélia, esqueci-me de lhe retribuir o Bom dia.

Luís

Amélia Oliveira disse...

Perfect!
Contudo, devo confessar que tenho uma velha questão a resolver com o Cage! Há anos que faço sucessivas tentativas, mas não o consigo entender! Nunca consegui escolhê-lo para 'banda sonora' de um dos meus momentos...não alcanço a sua genialidade... arranca-me sorrisos, é certo, uma ou outra gargalhada com algumas das suas composições, mas não consigo passar daí! É como a leitura dos 'Irmãos Karamazov' - eu bem tento mas ainda não consegui!
Um resto de bom dia!

Unknown disse...

Maravilhoso momento em que os sons e as imagens se intercalaram... e eu pude ver as folhas das árvores brilharem no som da chuva que o vento conseguiu por vezes calar. Bonito momento este... o dos FRESCOS, que me dá sempre tanto gosto. Muito obrigada...

Luís F. de A. Gomes disse...

Can you see the Hudson river
when the clouds are painting grey,
on the day?

Can you hear the sound of loneliness
that surround us at the streets
on our feets?

And have you enjoyed the happiness
of finding the colored words of rain
on soul, not the brain?

So you feel at Hudson river
when clouds are painting the day
in a infinite grey.

That’s Cage music, certainly not so bad as my poem, but poetry, just
poetry with the sounds.
Try this,
http://www.youtube.com/watch?v=ExUosomc8Uc
and have a sweet dream.

PS

Espero que surja na caixinha, conforme o formato que lhe dei.

Luís F. de A. Gomes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luís F. de A. Gomes disse...

Sou eu quem tem que agradecer o seu olhar que, no entendimento, dá sentido ao que escrevi,

Amélia Oliveira disse...

Thank you for the link! I'm definitely going to give it a try!
Lindo poema, by the way!Congrats!

Luís F. de A. Gomes disse...

So, do it and tell us about that dream. I hope you like it.

Amélia Oliveira disse...

Boa tarde, Luís!
Ouvi o Dream, como sugeriste e não posso dizer que foi uma má experiência, mas sinto que não cheguei lá, à genialidade do Cage! Normalmente oiço de tudo um pouco, do fado ao rock, depende dos dias... acho que tenho uma banda sonora para cada dia! Mas às vezes basta um 'clic' para que consigamos entender a superior beleza de uma voz ou de um trecho musical. Deixa-me contar-te que me aconteceu isso há pouco tempo com a Callas - estava a ouvir uma ária qualquer cantada por já não sei quem e não me estava a soar nada bem... procurei a mesma ária cantada pela Maria Callas e, de repente, deu-se esse 'clic': foi nesse momento que entendi a grandiosidade da sua voz, depois de já a ter ouvido inúmeras vezes, sem lhe prestar grande atenção... suponho que, felizmente, sentimos as 'coisas' de forma diferente... e para além disso continuo a adorar a Janis Joplin... :)

Luís F. de A. Gomes disse...

Viva, Amélia

A genialidade do Cage, se assim se pode falar, está no facto de ter contribuído – creio que muito – para abrir o experimentalismo na música que veio a marcar a música contemporânea no século passado. Foi por essa via experimental que ele veio a descobrir a ideia de o silêncio não ser acústico, a partir do qual trabalhou as suas obras e desenvolveu uma técnica própria de composição que, por não o saber fazer, não me atrevo a explicar. Mas não é por isso que gosto dele, antes pelo agradável que me soam os sons que criou, mormente e acima de tudo no piano e daí essa composição, “Dream” que a convidei a escutar. Da mesma maneira que não foi por dele tanto gostar que o referi, antes pelo facto da importância que a música – como de resto todas as Artes - tem para mim, mesmo ao nível da procura literária em que há muito decidi aventurar-me. A verdade é que – e a Amélia fala de Janis Joplin – sempre gostei da chamada música de fusão, por exemplo dos “Chicago” dos primeiros seis, sete álbuns, mas também de outros, com os “Soft Machine”, os “Weather Report”, ou a “Mahavishnu Orchestra” e de tal ordem é assim que, nas minhas parcas capacidades, também o tentei fazer naquilo que escrevo, a procura de uma literatura de fusão – colocar na mesma peça as técnicas e as formas dos diferentes géneros – coisa que creio ter conseguido em vários contos e até no romance que estou publicando paralelamente ao “Frescos”, “A Comunidade do Vale da Esperança…”, embora sinta que o máximo dessa demanda está no “Há Pintassilgos No Meu Quinta” que também pode ler aqui na íntegra – a etiqueta está disponível. Só por isso veio o Cage à conversa, provavelmente como poderia vir qualquer outro dos minimalistas e isso por, sempre na minha modesta opinião, estar em consonância com aquilo que sempre considerei – trata-se de uma opinião meramente pessoal – o minimalismo do Cummings com que teve a bondade de me presentear o que, obviamente, me deixou encantado, pois logo se deu a feliz coincidência de se tratar de uma das minha referências poéticas, em particular e literárias, em geral.
(cont.)

