segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (12)


Pobres Esperando a Sopa, Nonell, 1899

Óleo sobre Cartão, 51 x 65,5 cm
 TROCA DE DOENÇAS

A Maria Filomena tem Alzheimer há 10 anos. Tem-se mantido estável e, como diz o Doutor Luís, era bom que todos estes doentes fossem como ela. Na realidade, eu não a conheço pessoalmente, mas vejo-a passar na rua e parece-me não estar nada mal. Continua com muito bom aspeto e, aparentemente, ainda consegue levar a sua vida com alguma ligeireza.

- Não é bem assim – diz a filha – só quem está com ela é que sabe.

Eu já tenho pensado o que será que ela quer dizer. A senhora parece-me tão bem…

A D. Augusta é a irmã mais velha da Maria Filomena e já está muito esquecida. O Doutor Luís, que sempre foi o seu médico, diz que ela tem é muita idade, porque, do resto, até está bem boa.

- Coitadinha, – diz a filha – já está tão velhinha, a minha mãe…

Eu cá já tenho pensado que bem, só se for do resto, porque de aspeto, a Maria Filomena parece estar bem melhor.

- A minha mãe diz que a tua mãe não está boa da cabeça. Sabes o que ela me disse? Diz que a irmã parece uma maluquinha e que já nem a percebe.

A filha da D. Augusta riu-se.

- Olha, a minha diz-me que a tua cada vez está pior. Mas depois nem me soube dizer porque é que dizia aquilo.

A filha da Maria Filomena riu-se.

E eu fiquei a pensar que, muito possivelmente, o tal do Doutor Luís devia estar enganado.

E então, o que é que eu fiz?

Troquei as fichas ao médico.

Mas foi só para perceber qual delas estava pior.

Se a Maria Filomena, com Alzheimer há 10 anos, ou então a D. Augusta que tinha já muita idade.

Calei-me bem caladinha.

No dia da ida ao médico, pus-me à coca.

A D. Augusta, ligeira, rodopia e já nem cai.

E a Maria Filomena vem calada e cabisbaixa.

Houve troca de doenças.

Agora a D. Augusta tem Alzheimer há 10 anos e a Maria Filomena sente-se outra vez menina. E do resto nem se fala.

Maria Teresa Bondoso

8 comentários:

Amélia Oliveira disse...

Bom dia Teresa e António!
Acabo sempre por me alongar um pouco nestes comentários da 2ªfeira porque as histórias da Teresa trazem-me sempre memórias de outras histórias que acabo por contar. Vou tentar ser breve...
O meu filho mais velho também sofre de uma doença chamada Impaciência (diagnóstico meu, que não sou médica, mas sou Mãe). Há poucos dias, a meio da noite, a mulher sentiu-se mal e lá tiveram que ir ao serviço de Urgências do hospital mais próximo. Como a previsão para o atendimento era de seis horas, a Impaciência do meu filho começou a dar sinal: eram vírus e bactérias a pairar naquela sala de urgências, prontinhos a atacá-lo a qualquer momento, durante as 6h que teria que acompanhar a mulher! E não foi de modas: como vale mais prevenir, lá foi também queixar-se à sala de enfermagem de que a coisa não estava lá muito bem... e como sou Mãe e conheço de cor a sua doença chamada Impaciência, imagino as queixas... a tal ponto que acabaram por dar à mulher, que não se sentia nada bem, o auto-colante de 'Acompanhante', passando ele a ser o doente principal. E como se isso não bastasse, fez uma série de exames médicos, passando sempre à frente da mulher que, lá para o início da manhã, de tão absurda a situação, já nem pensava na sua doença, só pensava em como era possível ter passado de doente a Acompanhante... Para terminar só quero acrescentar que os diagnósticos foram: tensão alta para ele (pudera!) e perfeita saúde para ela! Tenho, cá para mim, que também se enganaram no diagnóstico...

António, como sempre uma excelente escolha do quadro que acompanha a história da Teresa!

Só mais uma nota: tenho andado às voltas com as palavras 'história' e 'estória' - depois de dar tanta volta, mantenho história, apesar da discordância de muitos letrados - e da concordância de outros tantos!
Um abraço a ambos!

A.Tapadinhas disse...

Amélia Oliveira: Mais uma vez, obrigado!

Vou enviar-lhe um e-mail, com um desafio...

Abraço,
António

luis santos disse...


que coisa mais curiosa essa, fraternidade até na troca da doença e da idade. que velhinhas mais ternurentas, tão pobrezinhas. que linguarejar mais desafinado.Vá lá que está para breve a vacina contra o envelhecimento.

MJC disse...

Confesso não ter percebido bem o sentido da história mas fiquei curioso com o que será o resto de que não se fala.

Constou-me que o EG fica todo regogizado com a diversidade que aqui desagua.
E eu, também fico.

Manuel João Croca

Unknown disse...

O resto de que não se fala é o que vem a seguir. É a vida a continuar a abraçar a leveza do amor. Até mesmo quando ele, o amor, é tão desafinado.

Unknown disse...

Ó Amélia, tenho de confessar que tenho exatamente os mesmos sintomas que o seu filho mais velho. No meu caso, é uma doença crónica, mas não comparticipada... e quando vou ao serviço de urgências, tenho sempre uma crise aguda... que por vezes se repeta nas minhas reuniões de departamento (sobretudo por altura das avaliações. Puxa!!!

Unknown disse...

As pessoas desta história existem mesmo... são reais e próximas de mim. Muito próximas. Tão próximas que até o drama da situação se aligeira. E o amor o faz tão leve... são abraços da vida, daqueles bem apertados. E a gente aprende... e continua. entrega-se e se encontra. Obrigada pelos comentários. Obrigada ao António, pelo cuidado "de sempre". Obrigada ao EG. São todos um espetáculo... de verdade.

Amélia Oliveira disse...

Teresa, o meu filho mais velho é, em quase tudo, parecido comigo - por isso devo dizer-lhe que, também eu, sofro da mesma doença... se algum dia nos encontrarmos nas Urgências uma de nós poderá sempre fazer o papel de Acompanhante! Quanto às reuniões nem digo nada: acabei de chegar de uma do Conselho Geral... mas é com enorme prazer que em cada 2ª feira descubro que temos mais qualquer coisa em comum - por isso as aguardo com alguma Impaciência!
Um abraço enorme!