Luís F. de A. Gomes disse...

Já quanto à Joplin, somos então dois que desse modo continuam e, mesmo para além do facto de sempre ter gostado dela – tive o “Peral” em vinil e agora em CD – ser da opinião que as suas músicas serão ouvidas e entendidas no futuro distante – se a Humanidade chegar lá, é claro – não só pela beleza das composições que interpretou, acima de tudo pela intensidade dramática que conseguiu transmitir aos temas que cantou e que – fora das cantoras de blues negras, pois os blues fazem parte da história da cultura afro-americana do Norte, marcada pela escravatura e mais tarde o limbo social – talvez mesmo só tenha sido igualada muito mais tarde, com a Amy Winehouse que não há muito nos deixou; temas como “Me And Bobby Mcgee”, “Cry Baby”, “Piece Of My Hearth” e muitos outros são exemplares de qualquer dos destaques anteriores.
De resto concordo consigo quanto ao que diz do clic e também digo que, felizmente, sentimos as coisas de maneira diferente – por vezes até as mesmas coisas ao longo da nossa vida. Da mesma maneira que também tenho o hábito de escolher ouvir bandas ou géneros diferentes consoante os dias – nestes últimos dias tenho andado a divertir-me, sempre uma vez mais, com o Zeppelin de que tenho a obra completa em CD e de que estou a ouvir o duplo, “Human Graffiti” a que se seguirá o “Presence”, o trabalho que menos me agradou, para não dizer que não me agradou de todo, tendo em vista vir a finalizar com o seu álbum de despedida, “In Trough The Outdoor”. Mas continuo a dar atenção ao que se está fazendo actualmente, sendo mesmo da opinião é que estamos no período mais rico e profícuo da criação musical a este nível, adorando, só para dar dois exemplos, o que Jack White – e toda a constelação em que está envolvido – faz – ouça o “Blunderbuss” que é uma delícia – e só por erro de troca de datas não fui ver recentemente os “Black Keys”, em Lisboa. Sendo, no entanto, muitíssimo eclético em gostos musicais; gosto de música, simplesmente, desde que me toque e ao meu ouvido e coração chegue como boa – o que não me pergunte para definir.
Seja como for, tiro-lhe o chapéu pela curiosidade revelada, pois tenho para mim que é essa a base de todo o conhecimento e este é muito simplesmente um dos factores – qual a importância que o mesmo terá aí, pergunto-me – da liberdade e portanto da dignidade que a todos deveria assistir, sem o que jamais estaremos perante, qualquer seja, um mundo justo e isso, para mim, é claro, é o que mais importa.
E pronto, resta-me desejar um resto de dia em paz e dizer que me esqueci do Fiodór, com quem vale a pena insistir, não tenho dúvida, justamente por nos levar a reflectir precisamente naquilo que sublinhei no parágrafo anterior.

Unknown disse...

Li os comentários todos e percebi que tenho muito a aprender sobre alguns músicos. Fui à procura e fiquei tão contente! Gostei muito do John Cage, mesmo sem o perceber. Adorei o som de piano no Dream. Ouvi outras composições e fiquei um pouco... perplexa... surpresa... tocada... e agora fiquei com vontade de descobrir os outros que ainda não conheço. Obrigada, Luís e Amélia. É tão bom conhecer coisas novas... mesmo que não se entendam nem se expliquem.

Luís F. de A. Gomes disse...

Como são bonitas as suas palavras e como encanta sempre que vemos uma pessoa assim e deixe que lhe diga que, pela minha parte não tem que agradecer, pois a isso se chama partilha e tenho para mim que também é para isso - pessoalmente digo, sobretudo para isso - que estes espaços servem; a partilha daquilo que sabemos, daquilo que pensamos, até tão simplesmente daquilo de que gostamos e isso, Teresa, no meu modo de ver, é da máxima relevância se tivermos em conta que a partilha, afinal, é uma das marcas que a Humanidade tem dentro de si. É verdade que hoje vivemos tempos cinzentos em que por via da mercantilização das coisas - das próprias pessoas - prepondera aquele discurso cínico que pretende ver no Homem nada mais que um predador de si - o discurso ignorante e, para meu gosto, cretino, que pretende ser essa a lei da natureza (?!) em que só os mais fortes conseguem vencer. Mas a verdade é que se olharmos para a nossa história enquanto espécie e soubermos daquilo que estamos a falar, então teremos que verificar pela evidência com que isso transparece que, tendo nós - o sapiens sapiens - à volta de duzentos mil anos, a larguíssima maioria do tempo, seguramente, pelo menos, cento e noventa mil deles - veja por si as proporções -foi precisamente a partilha a chave básica da sobrevivência. Ora, não quererá isso dizer qualquer coisa?

Tenha uma noite em paz, Teresa que a minha terá o Sol destas suas palavras.

Amélia Oliveira disse...

Boa noite, Luís!
Fico feliz por saber que tb partilhamos alguns gostos musicais! Sugiro-te,se me permites e para chamar o bom tempo, a versão da Janis Joplin de 'Summertime'!
Um enorme abraço também para a Teresa!

Luís F. de A. Gomes disse...

Essa do bom tempo, não compro; bom tempo é este que estou a viver, por muito negro que seja em termos sociais, é aquele de que mais estou a gostar.

Mas vejo que sim, de facto estamos perante gostos comuns e vejo que a Amélia sabe bem do que estamos a falar, pois o "Summertime" é, de facto, a melhor ilustração para aquilo que escrevi anteriormente. Só o início é de nos esmagar a alma, aquela sua voz - seria a natural? Seria a voz modelada pelo acóol e as drogas? - arranhada como um lamento que nos obriga logo ao silêncio de querer ouvir é, simplesmente, qualquer coisa de divino.

Já agora acrescento.
Não tem nada a ver com a Joplin mas, ainda que um pouco mais velho, também era uma voz desse tempo.
Aqui há uns dois anos atrás - quando ela esteve cá pela primeira vez não estava eu - tive a curiosidade de ir ver a Joan Baez que é um registo completamente diferente.
E não é que - do profissionalismo outra coisa não seria de esperar - a voz da mulher ainda apresenta uma frescura de encantar. Tendo decidido ir ao concerto com um certo receio de levar uma injecção de nostalgia e empata tempo - a mulher está já nos setenta - não é que fui prendado com uma actuação maravilhosa e vim de lá de alma cheia?
É isso mesmo, a vida tem destas coisas.

E para finalizar, chamo a atenção para um concerto que vai acontecer no Montijo - se for daqui perto, não perca - Minta & Brook Trout; são portugueses e publicaram recentemente o segundo álbum e valem francamente a pena. Uma maravilha.

Tenha então uma noite em paz com... Que tal o "White Rabbit" dos Jefferson Airplane, mas baixinho que é para não ter a casa invadida pelos vizinhos cheios de inveja.

Luís

Amélia Oliveira disse...

Bem, este será o último comentário! Quando referi o 'bom tempo' referia-me ao sol: não sou grande fã do Inverno... falta-me a luz natural! Adoro a Joan Baez e há muito tempo que não a oiço - será a minha banda sonora de amanhã! Vou ficar atenta ao concerto no Montijo: n conheço a banda, mas há muita gente boa a fazer música neste momento! Vou procurá-los no Youtube amanhã. Obrigada!

Luís F. de A. Gomes disse...

Não agradeça, ouça. E boa audição, a Baez é - continua a ser - francamente bela.